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sábado, 5 de setembro de 2020

LAMPIÃO E O CASAMENTO DE LICOR


Por Beto Rueda

O casamento de Licor era assunto palpitante e preocupante para os habitantes do pequeno povoado de Nazaré, nas imediações de Floresta, Pernambuco.

Maria Licor Ferreira de Lima era prima legítima de Lampião, cujas mães eram irmãs. Diziam a boca pequena que Virgolino nutria por ela um sentimento.

A barbearia de Manoel Flor era o ponto de encontro para escutar as últimas notícias e novidades: o assunto principal era se o Rei dos Cangaceiros viria ou não para o festejo.

Sabedor do evento, mesmo sem ser convidado, chegou Lampião no dia marcado para sua realização, a 31 de julho de 1923. Ao sol ardente e faiscante do meio dia penetraram inesperadamente na povoação, dezesseis cangaceiros na ativa, sob o seu comando.

Além de seus irmãos Antônio e Livino, tinha Meia Noite, Juriti e seu irmão Batista, Manuel Tubiba, Chá Preto, o corneteiro Firmo, Caixa de Fósforo, Piloto... antes, arredadas duas léguas para trás, deixara estrategicamente Lampião, perto da serra do Pico, na fazenda Enforcado, de seu amigo Pedro de Engrácia, um grupo tático de reserva: oito cangaceiros sob o mando de Antônio Rosa.

Postadas sentinelas em cada esquina da rua, espalharam-se os demais pelas casas, indo logo beber e jogar truco nas vendas de João Ferreira e Enoque de Sá Menezes. Surpreendida, assustou-se a população. De logo correram boatos que Lampião tinha vindo para ajustar contas, tirar forra de questões passadas...

O povo todo sabia que não era coisa do gosto de Lampião aquele casamento de sua prima com Enoque, suspeito de informante a polícia dos movimentos do seu grupo. O destacamento policial local, de seis praças sob o comando do cabo João Cabecinha, cujo quartel era a casa-da-rua cedida por seu dono, Gomes, havia sido retirado pelo delegado de Floresta.

Cerca das duas da tarde pela estrada, vindo de Vila Bela, chegara com seis horas de viagem para realizar a cerimônia, o vigário da freguezia, padre José Kehrle, ou somente padre José, mais por simplificação do falar do que pela dificuldade da pronúncia do sobrenome alemão.

Confiando no apoio e no respeito que o vigário imprimia com sua presença na terra, Alfredo Ferreira de Lima, irmão da noiva, sentindo o ambiente tenso reinante no vilarejo, foi conversar com Lampião, fazendo-lhe ver que não ficava bem, num dia de festa como aquele, a sua vinda com o bando assim solto, acintosamente armado, desde que chegaram.

Naquele tempo, além da volante que perseguia os bandos de cangaceiros, também os Nazarenos viviam travando combates com Lampião e seu grupo. Com muita insistência do padre, Lampião e seu grupo resolvem a certa hora, deixar o lugar, mas como uma forma de vingar-se, arrebatou a sanfona da festa e advertiu:

- Hoje, aqui, não se dança. Com a concertina do cantador na mão, levou também a alegria da festa, pois as pessoas foram privadas de um baile e tanto.

Na manhã seguinte, Lampião convoca todo o grupo e decide voltar para a cidade. Ao entrarem em Nazaré, sendo questionados pelas pessoas do porquê de terem voltado, Lampião disse:

-Vim agora e não há quem me bote pra fora.

Mesmo sem saber, Lampião havia se livrado de duas emboscadas. Uma, no momento do casamento, em que os Nazarenos, ferrenhos perseguidores dos cangaceiros, planejavam assassiná-los, no momento em que estivessem dançando no baile, coisa que não aconteceu, pois Lampião, além de não ficar para o baile, também impediu que acontecesse a dança. Outra emboscada, que foi preparada pelos Nazarenos David Jurubeba, Pedro Gomes, e pelos irmãos Euclides, Manoel e Odilon Flor, também foi frustrada. Os Nazarenos haviam armado uma emboscada em um lugar que os cangaceiros iriam passar, mas chegaram atrasados e Lampião e seu bando já haviam passado.

Coisa interessante aconteceu depois, quando Lampião estava rumando para a capela de Nossa Senhora da Saúde. Um alvoroço de pessoas, na direção da estrada, denunciou a aproximação de uma volante. Os cangaceiros, vendo que a polícia chegava para guerrear, se entrincheiraram nas casas da cidade e arrocharam tiros contra os perseguidores. Enquanto ele e os cangaceiros travavam a luta contra a polícia, debochavam demais de seus oponentes e o interessante é que, como se nada estivesse acontecendo, enquanto atiravam, os bandidos comiam dos pratos preparados para a festa do casamento, bebiam cerveja, tocavam sanfona e cantavam “Mulher Rendeira”. Imagina só que cena cômica...

No meio do combate entre a volante e os cangaceiros, os Nazarenos que tinham ido esperar a passagem do bando num local, ouvindo os tiros, perceberam que haviam chegado atrasados e foram, na tentativa de ajudarem a polícia. Chegaram logo atrás da volante e começaram a atirar contra os cangaceiros, mas essa ideia não foi muito boa pois a polícia, sem saber de quem se tratava, começou a atirar contra os Nazarenos também.

Com muito custo, conseguiram avisar que se tratava de reforços e centraram os tiros contra os inimigos em comum, mas, como bom estrategista que era, Lampião, tendo decorridas duas horas de combate, decide bater em retirada. O grupo de cangaceiros, juntamente com seu líder, nada sofreu. Hoje, na história do cangaço, muita gente ainda guarda lembranças do dia do casamento inesquecível de Licor.

REFERÊNCIAS:
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. Petrópolis: Vozes, 1985.
ARAÚJO, Antônio Amaury Corrêa de. Lampião: as mulheres e o cangaço. 2.ed. São Paulo: Traço Editora, 2012.

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