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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

ANGICO E SUAS VERSÕES

 Por João de Sousa Costa

A morte de Virgulino Ferreira da Silva, em Angico, ao amanhecer do dia 28 de julho de 1938, talvez seja o episódio mais pesquisado dos acontecimentos históricos do século XX. Copidescando relatos de personagens aqui e ali, o que se consegue ter é um mosaico de personagens vira-casacas e versões – corroboradas por muitos, contestadas por outros tantos. Vejamos algumas.

Como pode o massacre de Angico ter ocorrido, mesmo depois que o estado-maior de Lampião (chefes de subgrupos) integrado por Zé Sereno, Corisco e Candeeiro ter alertado para os riscos que lugar representava?

- Excesso de confiança que o capitão tinha em Pedro de Cândido, disse certa vez Zé Sereno.

Naquela manhã, a tropa comandada pelo tenente João Bezerra era composta pela formação de 3 volantes, 45 membros entre soldados e coiteiros delatores - os irmãos Cândido.

Sobre essa tropa, destaquemos o soldado Sebastião Vieira Sandes (chamado na tropa de soldado Santo), era sobrinho da baronesa de Água Branca, aprendeu a atirar de fuzil com o próprio Virgulino, foi seu ex-coiteiro e espécie de afilhado tratado na intimidade como “galeguinho”, também perito em artefato de couro e mensageiro preferido do Rei do Cangaço.

Ao historiador Frederico Pernambucano de Melo, mais de 50 anos após os acontecimentos de Angico, Sebastião Vieira Sandes, revelou coisas curiosas puxando para si a autoria da morte de Lampião.

Disse que disparou de cima do barranco para baixo e matou Lampião a “menos de oito metros de distância” com um tiro de ponto, e depois outro. E que Virgulino ao ser morto estava “em pé, inteiramente equipado e bebendo café da manhã”.

Esta versão de Sandes, contestada por muitos, parece merecedora de crédito porque, por parte da Polícia, apenas três de todos os militares conheciam pessoalmente Lampião: Sebastião Sandes e o tenente João Bezerra. Além de Pedro de Cândido, que fora obrigado a delatar, denunciado por outro coiteiro, Joca Bernardo.

Santo foi integrante do grupo avançado do aspirante Francisco Ferreira de Melo e, segundo revelação do escritor Frederico Pernambucano de Mello, conduzia em seu bornal, munição nova de qualidade, que o próprio Lampião lhe dera de presente um ano e meio antes quando “Galeguinho” era coiteiro e que ele fez uso dela para matar o ex-padrinho.

Mas o que temos é o fato de cada integrante da tropa liderada pelo Tenente João Bezerra ter apresentado uma versão para os fatos ocorridos em Angico.

Difícil para o leitor é distinguir as bravatas ditas depois pelos soldados da volante e os fatos, relatos verossímeis dos fantasiosos.

Há a tese de envenenamento que é tentadora, mas pouco confiável.

Tem a versão “fantasiosa” de Antônio Honorato da Silva (Noratinho), que jurou ter sido ele quem atirou na cabeça de Lampião; o aspirante Francisco Ferreira disse que Lampião tombou após ele ter disparado uma rajada de metralhadora e tem a versão do cabo Antônio Bertoldo, que jurava também ter sido ele o homem que matou Lampião.

Há uma versão para todos os gostos.

Tenente João Bezerra da Silva

E mais: tem a narrativa de que tudo não passou de uma farsa montada por Lampião, tenente João Bezerra e Pedro de Cândido, um ardil que possibilitou a Lampião e Maria Bonita fugirem para Goiás ou Minas Gerais. Qual das versões merece crédito?

Para os cangaceiros não importa quem atirou, interessa mais quem escapou e como. Foi o caso do jovem adolescente José Ferreira dos Santos, sobrinho legítimo de Lampião, filho de sua irmã Virtuosa, que chegara ao acampamento de Angico dois dias antes do combate para se alistar no bando. Confiram o que ele relatou ao jornal A Tarde, de Salvador, edição de 2/03/1939.

“No dia seguinte, de manhãzinha, eu tinha acabado de lavar o rosto e fui apanhar um cigarro que eu deixara em cima de uma pedra, quando ouvi um tiro. Depois, outro. O pessoal todo pegando em armas. Todo mundo correndo. Eu, morto de medo, larguei o rifle que meu tio tinha e dado e caí no mato”.

Já o cangaceiro Vila Nova, afilhado de Lampião e vizinho de barraca, narrou o seguinte ao Jornal de Alagoas, em 25 de outubro de 1938.

“Às cinco horas da manhã quando começou o combate, Lampião já havia ido ao mato. Ao romper dos primeiros tiros, o chefe estava quase equipado, faltando apenas abotoar as correias dos bornais, quando foi atingido pelos dois primeiros projéteis. Imediatamente depois dos tiros, houve um pequeno intervalo, e os cangaceiros que estavam perto de lampião foram acossados por fortes rajadas que partiam da mesma direção. Logo caíram, mortalmente feridos, Quinta-Feira, Mergulhão, Colchete, Maria Bonita e Marcela”.

É pouco provável que Angico tenha sido uma conspiração armada entre Lampião, coiteiros, coronéis e a polícia. O fato é que pôs fim ao cangaço, e que ainda desperta a atenção e estudo por parte de muitos. Escolha a sua versão; eu fico com a história de Sebastião Vieira Sandes.

Fotos. 1. Sebastião Vieira Sandes. 2. Tenente João Bezerra. 3. Massacre de Angico, poucos dias depois. Alguns volantes presentes.

João Costa. Blogdojoaocosta.com.br

Fonte. “Apagando Lampião – Vida e Morte do Rei do Cangaço”, de Frederico Pernambucano de Melo”.

“Lampião – a Raposa das Caatingas”, de José Bezerra Lima Irmão.

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http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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