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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

JOÃO DA BICHA, O FEITICEIRO

 *Rangel Alves da Costa

Não me recordo bem o período, mas creio que aconteceu pelos idos dos anos 80 em Poço Redondo, no sertão sergipano. De repente, apareceu pelos rincões sertanejos sergipanos um estranho, misterioso e instigante forasteiro, mais conhecido como João da Bicha.

Há algumas versões, contudo, dando conta que desde os anos 60 o misterioso homem já andejava pelos sertões sergipanos. Situei os anos 80 como marco pelo fato de que foi a partir desse período que o mesmo se fixou na cidade de Poço Redondo e na casinha a seguir mencionada.

Como dito, conhecido como João da Bicha. E talvez esse nome por uma ferida que tinha numa das pernas e que nunca sarava, ainda que o mesmo se prontificasse, pelo uso de ervas medicinais e outros meios, a curar feridas nos outros.

Moreno de pele escurecida, de altura mediana, magro, caminhando compassadamente pelo problema na perna, de vez em quando levando um chapéu panamá e vestindo de preferência o branco.

Alagoano ou pernambucano, não lembro bem, mas a verdade é que foi se arranchando na cidade de Poço Redondo. Trazia consigo somente uma velha mala e outros pertences de seus afazeres no dia a dia.

Encontrou uma velha casa desocupada e sem portas na antiga Praça Arnaldo Rollemberg Garcez (Praça Eudócia) e a tornou como moradia. Seu viver na casinha se resumia a uma saleta onde deixava seus apetrechos num canto e dormia geralmente numa esteira de chão.

Não demorou muito e o forasteiro começou a mostrar seus dotes, de mandingueiro e de bebedor de cachaça. Logo se espalhou pela cidade que João da Bicha era rezador de mão cheia, passando o ramo pra qualquer coisa e aporrinhação espiritual, como feiticeiro dos bons.

E foi assim que os interessados na resolução de problemas do corpo, da alma e do coração, começaram a formar grande clientela para o benzedor e mandingueiro. Gente que desejava acorrentar o coração alheio, mulher querendo desfazer o casamento de homem, gente querendo apenas fazer maldade com o próximo, todo tipo de safadeza.

Essas pessoas geralmente entravam pelos fundos da casa para não despertar atenção do que ali iam fazer. O homem fez fama e enlaçou e desenlaçou muito nó, ao menos para aqueles que acreditavam em feitiçarias e coisas tais.

Mas outras pessoas iam ali apenas para serem rezadas e afastar pesos ruins do corpo. Certa feita, de tanto benzer, rezar e fazer secar ramos e mais ramos de uma mulher, João da Bicha chegou à conclusão que o problema dela não era de reza nem benzimento, mas de deixar de safadeza.

A mulher começou a chorar e acabou confessando que não era flor que se cheirasse, e saiu de lá prometendo nunca mais falar mal dos outros, viver espalhando fofoca e nem dar em cima de homem casado. Mas logo a fama de João da Bicha começou a ser atrapalhada pelo seu vício na cachaça.

De repente, outra coisa não fazia senão beber, passando dias e noites bebendo cachaça no seu canto imundo de chão. Quando a fase passava, então se banhava, vestia roupa branca, colocava chapéu, e saía pela cidade, mas sua direção acabava sempre sendo um bar, onde tudo novamente começava.

E assim viveu em Poço Redondo, entre mandigas e bebedeiras, até a passagem dos anos torná-lo quase esquecido. Mas muita gente ainda o lembra, principalmente aqueles que entraram escondidos pelo quintal e levando na mão um retrato, uma calçola ou cueca e um fio de cabelo, na esperança que a mandinga desse certo. 

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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