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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Engraçado - Entrevista com Lampião

               Como já faz mais de dois anos que eu venho estudando a literatura lampiônica, e que muito me tem dado bons conhecimentos, no que se refere a cangaço, e ao famoso e lendário cangaceiro do nordeste, o capitão Lampião, como é conhecido mundialmente; e quando eu leio algo sobre este desastroso movimento social daqueles perigosos jovens, tenho a impressão de que estou caminhando com eles pelas caatingas do nordeste, apesar de não as conhecer.                 
               Mas em cada lugar que eles passaram, eu tenho na mente como eram os cerrados, as caatingas, os rios, as invasões, o rio São Francisco, o Raso da Catarina, os coitos que eles faziam, os bailes perfumados, as negociações com os fazendeiros, as tocais... É como se eu estivesse dentro do cangaço, vivendo todos os movimentos que eles faziam.     Certo dia, eu tive um sonho, e nele, me tornei num repórter, aonde cheguei a fazer algumas perguntas ao famoso Lampião.  Apesar de ter sido um homem perverso, mas ele me recebeu muito bem, obrigado, respondendo as minhas perguntas, as quais eu passo para os meus leitores como aconteceu esta sonhadora entrevista.                                      
               JMP – Por que entrou para o mundo do crime?                       
               Lampião – Primero qui tudo têno qui mi indentificá quêim eu sô. Chamu-mi Virgulino Ferreira da Silva, e pertenço à humide famia Ferreira, do Riacho de São Dumingo, municipe de Vila Bela. Meu pai, pur ser cunstantimente pirsiguido pela famia Nogueira e em especiá, pur Zé Saturnino, um dos nosso vizinhos, arresoiveu ritiraçe para o municipe de Água Branca, no istado de Alagôa. Nêim pur isso ceçô a pisiguição.  Im Água Branca, mina mãe faliceu. A causa: caiu im dipreção, divido a pisiguição daquele dirgraçado, o Zé Saturnino. Tumbêim, lá foi açacinado o meu pai, José Ferreira da Silva, pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1920. Não cunfiando na ação da justiça púrbica, pur quê os açacino contava cum a iscandaloza potreção dus grande, risoivi fazê justiça pur mina conta pórpia, isto é, vingá a morte do meu prugenitor. Não pirdi tempo, e risolutamente arrumei-me e infrentei a luta. Não iscuí gente das famia inimiga para matá, e ifitivamente cunsigui dizimá-las cunsideravimente. Pur isso digo qui eu intrei pru mundo do crime, não pur mardade mina, maiz pur mardade dos outo.   
                JMP – E quais foram as maldades?                 
                Lampião – Veja se eu têio ou num razão. Em 1915, ocorreu uma das maió secas da rigião nordistina, de intencidade e duração até intão nunca vista. Us meus paiz, coitado, sofrendo cumo tanta ôtras famía, risoiverum viajá até Juazero do Norti, im visita a meu padim padi Cíço. Cumo era custume de muita famia nordistina irem à prucura de ajuda riligiosa, meu pai tumbém dicidiu prucurá os riligioso. E para qui a prupriedade num ficaçe abundonada, eu num viagei cum os meu paiz. Fiquei no sítio prá cuidá dos afazer rutineirus. Dias dispois, cumeçou a dizaparecê caprinus. Eu cumeçei a investigá, tentando discobrí o respunsávi e ricuperar os nosso animá. Insisti até principe do ano de 1916.                                  
               JMP – E daí, capitão, o que aconteceu? – interrompi-o, mas ele  nem gostou. 
               Lampião – Caima! Vosmicê mi parece vexado!... Certo dia, eu discubri quêim era o ladrão dos nosso animá. 
              JMP – E quem era o ladrão, capitão?                                    
              Lampião – Espera sugeto! Vosmicê é ingual aquele apresentadô da Grobo, um tá de Fastão. Num ispera que ninguém dê a resposta!...Poiz bêim! Ontonse intrei na casa de um moradô na fazenda Pedrera, de purpriedade do dito Zé Saturnino.  Cumo eu sempre fui um sugeito curioso (e com isso, eu cunsegui vivê mais de vinte ano no cangaço), vi város côro de cabra e bode, ainda trazendo nais zurêia, as marca dos noço animá. Daí, num tive durda, que aqueles côro erum dus nosso animá que havia dizaparicido. A partir disso, cumeçêi uma guerra cronta aquele safado ladrão, o Zé Saturnino.
              JMP – E o que aconteceu depois que o senhor descobriu que haviam roubados os seus animais?  
              Lampião - Se  vosmicê calá eça sua forragera, sugetinho que num sabe intrevistá ninguêim, eu vô lhe respondê. Maiz se continuá se intrometendo nas mina rispostas, eu coito a sua língua cum o meu punhá. E acho mió agente incerrá  eça intrevista pur aqui...poiz chim! Ontonsse cumo eu ispaiei o açunto, afirmando a quêim eu incrontava, que Zé Saturnino istava robando as nossa cabra, ele virô-se contra a mina famia. Maiz me fartô a paciênça. Findêi matando um dos seus aduladô. E tive que me refugiá lá no istado de Alagôa, juntando-me a meu irmão Livino, que já istava lá. Nóiz ficamo sêim sabê o que fazê. Tumêi uma sulução. Ô tudo ô nada. Cumo o Sinhô Perera sempre foi meu amigo, e já era dono de um bando de cangacero, aliêi-me a ele, isperando que mi deçe apôio. 
                JMPNessa época, quantos anos o senhor tinha? 
                Lampião – Eu já tava cum 22 ano de idade. Eu ainda era uma criancina.
               JMP – Sinhô Pereira foi uma influência na sua vida?
               Lampião – Foi um grande ôme e muito importante na mina vida de bandulero. È tanto que se ele e eu vortássim a viver novamente, e ele fosse cangaceiro, eu iria sê um sordado dele.
               JMP – A morte de sua mãe, qual foi a causa?                        
               Lampião – Parece-me que vosmicê ainda num intendeu nada. Ora sebo! Se cum eça cunfuzão tôda, dus rôbo que Zé Saturnino feiz dos nosso animá, cumo eu num deixêi a mina boca calada, e dizia que êle era um veidadero ladrão, cumo êle ficô decipcionado, feiz cum que o meu pai e mina mãe saíçe das terra de Pernambucu pá morá lá im Alagôa. Mina mãizinha num suportando a pressão daquêle dizaforado, caiu im dipreção, vindo a falicê nu ano de 1920. 
               JMP – E o seu pai, como foi a sua morte?
               Lampião – Eu nêim gosto de cumentá. – disse ele com os olhos cheios de lágrimas. Mas cumo vosmicê me preguntô, eu vou lhe explicá..., o disgraçadu munipulô o Zé... eu nêim gosto de falá o nome daquela peste. 
              JMP  – E quem é o desgraçado, capitão?
               Lampião – Vosmicê me pareçe que bebe? Num istá acumpãiando o meu raciocino, seu cabra?
              JMP – Estou capitão, mas o senhor falou num dergraçado e não disse quem é... 
              Lampião – O disgraçado é o Zé Saturnino! Pôiz bem. Ele num teve corage de me infrentá, cumo lá diz, foi pidir ajuda ao Zé Lucena, ôta poiquera que eu incontrêi no meu camino de bandolêro. Munipulado pur Zé Saturnino, o peste ruim foi lá onde o meu pai morava cum as minas irmã.
              JMP – E a mãe? 
              Lampião – A mãe de quêim? – interrogou ele com ignorância, e já com a mão no mosquetão. 
               JMP – Capitão, eu estou lhe perguntando, por que a sua mãe não estava com o seu pai no momento? 
                Lampião – Vosmicê num istá prestando atenção a mina resposta, seu dizaforado? 
               JMP – Estou capitão. Mas por que ela não estava com seu pai?
                Lampião – Ela já havia falicidu, coisa bêsta!... cumo o Zé Lucena foi munipulado pelo Saturnino, foi lá e açacinô o meu véio pai, a quêim tanto devo.
               JMP – Nesse período o senhor ainda se encontrava nas terras de Alagoas?
               Lampião – Ainda. Maiz nesse dia eu istava bem póximo da fazenda que o meu pai morava. Quando eu arricibi a nutiça, para mim foi a maió dô que eu paçei na mina vida.       
              JMP – O senhor foi para lá? 
              Lampião – Fui não seu disaforado! Que pregunta idiota essa que vosmicê me feiz dinovo. Se o meu pai tina sido açacinado, pru quê eu num ir lá?... Ora! Qui sebo! Assim que eu cheguêi, que vi meu pai invoivido num linçó de sangue, eu pirdi o tino. Ah, se eu tiveçe me incrontado cum ele naquele dia! Eu tiria o pego e matado divagazim, cortando pur pedaço. Eu cumeçava pelos dedo, dispois os braço, im siguida, as perna, as zurêa para dexá-lo lambido cumo cabra. E dispoiz infiava o  meu punhá na cravica, só para vê-lo morrendo afogado im sangue... 
             JMP – Capitão, dizem que o senhor conheceu Maria Bonita lá em Santa Brígida. Maria Bonita era bonita mesmo? 
              Lampião – Óia lá, cabra! Veja o que istá me preguntando.
             JMP – Mas isso faz parte da entrevista, capitão. 
             Lampião – Cumo vosmicê me preguntô e rialmente faiz parte da intrevista, eu lhe rispondo. Maria era uma linda mulé. Tina umas perna bêim feitas, carinosa, e um cafuné de Maria, me fazia um cordero.
             JMP – E Luiz Pedro, era um dos seus melhores amigos. O senhor nunca sentiu ciúmes com Maria Bonita.
             Lampião – Vosmicê já istá indo muito lonje! istá querendo difamar a mina Maria, cabra? – Fez ele encostando o seu punhal na minha goela.
             JMP – Não capitão!!!
              Lampião – Vô lhe respondê. Mas não me fassa maiz uma pregunta desse tipo. Poiz se isso acuntecê, vosmicê vai prová do meu punhá..., não só Luiz Pedo, cumo tôda cangacerada era lôca pur Maria. Maiz quêim comia a caine era eu. Eles nunca tiverum direito nêim de ruê os oços. 
              JMP – Por que o senhor não conseguiu sucesso na invasão de minha Mossoró? 
              Lampião – Ora! Cidade portegida pur santo, meu amigo, nunca foi para bico de cangacero.
             JMP – Onde foi que o senhor errou, quando arquitetou o ataque a Mossoró e saiu derrotado? 
              Lampião – O meu grande êrro, foi de tê mandado doiz biêtes para o prefeito. Se eu tivesse intrado sêim cumunicá-lo, cum ceiteza eu tinha levado todo diêro daquela cidade.    Massilôn, Sabino, e meu irmão Antôi, num qiria que eu mandaçe. Maiz infilismente eu teimei e mandei. Tumbêim eu num tina muito intereçe de assaltá Moçoró, purqui eu sô divoto de Santa Luzia. E a paduêra de sua cidade é ela. 
             JMP – O bando estava com quantos homens?
            Lampião – Eu levava un 60 cabras. Mandêi dizê que erum 150 ômis, pá vê se açombrava aquelas pestes. Elis erum maiz de 300 na luta e ôutro bocado no apôio, iscondidus dentro da igreja de Sum Vicente..., e ainda ôje conde passo numa cidade e vejo Sum Vicente, eu dô vontade de atirá bem no mei da testa, só pá vê a cabeça do disgraçado cair os pedaçus. Naquêli dia, Moçoró istava cum a febre dus capetas e a gripe dos poico. E para me atrapaiá, vêi uma chuva dus diabos, caindo do céu e a chuva de bala cumendo pur baixo. 
             JMP – O senhor já se encontrou com Benjamim?
             Lampião – Não. Maiz tenho vontade de me incrontá cum ele. Foi ele quêim me feiz herói no Brasil e no mundo inteiro, atravéiz dais foto que ele feiz prá mim e meus cabra. Se num fôce ele, hoje quase ninguêim me conecia.
            JMP – Se o senhor voltasse a viver na terra, quais os homens que o senhor os mataria?
              Lampião - Era o Zé Saturnino. O segundo seria Zé Lucena. E o terceiro, o disgraçado que antecipô a mina ida lá prá onde eu tô morando. Síria o João Bezerra, o boi veaco.
              JMP – E onde o senhor está morando?
              Lampião – No inferno eu num tô não. Quem divia tá lá, é esse bando de pulítico que roba o Brasil, deixano as famía cum fome. Eu robava, maiz dava tumbém ao pobe.
              JMP – Fale sobre a baronesa de Água Branca...
              Lampião – Deixô-me rico, rico... Deixa prá lá...
             JMP -   Se o senhor voltasse a viver novamente aqui na terra, com certeza seria um homem que fazia o bem? 
              Lampião – Prá quê? Prá sê prezo? Nem morto! Sê onesto é que eu num quiria sê. Nesse seu Brasí, quem vai preso é o ôme onesto.  Passei maiz de vinte ano robando, matando e nunca fui prezo. O mundo mió qui inziste nessa terra é sê ladrão. Se vai prezo, no ôto dia tá na rua. Agora veja quêim fica lá na cadêa inté mofar..., são os paiz de famia. Maiz ladrão tem o seu lugá garantido no Brasí.            

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