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sábado, 25 de dezembro de 2010

O Professor João Maleável

Por: José Mendes Pereira

               João Brasileiro da Silva eu o conheci muito, mas de vista e chapéu. E era alcunhado em Mossoró por João Maleável. Um senhor de muitas palavras, mas bastante respeitado pelas pessoas que lhe rodeavam. Algumas vezes, grosseiro, e em outros momentos, manso, brando, tímido, amigo, maleável, façanhoso como diz o ditado.  Era dono de uma estatura alta e meio feiosa. Moreno, um pouco cabeçudo, lampinho, e odiava a onda dos cabeludos.  De bigode largo e bastante fechado, aparentando uma vassoura de piaçava. 
               De todos os seus adjetivos, o que mais lhe chamava à atenção, era o de maleável. Adorava este apelido e não podia negar a ninguém. Era maleável por natureza, e nunca se importou com o adjetivo que lhe deram. E ainda dizia orgulhosamente: “-Este é o meu apelido carinhoso”. 
               Morava numa casinha bem pequeninha nas margens do rio Mossoró, ao lado do Horto Florestal, e de lá dava para se ouvir o retumbar das águas deslizando sobre a barragem Jerônimo Rosado. 
              Entrava-se na casinhola por uma passarela que se estendia desde o portão da entrada, até à porta da sala. De um lado e do outro, um pomar viçoso enfeitava a parte da frente da casinhola. Pelos fundos, ele continuava e confinava-se com a Comensa, nos dias de hoje, Cosern. 
             Vamos invadir a casa do João Maleável?                    
             Na sala, em um dos lados, dormia uma poltrona velha com o tecido que lhe envolvia todo rasgado. O outro, repousavam quatro tamboretes cobertos com couro de animais, mais uma escrivaninha bastante estragada, necessitando de um reparo urgente. Da salinha até a cozinha, os seus móveis eram: uma mesa, uma vitrola, uma geladeira a gás com a ferrugem invadindo as partes metálicas, lá na cantareira um pote, bastante gasto pelo  tempo, um fogão a lenha e mais uns utensílios domésticos. Esses completavam a sua mobília.
             Apesar da pobreza, não lhe fazia vergonha de modo alguma em convidar os amigos para saborearem uma carne assada nos finais de semanas, com uma bela cachaça nomeada “Velho Barreiro”. 
              Em anos anteriores, tinha sido motorista de ônibus, carpinteiro, pedreiro, açougueiro, protético prático, vendedor ambulante de ouro e outros artigos (bugigangas), como ele chamava as suas malas quando saía para trabalhar.  
             Ninguém sabia a sua verdadeira naturalidade. Algumas vezes dizia que tinha nascido no Rio Grande do Norte. Mas em outras ocasiões, no Ceará, na Bahia, no Rio de Janeiro, no Acre, em São Paulo, em Sergipe, nas Alagoas... E assim levava a vida mentindo para os amigos. A única certeza que se tinha do João Maleável, era um brasileiro nato, de carteirinha e nada mais. 
              Lá dentro da casinhola, mexia-se e tomava de conta dos seus pertences a Magali, a sua esposa Gagá, como ele a nomeava nas horas amorosas. Era uma senhora morena, gorda, pequena, pernas grossas tipos pilões, cheias de varizes, barriguda com as banhas derreadas sobre a castidade. De nariz arrebitado, queixo alongado para frente, cabelos enroscados ao crânio, seios avantajados e fora dos padrões da natureza. E vez por outra as mamas desajeitadas colocavam as gorduras para espiarem o mundo por cima do decote. E ele quando as via querendo sair para tomar um ventinho, carinhosamente dizia-lhe: “-Cuidado com os mamões, minha velha!”. 
              Ela não se sentia bem, mas aceitava com um sorriso seco e desconfiado. Era feia a esposa do João Maleável. Apesar da feiúra, ele ainda se gabava diante de toda vizinhança. “- Esta é a mulher mais linda que eu já conheci na minha vida!”.  
              Uma vez, no bar do Aderaldo, o Motinha cheio de pingas, disse ao Pedro Paulo em boca miúda, que a Gagá do João Maleável tinha todas as semelhanças de um hipopótamo fêmeo. Fofoca! E era necessário que o IBAMA fizesse uma busca nas proximidades do Horto Florestal, para capturá-lo e em seguida entregá-lo a África, pois o seu lugar era lá. 
              Dias depois, o Pedro Paulo enredou-o que o Motinha andava apelidando a sua esposa, chamando-a de hipopótamo fêmeo. Mas apesar do pouco respeito dele com a Gagá, ele não se interessou de ir atrás do mexerico, dizendo que: “-Quem tem boca diz o que quer.” Também podia ser bisbilhotices do Pedro Paulo para infernar os dois. 
              Um dia, ele mesmo, andava meio atrasado com contas no bar do Aderaldo, e como não estava com condições de liquidá-las, usou a sua mansidão, ofereceu a Gagá como abatimentos nas contas. Assim que ele fez a proposta, o Aderaldo respondeu-lhe de boca cheia e com os olhos arregalados.  
              - Deus me livre, João Maleável! Deus me livre! - bradava ele se benzendo. Cada um com o seu hipopótamo fêmeo na lagoa! Eu com o meu e você com o seu.                     
             A esposa do botequineiro Aderaldo, Magaive, Gaivinha, carinhosamente, era irmã gêmea da Gagá e ambas tinham as mesmas características, e cada uma delas era um mundão de mulher de tão gorda e desajeitada.     
               - Cuida do teu hipopótamo fêmeo que eu cuido do meu! – dizia o Aderaldo. Dois hipopótamos fêmeos para um homem só, João Maleável, é carne que não se acaba mais nunca! E se não der vencimento, vai entrar no estado de putrefação e desgraça o nosso bairro todo! Até a Santa Luzia vai exigir que a Diocese de Mossoró a mande de volta para a Itália! O comércio vai fechar as portas com tanto mau cheiro de carne sentida. Isso é coisa para açougueiros! - disse e saiu às pressas da casa do João Maleável sem olhar para trás.  
                Vamos conhecer a família do João Maleável? 
                Além da Gagá eram seis filhos pequenos, e todos capazes de caberem dentro de um balaio.  
                O último filho que havia nascido, fazia dois meses que tinha colocado o focinho no mundo. 
                Antes de ser professor, o João Maleável havia comido do pão que o diabo amassou, pois o pouco que ganhava nas vendas, não dava para cobrir as despesas de casa, e a sua situação andava preta. Não tinha mais roupas, as camisas não mais suportavam costuras, e duas calças que lhe restavam, uma delas tinha sido mastigada por um animal. Um único par de sapatos que dispunha, o solado estava tão fino, que se ele pisasse em uma moeda de cinquenta centavos de cruzeiros, já dava para sentir se o lado pisado era cara ou coroa.  
               Devido à situação que ele enfrentou, todas as noites antes do deitar, ia às redes dos filhos para contá-los, consolidava que como as coisas andavam desmanteladas, tinha medo que os cinco filhos fizessem um churrasco com um outro irmão.      

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