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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SECAS E CANGAÇO


Por: Lúcia de Fátima Guerra Ferreira
Na bibliografia existente sobre o cangaço nem sempre os autores concordam entre si com relação aos fatores determinantes e geradores deste fenômeno social.
Segundo Rui Facó, um dos caminhos para o cangaço começava com as dificuldades provenientes das secas pois, muitos sertanejos engajavam-se “nas chamadas obras contra as secas durante uma das calamidades periódicas. Chegadas as chuvas no ano seguinte, em geral as obras não prosseguiam, pois tinham mais por finalidade reter ali mão-de-obra excedente para o latifúndio. Uma vez que não podia absorver toda mão–de-obra disponível, os desocupados procuravam outro meio de vida, nem que fossem os assaltos armados, entrando para um grupo de cangaceiros”.
Maria Lúcia Resende Garcia
Para Maria Isaura Pereira Queiroz, que segue linha semelhante a Rui Facó, “o cangaço independente começou, pois com um período de marasmo econômico para as populações do Nordeste, devido às circunstâncias específicas de seu próprio meio, haviam sempre recorrido à complementações ocupacionais e financeiras fora dele; no período em questão, o meio exterior nada lhes oferecia, e a maior parte da população via-se confinada aos seus próprios recursos.”
Outros autores com Billy Jaynes Chandler superestimam o aparecimento do banditismo neste período. A fragilidade das instituições responsáveis pela lei, ordem e justiça também contribuiu grandemente.
Sem encontrar garantia de proteção nem do patrão, nem do Estado, muitas destas povoações do sertão se transformaram em verdadeiras selvas, onde cada um lutava por sua sobrevivência. “Paro, portanto, certo que o aparecimento do cangaço esteja intimamente ligado a este estado de desorganização social.”
Fonte: tarauacanoticias.blogspot.com
Apesar das diferenças quanto ao determinante político ou econômico, alguns dos os autores são unânimes no que diz respeito a influência das secas que no surgimento de grupos de cangaceiros, quer na sua expansão. Chandler coloca que, “o banditismo geralmente florescia durante as secas mais intensas e se agravou durante o final da década de 1870. Embora já existisse em tempos normais, é muito provável que a freqüência com que as secas se repetiam no final do século XIX e início do século XX contribuiu para aumentar o nível de violência que caracterizou o cangaço”. E Queiroz a afirmar que, durante as secas, o engajamento no cangaço independente era o melhor meio para garantir a sobrevivência e, ao mesmo tempo, adquirir prestígio. Sobrevindo a falta de oportunidade de trabalho em regiões externas ao Nordeste, onde o sertanejo ia buscar um ganho suplementar indispensável, o cangaço independente novamente supriu os meios que faltavam e permitiu aos indivíduos mais ativos e inquietos uma oportunidade para afirmação de sua personalidade”.
Durante muito tempo existiram os “coutos” espécies de esconderijos onde se agrupavam fugitivos da sociedade, desde escravos fugidos, remanescentes de movimentos revoltosos até criminosos e ladrões, que se constituíam em grupos de bandoleiros com a tolerância de algum coronel das proximidades, esses grupos atuavam tanto em benefício próprio como em benefício dos coronéis a eles ligados.
Fonte: http://www.new.divirta-se.uai.com.br
Segundo Carlos Alberto Dória, os primeiros grupos de cangaceiros autônomos, sem a ambigüidade dos Valhacoutos surgiram durante a seca de 1877/79, com a proliferação de diversos grupos que às vezes lutava entre si, e outras aliavam-se para algum grande empreendimento (1982.33).
A atuação dos cangaceiros na Paraíba durante a seca de 1977/79 é relatada por
José Américo de Almeida, cuja ênfase é dada à proliferação desses grupos com elementos que escapam das cadeias municipais arrombada; afirmado os grupos: o de Calandro, evadido da cadeia do Grato e cabeça dos 60 assalariados de Inocêncio Vermelho; o de Sebastião Pelado, inimigo dos primeiros; o dos Irmãos viriato, formado de mais de 40 bandidos; o dos Matheus e outros”.
Dentre os cangaceiros destacam-se as figuras de Jesuino brilhante,
Grupo de Antonio Silvino - Fonte: pt.wikipedia.org
Antonio Silvino e Vígulino Ferreira da Silva,
o Lampião, que lideraram por longa data bandos organizados.
Na seca de 1877/79, já referida, firmou-se o mito de Jesuíno Brilhante tipo do cangaceiro herói, justiceiro, protetor dos flagelados e da ordem Arthur S.F eid aborda este período nos seguintes termos: Eclode e grande seca. De 1877. Esta atinge a todos, inclusive os bens de Jesuino.
Ajuda os retirantes, inicialmente com mantimentos ainda seus. Posteriormente assalta comboios de alimentos do governo, distribuindo-os aos esfomeados. À justiça, adiciona-se a prática redistributiva de Jesuino Brilhante. Quando assalta os comboios do governo, justificavam-se pela administração dos comissários do governo, responsáveis pela administração dos socorros governamentais às vítimas da grande seca de 1877. Em legitima sua atitude como não atentatória à propriedade privada.
De 1896 a 1914 destaca-se o grupo de Antonio Silvino, que resistiu o quanto pode à modernização em curso no sertão nordestino, perseguido correios, queimando correspondência, cortando fios de telégrafos, arrancando da reat Western e saqueando empreiteiros das obras ferroviárias. Também tem seu nome ligado a prática de ações em prol dos pobres e desvalidos. Em 1912, Antonio Silvino Ligou-se a oposição ao governo da Paraíba, apoiando Franklin Dantas e Santa Cruz, em Alagoa do Monteiro, Favoráveis à deposição da oligarquia civil e a instauração da política salvacionista do Presidente Hermes da Fonseca , que na Paraíba tinha a frente o militar Rego Barros, apoiado pelo General Dantas Barreto, vitorioso em Pernambuco. Apesar de a salvação instalar-se em Pernambuco, o mesmo não aconteceu na Paraíba devido a acordos entre as oligarquias e o governo federal, mediados por Epitácio Pessoa.
Em conseqüência do crescimento da onda do banditismo aliado a agitação política, foi feito um pacto entre as elites dominantes para implementar uma perseguição conjunta e intensa aos grupos de cangaceiros, que foi assinado em 1912 pelos governos dos Estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Esse acordo foi renovado e reforçado por iniciativa do governo de João Pessoa em 1928, e só contou com a confirmação dos Estados de Pernambuco e Ceará. Um dos pontos inovadores foi a permissão para a perseguição de cangaceiros além das fronteiras do Estado, ou seja, ficava permitida a livre entrada da polícia de um Estado em outro.
Foto do Sinhô Pereira
A atuação de Lampião cobre o período de 1918 a 1938, sendo que nos primeiros quatro anos como integrante do grupo de Sinhô Pereira. No decorrer desse tempo Lampião atuou em todo o sertão nordestino, fixando-se temporariamente em determinadas áreas.
De 1923 a 1926, o seu raio de ação restringiu-se praticamente a área fronteiriça dos Estados de Pernambuco e da Paraíba, mais precisamente a altura da comarca de Princesa, já que Lampião mantinha relações de amizade com o sogro e o cunhado do coronel Zé Pereira, chefe político local.
Chico Pereira - Fonte - cariricangaco.blogspot.com
Nesse período destaca-se o ataque a cidade de Sousa pelo grupo do cangaceiro paraibano Chico Pereira, cujo objetivo era não só o saque e a pilhagem mas também atacar o seu chefe político Otávio Mariz. Após o ataque a Sousa, o coronel Zé Pereira retirou o apoio ao grupo de Lampião, que teve de seguir para outras paragens.
Coronel José Pereira
Em meados de 1926, Lampião recebeu um chamado do Padre Cícero, para ir ao Juazeiro e lá se acertou a participação do seu grupo ao combate a Coluna Prestes, que percorreu o interior brasileiro de 1925 a 1927.
Lampião chegou a receber a patente de Capitão de armas e munição, mas não chegou a ocorrer enfrentamento entre os dois grupos.
Durante os vinte anos de atuação de Lampião alguns períodos foram de recolhimento e até de dispersão do bando, para em seguida retornarem a labuta.
Em várias mensagens dos presidentes do Estado da Paraíba encontram-se referências ao banditismo e ao cangaceirismo no que diz respeito a perturbação da ordem pública e a atuação da força pública na sua repressão.
Fonte: historiaesperancense.blogspot.com
João Suassuna, presidente do Estado de 1924 a 1928, em uma de sua mensagem refere-se ao cangaço e a sua repressão nos seguintes termos:
“Sinto-me contente de render esse tributo de justiça aos que souberam cumprir nobremente o dever, e o faço com a profunda convicção de que a Parahyba sempre honrou o seu, e exaurindo-se na luta e sendo alvo do ódio e da vindicta dos malfeitores quando encontravam nos territórios vizinhos seguros esconderijos, elementos de combate em homens e munições".
Amargamos essa delicada situação por meses e anos a fio, com perdas de vida, sacrifícios de recursos e perturbação econômica para a riqueza pública, na esperança de que o mal se curasse ao menos pelo próprio excesso. Nunca registrara nos anais do banditismo o efetivo de centenas de malfeitores, armados a fuzil Mauser e tão municiados como as forças que os perseguiam, mas era essa triste situação quando começaram a agir as dignas autoridades a que com respeito, já me referi, demonstrando que a deprimente calamidade era fruto da inação e desinteresse na campanha. Jugulada a malta capitaneada pelo hediondo Lampião, não mais sofremos incursões de cangaceiros, reentrou a nossa terra na tranqüilidade de que sempre gozara mas tinha o meu governo sacrificado parte do seu programa, pelo tempo e dinheiro absorvido na luta dos seus primeiros três anos e de que toda a Parahyba pode dar caloroso testemunho. Para enfrentar com eficiente galhardia os encargos do combate, teve o governo de adotar dispendiosas medidas: construção de quartéis para destacamento de vulto no interior; aumento do efetivo da força; aquisição de armas e munições, veículos e custeio de transporte; manutenção de vários contingentes volantes, só há pouco dissolvidos.
João Pessoa - Fonte: blogdolenildo.com
Contudo, é no governo de João Pessoa, que este assunto é mais discutido e trabalhado a nível administrativo, não só com a renovação do acordo já referido, mas sobretudo pela nova tática de combate ao cangaceirismo na Paraíba cerceando o seu abastecimento de armas. Foi a chamada política do desarmamento total, como expressa bem a sua mensagem: “... ainda mais inflexível me tornei contra o banditismo, normalmente contra os protetores de cangaceiros, certamente a causa principal da permanência a difusão desse flagelo. No dia imediato a minha posse no governo convoquei uma reunião de todos os chefes políticos presentes. Para lhes manifestar, de viva voz, o empenho em que estava e estou a perseguir, de preferência, os protetores de bandidos de proteção ao bandidismo, cuja causa principal eram os pequenos arsenais com que os fazendeiros desabusados costumavam abastecer os grupos afeiçoados.
Daí, o meu empenho de promover o desarmamento geral, posto em prática sem distinguir entre amigos e inimigos, humildes e poderosos tendo já atingidos alguns chefes da situação. Se nem todos chegaram ao ponto de fornecer armas e munições livremente, muitos era desapossados, com violência, desse material que supria os bandos esgotados, valendo tal concurso involuntário como um fator do cangaceirismo.
João Pessoa organizou um serviço de guarnecimento das fronteiras do Estado, fazendo remanejamento de tropas, além de instalar o rádiotelégrafo ligando a capital com as forças do interior para o pronto atendimento aos pedidos de socorros. Por trás dessa parafernália contra o cangaceirismo, que era mais de prevenção pois nesse período a Paraíba não estava sofrendo investidas de nenhum grupo, o objetivo principal de João Pessoa era o fornecimento do aparelho do Estado frente aos coronéis.
Com a Revolução de 1930, após os primeiros anos de instabilidade no novo governo federal, o Estado brasileiro lançou-se na campanha de combate ao banditismo como nunca ocorrera antes, unificando a ação de perseguição a Lampião e colocando a cabeça dos principais cangaceiros a prêmio. Contudo, o cangaço ainda resistiu até 1940, quando foi liquidado o último grupo, liderado por Corisco.

Blog: "História da Paraíba" - do professor e historiador Josias
http://historiadaparaiba.blogspot.com/2007_12_01_archive.html

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