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sábado, 14 de julho de 2012

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 15 (BELA MENINA VAI PRO CANGAÇO)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 15 (BELA MENINA VAI PRO CANGAÇO)

Como afirmado noutra passagem, o cangaço causava verdadeiro fascínio entre a maioria dos jovens nordestinos. Rapazinhos e mocinhas não escondiam de ninguém que se deslumbravam só em ouvir falar naquela vida cheia de aventuras.

Enquanto os pais não conseguiam nem imaginar suas crias, verdadeiras crianças ainda em formação, enveredando pelos caminhos de tantos perigos e assombrações, ainda que venerassem a figura do Capitão Virgulino e seu bando, a molecada chegava a sonhar de arma na mão enfrentando a volante, andando e correndo pelas trilhas catingueiras, fazendo de lar qualquer moita ou gruta.

Verdade é que os grupos cangaceiros eram formados por pessoas jovens, cheias de vigor físico e disposição para a luta. Uma pessoa já envelhecida não conseguia ao mesmo tempo voar e se esconder, desaparecer num canto para já aparecer noutro, subir a serra por debaixo d’água. Usando alegorias, porém no intuito de confirmar sobre as exigências mirabolantes da vida cangaceira.


Daí que os bandos eram formados basicamente por pessoas novas. É difícil de acreditar, mas muitos daqueles avistados nas fotografias de Benjamim Abraão carregando pesado armamento, de vestimentas pesadas, cheios de adornos de ímpar riqueza, de cabelos crescidos e feições marcadas de sol, não passam de jovens, mocinhas e mocinhas que já pareciam envelhecidas pelas tantas lutas sangrentas travadas.

Muitos daqueles jamais tiveram verdadeira infância. O menino tomou o rumo da caatinga e se fez adulto; a menina deixou pelos cantos sua boneca de pano e deu a mão ao cabra valente, seguindo adiante para se fazer mulher sem jamais ser adolescente. Assim aconteceu, por exemplo, com as cangaceiras Adília e Sila, que com menos de quinze anos já estavam no bando de Lampião. Logicamente levadas pela lábia encantadora do cangaceiro quase menino.

Os pais, aqueles antigos e conservadores sertanejos, tinham, e com razão, o maior medo do mundo de que algum cangaceiro chegasse por ali de passagem, se engraçasse com sua menina e fizesse o convite para acompanhá-lo. Muitas vezes aconteceu assim. O cangaceiro chegava, se admirava da beleza da doce flor sertaneja e não sossegava enquanto não a tirasse de casa.

Sendo sertanejos, muitas vezes filhos do mesmo local onde estavam visitando ou simplesmente de passagem, quando não conseguiam jogar palavra diretamente no ouvida da pequena, logo procuravam amizades ao redor para influenciar na realização do seu desejo. E assim, a menina que já tinha uma recaída por aqueles audaciosos rapazes, bastava ouvir o recado e se predispunha a trocar a família pela parentela das caatingas.

Contudo, aconteceu certa vez algo totalmente diferente do que a normalidade perante tal situação. Quer dizer, ao invés de os pais tentarem a todo custo proteger sua menina das garras amorosas do gavião cangaceiro, eis que afirmavam pra todo mundo da povoação ouvir que o sonho maior era que chegasse por ali um cabra moço do bando de Lampião e conquistasse o coração de sua bela flor.


Se não conquistasse na palavra, na mentira sobre a vida de rainha que levaria, na ilusão da pacífica vida nas caatingas, que a tangesse assim mesmo. Não se importariam de jeito nenhum que o cabra rodeasse a casa e esperasse o momento de ela aparecer para jogá-la nos braços e levá-la de qualquer jeito.

Que ela esperneasse, chorasse, gritasse até secar a garganta, mas que a fizesse cangaceira de qualquer jeito. Mais adiante, mais tarde, ela acostumaria e até agradeceria pela vida que levava. Ademais, não seria a primeira nem a última menina que pulava janela ou atravessa porteira para seguir o amoroso destino bandoleiro. Muitas já haviam feito assim, e ninguém nunca ouviu dizer de qualquer reclamação. Ao menos era assim que pensavam tanto a mãe como o pai.

Certamente alguém diria que um pensamento desses não poderia partir de pessoas normais, de pais de família responsáveis, principalmente quando se tratava de sertanejos humildes, honrados, tementes a Deus, de fervorosa religiosidade. Pai que é pai e mãe que é mãe quer ver o melhor para os seus e não jogando sua pequena cria nas mãos de um desatinado cangaceiro. Quem falasse assim dizia com plena razão.

Entretanto, não se pode esquecer que a fama de Lampião e seu bando era tamanha que muitos agrestinos concebiam o cangaço quase como uma coisa do outro mundo, uma verdadeira família de valentes que estava sempre de prontidão para combater as injustiças. Para muitos, citar o nome do Capitão era o mesmo que falar no grande salvador, no grande protetor contra as incúrias mandonistas de então.

Com tais pensamentos, ter uma filha fazendo parte desse meio e desse mundo seria honra maior, uma verdadeira benção divina. E a inocência matuta ia ainda mais longe, pois achava que uma filha cangaceira significaria o respeito maior da população, a reverência, um novo conceito que receberia sua família. E certamente pensariam duas vezes quando pretendessem fazer alguma maldade ou dizer alguma besteira logo contra parente de gente do bando de Lampião.

E não para por aí não. Por vergonha, isso não comentavam com ninguém não, deixando apenas para as confidências larescas, mas a verdade é que objetivavam algo muito maior, verdadeira coroação da extensão consanguínea. Eis que o pai dizia à mãe, e esta condescendia, que uma vez entregando sua menina a algum braço cangaceiro automaticamente passariam a ter parentesco com o próprio Lampião.


Ora, sendo o bando uma família e o seu líder o chefe familiar, então todo cangaceiro era como verdadeiro filho do Capitão. E sendo filho do homem, assim que sua menina fosse levada e fizesse parte daquela casa de caatinga, não só ela seria nora do cangaceiro maior como os seus pais passariam a ter parentesco reconhecido dentro do bando, e logicamente com o próprio Lampião.

Mas que viagem a dessa matutada. Por isso mesmo queria a todo custo que sua bela menina fosse alcançada por uma dessas duas opções: ou se apaixonar por um cangaceiro ou ser carregada a força por qualquer um do bando. E também por isso, ao invés de temer a chegada do bando como os outros faziam, ficavam implorando, rezando, fazendo promessas para que a cambada de Lampião despontasse na curva da estradinha adiante.

Se tão cedo o bando não chegasse, também tão cedo, ou talvez jamais, a menina sequer poderia pensar em namorar. Não tinha cabimento a filha prometida passar a gostar de outro, a querer namorar. Corria até o risco de o cabra chegar por ali e encontrá-la nos braços de outro. Seria o fim, a desonra maior da família, o fim do sonho da parentagem com Lampião. Não, isso não. Isso nunca.

Até que um dia um pai de família, já entristecido de tanto guardar sua mocinha pra cangaceiro e nada dele aparecer, foi procurar um amigo coiteiro e ajoelhado pediu por tudo na vida que fizesse chegar às mãos de qualquer cangaceiro solteiro o bilhetinho que ia escrever. Desconfiado da maluquice do amigo, ainda assim o intermediador do cangaço disse que por enquanto estava difícil, vez que o bando num lugar muito distante, mas quando chegasse por ali levaria sua missiva.


No outro dia o homem chegou com o bilhetinho embrulhado, estando acompanhado de uma rapadura de presente. E dizem que eram estas as palavras no papel, logicamente feita a tradução inteligível:

“Seu cangaceiro. Assim que aparecer nessas bandas, me faça o favor de uma visitinha. Quando chegar aqui no Capinzal pode perguntar por Mané Janjão que todo mundo conhece. Vou esperar na minha casa pra uma buchada de bode com vinho de jurubeba. E por sobremesa tenho uma menina, a coisa mais bonita do mundo, uma flor do sertão, que é pra você se engraçar e levar como esposa. Menina prendada, sei que vai lhe fazer bem na vida e dar muita sorte. Não esqueça não. Estou esperando”.

Ninguém sabe se a carta foi entregue ou não. Mas a verdade é que o homem morreu com mais de cem anos e ainda esperando o cangaceiro aparecer na sua porta. Quanto à sua bela menina, já era uma flor murcha e envelhecida, com pétalas regadas nas lágrimas de tanto desejar qualquer homem. Mas sem poder. Continuava prometida ao cangaceiro.    

(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com





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