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domingo, 2 de dezembro de 2012

Mossoró contra Lampião

Por: Ana Biselli
Memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN
Brasil, Rio Grande Do Norte, Mossoró


Massilan conhecia as terras potiguares e estava cansado da vida no cangaço. Queria logo ficar rico e se aposentar, por isso escolheu uma cidade maior, como sua última grande tacada. Convidou Sabino e seu bando para se unirem a ele no planejamento e invasão à Mossoró. Uma cidade grande, porém com uma pequena força policial e quase nenhum apoio do Governo Estadual. Mesmo assim eles sabiam que seria difícil, por isso convenceram Lampião a entrar no plano. Lampião não conhecia muito bem as terras deste estado, mas estava ao lado de dois grandes conhecedores e seu orgulho falou mais alto, não poderia ficar fora dessa.

Lampião novinho, no bando do cangaceiro Sinhó Pereira, em foto do memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN 
Lampião novinho, no bando do cangaceiro Sinhó Pereira, em foto do memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN

Reuniram os bandos e fecharam os detalhes da estratégia de invasão da cidade. Começaram a marcha por Apodi, primeira cidade a ser invadida e pilhada. Varreram todos os lugarejos no caminho, trazendo consigo prisioneiros coronéis e proprietários de fazendas na região. Um deles, Coronel Gurgel, ficou uma longa temporada em poder dos cangaceiros. Conta em seu diário que tinha longas conversas sobre política com Lampião e foi sempre tratado com respeito. A pedido de Lampião, antes da invasão, Gurgel escreveu o primeiro bilhete de guerra para o Prefeito Rodolpho Fernandes, propondo uma trégua. Dizia que o bando era numeroso, com mais de 150 homens armados até os dentes, indicando ser uma boa opção pagar o valor de 400 contos de réis e com a promessa de que Lampião nunca mais andaria por aquelas bandas. A saber, o valor inicialmente pensado pelo Capitão eram 500 contos de réis, mas o habilidoso coronel o convenceu a diminuir o montante. Ao final do bilhete ele ainda pedia que o Prefeito lembrasse ao seu sobrinho, gerente do Banco do Brasil de Mossoró, que enviasse os 21 contos de réis para o pagamento do resgate “deste pobre velho desvalido”. 

A resposta que receberam do prefeito não foi nada animadora, diziam que não tinham conhecimento do paradeiro do gerente do banco e muito menos dispunham do valor em questão, que viesse o bando que o enfrentariam como pudessem! Lampião ficou abestalhado com a resposta que havia recebido e escreveu um bilhete de próprio punho (foto). Sem retorno decidiu começar a marcha.

Segundo e derradeiro bilhete de Lampião para o prefeito de Mossoró, tentando extorquir os cofres da cidade, em memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN 
Segundo e derradeiro bilhete de Lampião para o prefeito de Mossoró, tentando extorquir os cofres da cidade, em memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN

Os boatos sobre a invasão de Mossoró começaram meses antes e desde então o prefeito começou a articulação política para conseguir reforços do Estado para a cidade, assim como armamentos e munições. A população estava em pânico e Rodolpho então mentiu sobre os fatos para manter a população tranquila até o último momento. No dia da invasão de Apodi a prefeitura avisou a comunidade que aqueles que pudessem deveriam deixar a cidade e solicitava homens aguerridos como voluntários para se unir à força policial em defesa da cidade. Muitos não acreditaram, pois já havia tempo que a boataria estava correndo e ficaram em suas casas. Houve ainda um clássico de futebol entre os dois times mossoroenses e um baile de comemoração do vencedor na noite do dia 12 de julho de 1927, noite anterior ao ataque.

Lendo sobre Lampião, no memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN
Lendo sobre Lampião, no memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN

Um conselho de segurança havia se formado pelos homens mais influentes e poderosos da cidade. Durante os meses de planejamento viram que não poderiam contar com a ajuda do governo estadual e federal, portanto fizeram um investimento conjunto (uma vaquinha) e compraram 21 contos de réis em armamentos, estratégia proposta pelo gerente do banco (sim o mesmo que não mandou o resgate ao tio).

Um tenente do exército que havia passado por Apodi, liderou a resistência. Mais armas chegaram de última hora do governo, barricadas foram armadas nos pontos mais estratégicos da cidade, para proteger os prédios públicos. Foram voluntários 200 homens, metade deles com armas de fogo e a outra metade com armas brancas. Nas torres das igrejas e telhado da prefeitura estavam atiradores de elite, até o padre estava empenhado, passando mensagens de fé e força em cada uma das trincheiras armadas. Todos com gana e sede transbordando para defender a sua cidade e famílias que haviam ficado.

Sabóia, diretor dos telégrafos, havia se voluntariado para ficar no posto até o último momento. Quando o dentista que estava na torre da igreja avistou o primeiro homem adentrar a cidade, deu o sinal combinado, badalou o sino desesperadamente. A cidade esvaziou, todos se abarrotaram em caminhões e carros e saíram da cidade, ainda sobrando alguns perdidos em busca de parentes ou algum lugar para se esconder. Sabóia avisou sobre a invasão e correu. Quando houve o retorno “alo, quem fala?”, receberam resposta: “aqui quem fala é o Lampião”.

A estratégia de defesa da cidade foi tão bem armada que o bando não teve chance alguma. Um dos atiradores de elite acertou em cheio o cangaceiro Colchete e na sequencia feriu Jararaca. Lampião tentou mudar a estratégia, entrando pelo cemitério, porém de nada adiantou, o bando já tinha baixas e viu que estava totalmente em desvantagem, teve de bater em retirada.

Maria Bonita, no memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN
Maria Bonita, no memorial da Praça da Resistência, em Mossoró - RN

Não durou mais de uma hora toda a batalha. Jararaca foi preso, Colchete morreu e foi usado como troféu durante dias em frente à Igreja de Santa Luzia. Embora seja um ato um tanto quanto desrespeitoso com o defunto, o deixaram lá, pois ainda temiam que Lampião voltasse para vingá-lo. As trincheiras continuaram armadas, enquanto Lampião e seus cangaceiros se afastavam da cidade tentando ainda receber o resgate pelos seus prisioneiros. Um deles pagou resgate e foi liberado, contam que Lampião ainda lhe deu um dinheiro para que pudesse voltar para casa. Depois de dias andando pela caatinga, sem conseguir os outros resgates, sem dinheiro, comida escassa, tratando ainda de seus comparsas feridos, o capitão acabou liberando os raptados que restaram, dentre eles ainda o Coronel Gurgel. (sobrinho desabusado!)

Mossoró saiu vitoriosa e guarda até hoje a memória da resistência neste lindo memorial que visitamos hoje. Lá nos alimentamos de coragem e bravura, aprendemos toda esta história e muito mais do que o nosso poder de síntese (leia-se falta de memória) poderia expressar aqui. Fica o principal aprendizado do orgulhoso rei do cangaço, “não se deve invadir cidades com mais de uma torre.”

http://www.1000dias.com/ana/mossoro-contra-lampiao/

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