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sexta-feira, 12 de julho de 2013

O SERTANEJO ANTES DE SE TORNAR CANGACEIRO - I

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

O SERTANEJO ANTES DE SE TORNAR CANGACEIRO - I 

Nos estudos e publicações sobre o cangaço, tornou-se comum encontrar alguns aspectos gerais acerca dos fatores que possibilitaram o seu surgimento. E tais fatores não mudam muito desde os seus primórdios ao advento do bando cangaceiro mais famoso entre todos, que foi aquele comandado pelo Capitão Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que reinou a partir da década de 20 até o ano de 38.

Tais fatores são muitos e variam segundo a linha de raciocínio dos autores, mas sempre voltados para alguns referenciais: opressão, injustiça e pobreza. Mas eis a diversidade de outros fatores geralmente apontados como motivadores do cangaço: a formação de bandos armados pelos grandes latifundiários para defesa contra os inimigos e garantir suas posses; o surgimento de pequenos grupos insurgentes contra os desmandos cometidos pelos coronéis; as péssimas condições sociais da região nordestina; o latifúndio concentrando a terra e a renda nas mãos de um pequeno número de proprietários, deixando na miserabilidade a maioria da população.


Mas as causas apontadas ainda são muitas: o cangaço surgiu como uma forma de defesa dos sertanejos diante da ineficiência do governo em manter a ordem e aplicar a lei; as suas origens estão nas questões sociais e fundiárias então prevalecentes na região nordestina; seu nascedouro está nas violentas disputas entre famílias poderosas e a falta de perspectivas de ascensão social num sertão assolado pela miséria e pelas injustiças.

E mais: o cangaço surgiu como uma reação à miséria social e ao desemprego que assolavam as populações sertanejas ladeadas por ricos latifundiários e entregues ao mando e poder dos coronéis; o monopólio da terra e o trabalho servil, heranças das capitanias hereditárias, sempre mantiveram os pobres sertanejos submissos ao poder dos poderosos da região nordestina, fazendo surgir alguns grupos de revolta contra a insuportabilidade da situação; o cangaço surgiu como uma reação à fragilidade das instituições responsáveis pela ordem, lei e justiça, e da ocorrência de contínuas injustiças; uma forma de defesa contra as tiranias praticadas, tendo o sertanejo que fazer justiça com as próprias mãos e causando ainda mais violência.

Quer dizer, de uma forma ou de outra sempre batem na mesma tecla, caminham no mesmo sentido, que é o de apontar as causas do surgimento do cangaço com base na opressão, na injustiça e na pobreza. E numa alarmante continuidade. Com efeito, lá pelos idos do século XIX, período de gestação do cangaço, a situação do sertanejo era de insuportabilidade diante daquilo que contextualizava seu cotidiano. Desde a vivência à sua expressão social enquanto ser humano. E sempre desamparado de tudo.

O analfabetismo reinando na maioria da população, as imensas e desconcertantes desigualdades sociais, o perpétuo estado de submissão àqueles senhores donos dos meios de produção e de sobrevivência, um festim dilacerado de violências e a total falta de expectativas de sair dessa desumana situação. Eis a feição sertaneja naqueles idos onde o cangaço ainda estava apenas semeado. Contudo, era a pobreza ossuda, a miséria mais abjeta, que mais marcava aquela sociedade matuta. E onde a pobreza alarmante impera logo chega quem procure escravizar o homem, colocando-o sob o seu jugo e mando.

A pobreza em si já era uma forma de submissão social, de menosprezo ao homem forte e trabalhador, como pontua o reconhecimento euclidiano. Contudo, a miserabilidade nunca foi motivo desesperador àquele indivíduo tão acostumado às durezas da vida, às estiagens prolongadas, ao padecimento por falta do fruto da terra. Tal situação, ainda que perversa e inumana, não seria motivo demasiadamente desesperador, pois já reconhecida como fazendo parte daquele modo de vida.


Entretanto, se a pobreza não afligia de morte nem retirava do desvalido sertanejo as suas últimas forças, o mesmo não acontecia perante a realidade humana que enfrentava. Ora, de fervorosa religiosidade, o sertanejo suportava as inclemências naturais e as tantas necessidades sempre apegado na fé por dias melhores. Daí suportar o sofrimento. Mas tudo mudava quando as situações cada vez mais difíceis eram causadas por outros seres humanos, por uma classe poderosa e atroz.

E tal classe portentosa e cruel só podia ser avistada no grande latifundiário, no senhor dono do mundo, no velho coronel ainda encastelado no feudalismo, na feição mais nefasta do oligarca. Este si sim, este se constituía numa verdadeira afronta ao sertanejo. Não pela riqueza em si, não pelo poder e mando chamados a si a todo custo, mas pela ação autoritária, arbitrária, arrogante, injusta, escravocrata, criminosa e bárbara com que tratava o homem simples, pobre, vitimado pelo próprio meio.
Continua...

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
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