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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

OS CABRAS DE LAMPIÃO (Ranulfo Prata) - Parte I

Fragmento do capítulo de livro - transcrito por Luiz Alberto da obra: Lampião /Ranulfo Prata/Traço Editora
  

Ante um tema tão curioso, impossível esconder a curiosidade que é despertada pelos tipos humanos que faziam o cangaço existir. Aqueles que conhecem o povo nordestino, mais de perto o sertanejo, ficam a imaginar como um povo tão trabalhador, tão tímido e consciente do dever do cumprimento das leis, humana e divina, foi responsável por páginas e páginas de uma história de saques, estupros, homicídios.


OS CABRAS DE LAMPIÃO

(Ranulfo Prata)
  
Quem conviveu com muitos deles, entrevistou parentes, conheceu-os pessoalmente, por certo que está habilitado a descrevê-los. É o caso de Ranulfo Prata: 

Quando o cabra se candidata à caterva, "Lampião" encara-o fixamente, como a prescrutar-lhe no olhar, no gesto, no todo, a sua lealdade e bravura.

Não raro pede credenciais, indaga do que já fez se tem proezas apresentáveis, se anda "corrido da justiça". Quando percebe que no coração do novo companheiro lavra o ódio aos macacos, alegra-se e o acolhe com mais simpatia. E avisa gracejador.

De duas coisas eu lhe garanto no meu bando, camarada, é você não morrê de quéda de rêde, nem de indigestão.

Compreende-se: de rede não cairá porque cangaceiro não experimenta jamais o seu conforto, dorme sempre no chão da mata dos terreiros e das veredas; indigestão não sofrerá porque o seu regime passará a ser o mais sóbrio possível, pouquíssimo alimento deglutido sempre às pressas.


Volta-Seca

Foi lugar-tenente de mais dilatada fama que já teve "Lampião".

Acompanhou-o durante 4 anos, deixando-o um dia, quizilado, para ser preso logo em seguida, por civis.

Vejamos os seus perfis traçados, com mão segura de mestre, pelo Dr. Artur Ramos, legista do Instituto Nina Rodrigues, da Bahia, que o estudou cuidadosamente na prisão.

Perfil Antropológico

A primeira impressão que se tem ao defrontar o bandido Volta-Seca, é de um grande "desapontamento", é encontrada neste jagunço do Norbrosianas – cabeça disforme, face prognata, malares salientes, sobrecenho carregado, olhar "duro" e mau, orelhas malformadas, que sei mais? – nenhum destes caracteres que fizeram a celebridade do "criminoso nato", são encontradas neste jagunço do Nordeste. Não se diferencia em nada do inculto caboclo do mato. Antes cafuzo do que caboclo propriamente dito Volta-Seca é o tipo do adolescente mal saído da época puberal.

Dezesseis anos. De estatura um pouco abaixo do normal: 1,58 e 5. Franzino, parece contudo tender para o tipo constitucional leptosomático.

Como a maioria de seu grupo étnico é braquicéfalo: índice cefálico: 88,60. Índice facial: 63,00. Nenhuma anomalia, nenhum estigma antropológico de degenerescência. Sistema muscular pouco desenvolvido. Tem a cor brônzea escuro do caboclo sertanejo. Não é tatuado. O seu corpo está crivado de cicatrizes de sucessivos ferimentos por arma de fogo e arma e arma branca.

Cabelos encaracolados, castanhos. Raros pelos de implantação normal. Boa conformação corpórea. Não lhe pratiquei neste primeiro sumaríssimo exame, outras medidas antropométricas. Não parece haver disendocrinia apreciável. Em suma: constituição leptosomática, branquicéfalo, leptopresepe, mesorino.

Perfil Psicológico

Outro desapontamento. É o menino aparentemente ingênuo dos sertões. Crivado de perguntas, responde com humildade, fala arrastada, com precisão. Não parece haver lacunas apreciáveis do seu fundo mental, o que só se poderá saber com rigor em provas subsequentes.

Esta impressão de ingenuidade vai desaparecendo progressivamente, à medida que vamos mergulhando nos abismos desconhecidos da sua psique criminal. Deixemo-lo narrar a série negregada de suas tropelias malditas nos sertões nordestinos. Temos então o tipo integrado ao seu habitual. Isoladamente, é o caboclo humilde, o adolescente inofensivo que temos diante de nós. Socialmente, porém, é o membro temível de uma coletividade anormal.

Em Volta-Seca, o fator intrínseco da criminalidade cede de muito o passo aos fatores extrínsecos, mesológicos, que o caracterizam como um dos elementos mais perversos, mais criminosos, mais ferozes, do grupo de "Lampião".

O diagrama da sua vida é um subsídio importantíssimo para a sociologia criminal. A sua iniciação no crime, quero dizer, a motivação aparente do seu ingresso no banditismo, não conhece aquelas causas apontadas como as mais comuns entre outros membros da horda: sentimentos de vindita de família, e causas mais complexas, econômicas, mesocósmicas, etc. Volta-Seca não chegou a conhecer estas motivações. Ingressou no crime "não sabe por que". Trabalhava no povoado de Guloso, onde vivia, quando "Lampião" surgiu em seu caminho e o carregou consigo, para os serviços menores da tropa.

Antonio dos Santos (é esse o seu nome) não opôs resistência. Foi. Para ele, era um achado. Deixaria de vender queimados, e de viver sob o guante paterno. E passou a agir como os outros. Simples fenô menos de imitação, sugestão e contágio mental.

Começou a sua "aprendizagem" do mal. Aquela criança que ainda não sabia o que era a vida tornava-se agora o mais criminoso dentre os criminosos, o mais perverso, o mais temível.

Havia de conquistar as graças do compadre "Lampião". E conquistou. Sabe Deus como. Diga-o a sua crônica apavorante.

Este relato, ele próprio o faz, com indiferença, às vezes ligeiramente irônico e vaidoso. Erostratismo criminal.

Volta-Seca é um débil moral. A um exame, mesmo perfunctório como este, nota-se, claramente, um pronunciado grau de analgesia moral.

Parece indiferente com a sorte que o aguarda. Um espécime como este merece ser estudado profundamente. Quais as determinantes intrínsecas do seu comportamento criminal? É uma questão que só a análise dos degraus mais remotos do seu psiquismo pode resolver. Que "complexos" inconscientes se ocultam nos bastidores da sua alma? Até que ponto influiu para a formação do temperamento criminal a sua história familiar, "aquele romance neurótico de família", de que falava Otto Bank? Será a sua vida criminal uma "evasão" de uma antiga situação hostil? Ou procurará antes nela uma autopunição para algum crime inconsciente num "mecanismo de repetição" este "self-repeating-process" dos fenômenos do banditismo?

Estas perquirições, pela psicanálise, merecem ser feitas nesse bizarro filho do crime, cuja concepção da vida se formou na visada do seu fuzil, instrumento de agressão, símbolo da sua hostilidade ao ambiente, expressão de uma inadaptabilidade social, porventura anterior à sua "história" criminal no grupo de "Lampião".

Do resultado destas pesquisas depende um mais perfeito conhecimento das determinantes da criminalidade do nordeste brasileiro, fenômeno bio-psíco-sociológico aqui, como alhures, para todas as formas criminais, na larga e feliz expressão de Ferri.

http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/10/os-cabras-de-lampiao-ranulfo-prata.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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