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segunda-feira, 24 de março de 2014

FOGUEIRAS NA NOITE

Por Rangel Alves da Costa*


A noite possui fogueiras imensas, brasas ensandecidas que flamejam sedentas, línguas de fogo que derramam calor muito além das paredes. Fogaréus crepitam e tostam a pele, tomam os juízos, entontecem, adormecem, cravam o insuportável nos seres. E impiedosamente chegam a matar.

Os dias chuvosos ou ensolarados, os corpos aparentemente revigorados, as mentes visitadas pela racionalidade e a normalidade camuflada em tudo, não permitem que as chamas irrompam com suas línguas flamejantemente mortais. Eis que tudo adormecido nas cinzas, guardado no silêncio das horas.

As cinzas mortas são apenas vestígios das chamas ardentes da noite e madrugada passadas. Os resíduos calcinados se avolumam nos espaços, nos corpos, nos seres, prontas para abrasar novamente. O que foi ainda será porque novamente renascerão mais vivas, mais fortes, mais abrasadores ao cair da noite e na escuridão adiante.

Ninguém avista, apenas sente as fogueiras crepitando na escuridão. E os fogaréus noturnos se espalham de tal modo que os seres parecem embebidos e incendiados. São os corpos ardentes, amorosamente apaixonados, que crepitam, flamejam, soltam fagulhas e faíscas. E são outros seres tomados dos reflexos desapiedados das fogueiras.

Assim, não são apenas corpos tomados de ardências e chamas pelos amores extasiados, pelos braseiros invadindo os sexos e as tentações. Mas também as labaredas que se derramam sobre os corpos enfermos, sobre as mentes insanas, enlouquecidas, em tudo que seja modificado pela luz da lua, pelo negrume da noite ou pelos misteriosos visitantes.


Ora, a noite possui o dom de modificar pessoas, reacender as cinzas dos corpos, atiçar fogueira nos juízos fracos, lançar labaredas sobre corpos enfermos e fragilizados. Após o entardecer, assim que as sombras tomem os espaços, então tudo parece se modificar ferozmente. Quando a noite desce então os gritos distantes começam a bradar.

Somente a noite para aumentar as agonias nos corpos febris, para trazer de volta as doenças escondidas durante o dia, despertar as dores, os gritos e os sofrimentos. Um dia inteiro com a saúde parecendo revigorada, fortalecida, mas basta o sino tocar e tudo retoma seu lugar de aflição. Noite de suores, padecimentos, sofrimentos mortais.

Infelizmente é assim. E é do conhecimento de todos que a noite traz de volta as enfermidades, traz na escuridão a caixa de padecimentos. O corpo apenas febril de repente parece querer incendiar, tornar o doente em chamas. E torna, pois traz os maléficos com tamanho vigor que a morte não demora a surgir. Daí os gritos desesperados na noite, as grandes fogueiras da dor que crepitam ruidosamente.

Também o louco, ainda que tenha se mostrado com juízo racional o dia inteiro, não suporta a chegada da noite, principalmente quando de lua cheia. Então uma imensa fogueira toma sua mente e a faz querer explodir. Dessa imperfeição da vida, sem saber o que fazer diante das chamas que crepitam no juízo, se lança à janela, começa a gritar, quer subir à lua, quer se jogar no mar.

Coisas da noite, mistérios e segredos da noite. Também os lobos são tomados das chamas da solidão e correm às estepes para gritar seus uivos mais tristes. E das portas e janelas é possível avistar as fogueiras acesas ao longe, as chamas se espalhando no ar, labaredas crepitando por cima de tudo. Mas apenas a visão do fogo, pois ele apenas na imaginação de cada um.

Mas não há fogueira maior que a surgida nos corpos sedentos, enamorados, apaixonados, em busca de sexo ou já se deixando abrasar. Fogueiras pelos quartos, pelos corpos, nas alcovas, nos escondidos, em todo lugar. E as chamam avançam tão freneticamente que os gemidos logo se tornam grunhidos, os murmúrios ecoam prazeres gritantes. E os sexos abrasados lançam suas lavas pelas encostas da noite.

E mesmo que a chuva caia, desça a maior tempestade, nada consegue apagar as fogueiras da noite.

Poeta e cronista
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