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sábado, 8 de março de 2014

“LAMPIÃO” COMO SURGIU ESTE APELIDO - PARTE I

Por: cabo Francisco Carlos Jorge de Oliveira


“Algumas hipóteses”

Nordeste brasileiro 06 de janeiro de 1918 14: 30h, como sempre o sol apresentava-se  luzindo  ardente e implacável num   céu  azul  sem  nuvens, e um  mormaço  cálido  sufocante pairava  sobre a mesorregião do São Francisco pernambucano, tarde de verão estava  findando o dia de Santos Reis, era época da colheita do algodão. Virgulino Ferreira da Silva, seu primo Domingos  Paulo e mais  dois rapazes parentes por parte de seu pai,  vinham  de Poço do Negro fazenda próxima a  Nazaré do Pico, pois estavam na casa de seu genitor onde participavam  de  uma festa em comemoração ao dia de Reis.

Virgulino já vivia foragido, pois o mesmo ainda era parcialmente um cangaceiro, ele já havia participado de vários confrontos  com a polícia devido ás constantes contendas em represália ao clã de Zé Saturnino inimigo número um de sua família. O grupo encontrava-se  bem armado e equipado, também  traziam  consigo três cestos repletos  de  alimentos que sobraram do farto festejo religioso, eles  conduziam uma carroça de rodas de madeira puxada por um burrão preto com destino a Floresta, trafegavam por um carreador estreito que tangenciava uma grande roça de algodão. Ah! Que maravilha! Parecia ter nevado no sertão, pois a alvura das caxetas abertas assemelhavam-se  a um enorme lençol de casal cobrindo um imenso leito de amor, Virguluno  fascinado diante de tanta beleza ainda repleto de inspiração fez  até fez uma modesta e significativa poesia em forma de repente, mais ou menos assim:

Meu querido Pernambuco, meu adorado sertão.
 Quero eu   quando morrer, numa rede ou num caixão.
 Ser enterrado na roça, no meio da plantação.
De feijão, milho e arroz, ou na lavoura de algodão.
Cor do véu da Virgem Maria, do mais puro coração.

Isto foi concomitante, quando Virgulino acabou o último verso surge numa curva um velho magricelo  de chapéu preto trajando uma túnica negra surrada, seus cabelos  e barbas eram  brancos  e longos misturando-se com a brancura do algodoal, trazia no pescoço um colar com vários patuás e nos ombros dois bornais cruzados a tiracolo, estava calçado com sandálias de couro  e segurava na mão esquerda um cajado com muitos  adornos coloridos e na outra mão, uma cruz com a imagem de São Sebastião e assim num gesto brusco; ele saltou e  se posicionou bem na frente da carroça, erguendo as mãos  num brado em voz autoritária disse: 

- Bem  aventurados são os filhos de Deus! 

De susto o burro quase tomba a carroça e por pouco Virgulino não  alveja o velho com seu rifle papo amarelo mais depois de passar o susto o velho se aproxima e com voz meiga diz:

- Sou o beato Geromim, e assim como o vento não tenho morada, vivo peregrinando por estes sertões de dia e de noite, vagando e rezando nos cemitérios e também pelas almas dos infelizes  das cruzes que encontro à beira das estradas, é minha sina meus filhos; agora dê-me  o que comer e beber em nome do Santo São  Sebastião. 

Virgulino ainda lívido pelo sobressalto, diz ao velho beato solitário: 

- Pra onde o sinhô vai Santo homem di Deus? 

E o beato respondeu: 

- Vou pra onde o destino mi leva, meu filho. 

Daí então o futuro “Rei do Cangaço” tira o alimento dos cestos e  lhe dá uma paleta de cabrito já assada com  um pedaço de pão, o velho errante se sacia com avidez  e ao mesmo tempo abençoa o grupo; Virgulino convida o homem devoto a seguir com  eles até mais uma quarta de légua adiante bem  próximo a um olho d’água, pois lá eles iriam se alimentar e pernoitar. O velho aceita;  e esboçando  um sorriso sobe na carroça, seguindo faustos ambos  ouvindo as profecias do santo viandante até chegarem ao local predestinado.

Quando o grupo chegou ao supracitado lugar, o sol escarlate num moroso declínio, já  se  desprendia  purpúreo no horizonte rubro das caatingas, Virgulino pegou o facão e foi atrás de madeira para uma fogueira, seu primo Domingos desarreou os animais e os levou para beber água, enquanto um dos rapazes armava  as redes, o outro foi preparar a alimentação. O velho tirou os embornais e os pendurou num galho de umbu, e deixando o cajado encostado na mesma árvore, seguiu  subindo até o alto de uma elevação rochosa, onde fincando  a cruz em seu cume rezou, e rezou até a noite chegar.

No momento em que estavam se alimentando sentados ao redor da fogueira, o velho beato aproximou-se assentando bem defronte a Virgulino, e ali comeu  calado e todos  permaneceram calados. Domingos pegando seu rifle quebrou o silêncio dizendo: 

- Vão todos dormir que eu fico com o primeiro turno de guarda. 

E no átimo velho retrucou:

- Não! Não é preciso, todos podem descansar tranquilos que nesta noite não vai acontecer nada, e assim foi feito. 

O tempo passava e Virgulino sem sono permanecia acordado junto à fogueira, mas quando se aproximava a hora zero, de repente o velho se levanta e diz em alta voz acordando a todos:

- Virgulino Ferreira da Silva filho de José Ferreira da Silva e dona Maria Lopes de Oliveira, você é um homem bom e justo, você vai ter muitas tristezas e também passará por muitos perigos e dificuldades, mas Deus vai lhe guardar até seu dia chegar, e ate lá você vai fazer infinita justiça neste sertão sem lei, você será a luz do povo sertanejo, você brilhará como a luz de um “lampião’’ pelas caatingas desta terra que é sua! 

Neste instante todos contemplam um inesperado relâmpago que corta o horizonte de ponta a ponta num céu límpido e estrelado. em seguida no silêncio da noite escura ouve-se o fragor de um imenso trovão que ecoa pelo vale afora, no mesmo momento uma rasga mortalha assustada cruza o acampamento crocitando seu canto soturno e intimidador. Todos permanecem perplexos e calados, e após a tal profecia, o velho se aconchega sobre a relva macia e adormece, e nas redes todos os jovens, exceto Virgulino; vencidos pelo cansaço ferram no sono.

No alvorecer do dia seguinte antes da juriti despertar o sertão, Virgulino ateia as brasas do borralho da extinta fogueira e faz um delicioso café, Domingos e os outros dois companheiros também chegam ali para o desjejum. O dia começa a clarear quando um dos rapazes diz: 

- Olhem todos, o velho sumiu! Sim ele foi embora sem deixar vestígios.

Virgolino ficou encafifado com a revelação do beato, e matutava consigo mesmo: 

- Mas como pode se ele não me conhecia, como é que sabia o nome dos meus pais? 

Nisso seu primo Domingos que já havia preparado tudo para a viagem, disse:

- Tá tudo pronto! Vamos embora “Lampião. 

Os dois rapazes sorriram, mas Virgulino não respondeu, só fechou a cara e carrancudo subiu na carroça.

CONTINUA...


Enviado pelo  autor

Francisco Carlos Jorge de Oliveira é pesquisador e cabo da Polícia Militar no Estado do Paraná.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

4 comentários:

  1. Anônimo12:25:00

    Pois é Mendes e Cabo Francisco Oliveira, esta versão eu não conhecia. Mas, na saga do cangaço tudo é possível. Depois veremos a continuação da matéria.
    Abraços,
    Antonio Oliveira - Serrinha - Bahia

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  2. Anônimo11:01:00

    Caro amigo Mendes e Antônio Oliveira, fico muito feliz ao saber quando alguém demonstra interesse pelo cangaço e tudo que se liga a este mundo fantástico e infinito de casos, lendas e mitos.Eu nasci no Paraná, sou paranaense do "pé vermelho" é este o apelido dado aos povos que nascem no norte desse grande estado, isto é devido a rubra terra que forma o copioso e verdejante vale do Rio Paranapanema, onde ainda se encontra os mais belos cafezais, o ouro verde que outrora em abundância tanto ajudou na economia do país, e que hoje pouco a pouco as terríveis "geadas" nos rouba este tesouro.Amigos como vocês agora sabem, apesar de sulista eu sou loucamente apaixonado pelo nordeste e por este bravo povo nordestino, olha; eu acabei de terminar hoje um trabalho baseado em contos e casos do próprio povo nordestino meus amigos que aqui residem, cujo título é "Sabino Gomes e o Caboclo D' Água", tenho plena convicção que vocês vão adorar, e dedico o texto a você caro amigo Antônio Oliveira de Serrinha Bahia. E você Ilustríssimo Mestre Mendes, não encontro palavras nem adjetivos à altura para elogiar e enaltecer ainda mais você e seu Blog. Aguardem.

    Cabo Francisco Carlos Jorge de Oliveira - PMPR -RR "Saudações Militares"

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  3. Anônimo15:37:00

    Caro Pesquisador Francisco Carlos Oliveira: Muito grato por tudo que o amigo escreveu, tanto na mensagem acima, como em outros textos que venho salvando no meu HD. Além de tudo o nobre amigo está em BOAS MÃOS; o pesquisador MENDES é um dos pesquisadores e blogueiros mais eficientes deste nosso Nordeste. Estou escrevendo um livro sobre o cangaço, e as matérias postadas pelo companheiro MENDES, para mim são de grandiosíssima importância.
    Abraços e muita paz
    Atenciosamente,
    Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Bahia

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  4. Anônimo16:19:00

    Pois é Mendes, relendo o texto de autoria do nobre pesquisador CABO FRANCISCO CARLOS JORGE DE OLIVEIRA, e compreendendo que o mesmo além de ser filho do Sudeste, ali naquela Terra reside, e entretanto ama o nosso Nordeste, faz-nos entender que para valorizar a SAGA DO CANGAÇO, não é necessário nascer ou viver nas Terras Nordestinas. Aí está um bom exemplo de quem gosta da literatura cangaceróloga.
    Parabéns mesmo CABO OLIVEIRA
    Antonio Oliveira - Serrinha

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