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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

3. 32 INQUÉRITO DE CELERADOS


Por Joel Aguiar
(Especialmente para o “Jornal de Notícias”)

UM JOVEM QUE DESDE OS 12 ANOS DE IDADE SE HABITOU À PRÁTICA DO CRIME – “VOLTA SECA”, QUANDO CRIANÇA, FOI CHAMADOR DE BOIS NO ENGENHO CONTADOURO E DEPOIS VENDEU QUEIMADOS NAS RUAS DE ARACAJU. NO “FOGO” DE CAPELA, O SICÁRIO “GATO” FOI FERIDO NO BRAÇO – O JOVEM BANDIDO, DEPOIS QUE INGRESSOU NO GRUPO DE “LAMPIÃO” NUNCA ESTEVE NO ENGENHO CENTRAL.

Tudo, nos sertões do Nordeste é, atualmente, triste e sombrio porque Virgulino Ferreira conseguiu, à custa de indiscutíveis crimes, implantar um regime bárbaro, em que a vida humana não tem garantias. Nos lares dos sertanejos não reina o sossego. Matando e trucidando cidadãos honestos, violando donzelas, Lampião vai deixando assinalado, por onde passa, o rastro das suas alpercatas de couro cru. Diante da série desses negros crimes e horrorizado pelas notícias que lhe chegaram ao conhecimento, Coelho Neto, pegou da pena, em brilhante artigo, ao se ocupar do ousado bandido que assola as regiões nordestinas, formulou essa pergunta:

“... De que poder satânico disporá esse Átila encourado para bater expedições postas em seu encalço ou para escapar-lhes através de matas e caatingas, tornando-se lhes invisível, ele e a sua caterva?”

Mas, o brilhante escritor que é o príncipe dos nossos prosadores, se apressa logo em respostar o quesito que formulou com essas palavras cheias de verdade e senso:

“... A crendice dos aterrados afirma ter ele o corpo fechado às balas, acrescentando que não há ferro, por mais acerado que seja, que lhe atravesse a vestia. Poderoso talismã tem ele e só por tal prestígio pode ser explicada a sua permanência nos sertões espavoridos. Esse prestígio quem lho dá são os politicóides dos quais ele é o capanga e o executor de alta justiça, com direito de vida e de morte sobre quantos lhe seja apontados pelos magnatas da politicalha, que o sustentam e amparam, munindo-o de armas, suprindo-o de víveres e dando-lhe guarida e fuga quando a polícia lhe sai na pista.”

Ninguém melhor do que Coelho Neto escreveu sobre Lampião. Hoje, com as medidas adotadas pelos governos, após o advento da Revolução, nós estamos vendo que o sinistro bando está perseguido, desfalcado e sem dar assaltos aos seus lugares prediletos, porque lhe faltam as informações e os víveres que dantes eram fornecidos.

O plano de combate ao banditismo tem dado ótimos resultados. Em Sergipe, o honrado interventor Maynard adotou tão enérgicas providências que Lampião deixou de penetrar no Estado, e se o fez, ultimamente, foi usando de um ardil covarde, mas não pôde, de forma alguma, permanecer no território sergipano, fugindo, às pressas, para as caatingas desconhecidas. Em Bahia, o governo tem agido energicamente. Frutos das medidas governamentais são as prisões de Volta Seca, Passarinho e Bananeira, três ousados sicários que nós vimos aqui detidos e que por nós foram interrogados sobre os horrendos crimes por eles praticados. Vejamos o que nos disse Volta Seca.

No aprazível Largo Santo Antônio, em Bahia, está situada a Casa de Detenção. Foi aí que encontramos Volta Seca, preso numa cela tocando um realejo que lhe fora oferecido. É moreno, forte e no seu semblante não existem expressões manifestas de que ele seja um criminoso nato. Fala sem embaraços e sorri amavelmente, para as pessoas que o visitam.

- Conhece Lampião, desde quando? perguntamos.

- Quando eu tinha 12 anos de idade, entrei, a convite do “capitão”, para o seu bando, no lugar denominado Gisolo, sertão de Bahia.

- Você é de Sergipe?

- Sou filho de Manuel Santos e nasci no Saco-Torto, perto de Itabaiana. Quando menino trabalhei no Engenho Contadouro do coronel Antônio Franco e depois estive em Aracaju. Conheço bem Itabaiana e Malhador.

- Conhece algumas pessoas de Itabaiana e de Malhador?

- Poucas. Conheço Dorinha que perseguiu o “capitão” e com quem o “capitão” falou pelo telefone, e o senhor José Sotero. Percebendo a nossa curiosidade, o bandido nos perguntou em que lugar morávamos.
- Capela, disse-lhe eu.

- Conheço muito. É uma “terra” grande e que recebeu o “grupo”, a primeira vez, sem reação.

- Por que Lampião foi a segunda vez a Capela?

- Não sei. Lampião antes de “entrar” mandou saber se o recebiam sem novidades. A resposta não veio e nós tivemos ordens para “entrarmos na cidade acontecesse o que acontecesse” em vista do capitão ter recebido, de uma pessoa por mim desconhecida, a notícia de que havia gente em armas, colocou na frente os seus homens de mais confiança: Virgínio, eu, Labareda, Mariano e Gato, e tentou invadir as ruas. Houve “fogo”. Atiravam muito contra o “capitão”. Só Gato, por facilidade, recebeu um ferimento no braço. Brigamos em “campo raso”. Lampião resolveu sair.

- Lampião vota ódio a Capela?

- Não sei. Ele nunca me disse que desejava ir mais nessa cidade; mas ele quando é recebido a tiros fica guardando ódio. Capela não é lugar bom para nós porque é perto de outras cidades.

- Você já viu o coronel Antônio Franco?

- Vi, quando menino. Sexta-feira última ele esteve aqui e eu não o reconheci. Desde que passei para o grupo de Lampião que nunca mais fui ao Engenho Central.

- Lampião deseja mal a ele?

- Hoje, é bem fácil porque o “capitão” fez uma carta pedindo dinheiro e ele disse que tinha bala.

O Antônio de Engrácia, que hoje é bandido do grupo Lampião, já foi trabalhador do Coronel e dizia ao “capitão” que ele é um homem bom.

Eram cinco horas da tarde quando eu, Ernane Prata e João Prado, ambos estudantes de Direito, deixamos as paredes do cubículo onde se acha Volta Seca. O bandido nos prometeu contar algo sobre as incursões do sinistro bando de Lampião, em Sergipe, no dia seguinte. E nós prometemos voltar.

OS BANDIDOS QUE TOMARAM PARTE NO “FOGO” DE SÃO PAULO – VIRGÍNIO QUIS MATAR O INTENDENTE DE CAPELA QUANDO O BANDO ESTEVE NA CIDADE – ANTÔNIO DE ENGRÁCIA PEDIU A LAMPIÃO QUE INVADISSE MACAMBIRA PARA ASSASSINAR O CORONEL JOSÉ RIBEIRO – VOLTA SECA DIZ QUE IMPEDIU A MORTE DO DR. JUAREZ – PASSARINHO NUNCA ANDOU NOS SERTÕES DE SERGIPE

Voltamos novamente à Casa de Detenção para ouvirmos a linguagem de Volta Seca, desfiando, conta a conta, o rosário dos crimes praticados por Lampião e seus asseclas. Além dos acadêmicos Ernane Prata e João Prado, foi em nossa companhia o aplicado estudante de direito, Luiz Melo que desejava conhecer o jovem bandido que era uma pessoa de confiança do famigerado Lampião. O nosso distinto conterrâneo Tenente Hanequim, que com patriotismo, está colaborando na atual administração baiana nos recomendara ao diretor do Presídio. Volta Seca nos olhou com alegria e foi respondendo às inúmeras perguntas que nós lhe fazíamos.

- Que sabe do “fogo” de São Paulo?

- Eu não fiz parte do grupo chefiado por Corisco destinado a assaltar as fazendas do município de São Paulo.

Esse grupo foi perseguido pelo coronel José Ribeiro e dele faziam parte: Corisco, Beija-Flor, Cirilo, Mariano, Fortaleza e Bemtevi. Seis homens apenas. Os melhores atiradores do nosso grupo. Ninguém foi ferido no tiroteio, apesar de se dizer que Beija-Flor morrera. É notícia falsa!

- José Ribeiro é conhecido de Lampião?

- De nome, o bando todo o conhece e é tido na conta de homem disposto. Lampião não lhe deseja mal, mas Antônio de Engrácia já pediu ao “capitão” para invadir Macambira a fim de matá-lo.

- Quando foi isto?

- Nós estivemos a meia légua distante de Macambira e aí soubemos por um fazendeiro que prendemos, que José Ribeiro tinha quinze homens armados. A data não sei. Lembro-me bem de que Antônio de Engraça pediu ao “capitão” para invadir o lugarejo, mas Lampião disse que nada tinha que ver com as questões dos outros. Disse mais: Vá você com três homens. Antônio de Engraça não quis ir.

- Que nos diz mais de Capela?

- Em Capela nós soubemos logo que o chefe político era sobrinho do presidente do Estado. Era um moço baixo e Lampião o chamava “Major”. Virgínio pediu ao “capitão” licença para matá-lo.

- E por que não matou?

- Porque Lampião dissera que lá ninguém nunca lhe fez mal e disse ainda a Virgínio que se fizesse qualquer morte em Capela, “ajustaria as contas depois”.

- Lampião não tinha medo da Polícia, em Capela?

- Não. O “capitão” não tem medo “das forças”. Em Sergipe nós ouvíamos falar muito num tenente Elesbão, mas ele nunca se encontrou com o grupo, apesar de viajar muito. Em Capela disseram que vinham forças e o “capitão” só “tocou o apito de retirada” pela madrugada.

- Lembra-se de Aquidabã?

- Muito. Invadimos as ruas pela madrugada. O delegado Dr. Juarez esteve com Lampião e comigo: Percebendo eu que o “capitão” tencionava matá-lo aconselhei a fuga.

- Como?

- Pedi ao doutor um copo d’água a fim dele sair de perto de Lampião e quando ele foi buscar a água eu disse que ele fugisse, o que fez.

- Então você gosta de salvar os inocentes?

- Salvei muitos.

Nós sorrimos. Volta Seca quis nos convencer de que possui um coração afeito à prática do bem. O caso do Dr. Juarez ele nos contou com seriedade.

Depois dessa prosa fomos olhar Passarinho, Nascimento, Faustino e Sabino. Fizemos perguntas. Passarinho disse não conhecer o sertão sergipano, pois fazia parte do grupo de Labareda. Conhecia Antonio de Engraça e nos disse que morreu. Volta Seca contesta a notícia e nos diz que Engraça está em Alagoas.

Perguntamos ao Volta Seca onde se acha Lampião. Ele nos disse que ignorava. A última vez que esteve com o “capitão” foi em Raso da Catarina. Lampião tinha 48 homens.

Tudo nos sertões é triste como o piado da acauã e doloroso como o gemido do gado nas noites da seca. E Volta Seca em plena adolescência, numa idade em que o homem sonha com o Trabalho e a mulher com o Amor, adere ao grupo sinistro para matar e trucidar pessoas trabalhadoras e chefes de família honrados. Sua história é triste. Diz que está arrependido. E quando nós lhe perguntamos se ele assistira a um bárbaro crime que Lampião praticara no Candeal, em Nossa Senhora das Dores, assassinando o infeliz Elpídio dos Santos, o ousado bandido, com as faces entristecidas, nos contou que Lampião não ordenara essa morte, mas João Baiano desacatando as ordens do chefe, matara covardemente o rapaz.

Em Sergipe fez-se processo contra Lampião. Pensamos ser o único que existe no Estado. Em 28 de janeiro deste ano, o Dr. Nicanor Leal, cuidadoso juiz municipal de Dores, em longo despacho, pronunciou Virgulino Ferreira. Como promotor público da Comarca, os autos vieram às nossas mãos e louvamos a ação das autoridades dessa Comarca.

Eis o que nos contou Volta Seca que alimenta a ideia, ou melhor, o sonho de achar amparo na Lei, para sair da prisão, não para retornar ao banditismo, mas para viver na sociedade.

Realizar-se-á esse sonho?...

JORNAL DE NOTÍCIAS – Aracaju: 19 de Abril de 1932 e 20 de junho de 1932.

Fonte: facebook
Página: Robério Santos

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo11:24:00

    Uma coisa é certa caro pesquisador Mendes: Volta Seca, que segundo informações era portador de grande valentia, após deixar a prisão constituiu família e passou a trabalhar e viver honestamente em sociedade, assim como os demais que deixaram o cangaço, não voltaram a delinquir. Comprova, portanto, que 'NINGUÉM NASCE CANGACEIRO", é claro.
    Antonio Oliveira - Serrinha

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