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segunda-feira, 11 de maio de 2015

RUA ONZE DE AGOSTO OU A HISTÓRIA DE UMA FARSA

Por José Gonçalves do Nascimento*

Rua Onze de Agosto, centro da capital paulista. Esta pequena via, encravada entre antigos e suntuosos edifícios, entre os quais o da sede do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi, outrora, protagonista de um dos episódios mais patéticos da história do Brasil.

Era o ano de 1897. A Guerra de Canudos aterrorizava o sertão da Bahia, mobilizando enormes contingentes militares, que, ao fim de onze meses de renhida batalha, acabaram por varrer do mapa a aldeia sagrada de Antônio Conselheiro.

Dentre as sucessivas expedições enviadas ao sertão pelo governo da república, estava aquela comandada pelo temeroso coronel Moreira César, celebrado, até então, como o mais habilitado na "arte da guerra". Contrariando toda expectativa, tal expedição não logrou o êxito que se esperava, deixando-se bater pelos canudenses antes mesmo de penetrar o arraial conselheirista. Ao tentar invadir o reduto dos sertanejos, num arroubo ao mesmo tempo de soberba e imprudência, foi Moreia César ferido por bala mortífera, sendo seu cadáver deixado à beira de pedregosa vereda, nos arredores de Canudos.

É aqui que começa a patetice desse episódio.

Disseminou-se Brasil afora a notícia de que um certo Arnaldo Roque, ou Cabo Roque, havia sido fulminado por bala “jagunça”, enquanto abraçava, num gesto de cega fidelidade, o cadáver do malogrado coronel.

Jornais de todo país reverberaram peças laudatórias em honra do abnegado Roque. Gabos e louvores vinham de toda parte, enaltecendo o herói que se tornara celebridade de um momento para o outro.

O jornal A República, de 15 de março (1897), não economizou palavras: “Moreira César, disciplinador inexorável, era de tal modo querido que ao lado do seu cadáver surge uma figura ideal de abnegação e de heroísmo – a desse Arnaldo Roque, nome que deve ser ensinado a nossos filhos, e aos filhos de nossos filhos, como uma legenda republicana. Quando a gratidão nacional erguer na praça pública o monumento que deve à memória de Moreira César, não há de faltar, no bronze glorioso, a figura épica de Roque”.

Na edição de 26 do mesmo mês, O País, outro jornal de orientação republicana, informava ter recebido, proveniente de coleta realizada entre pios cidadãos, a importância de 220 mil Réis, a ser destinada à “família do denodado e valente Cabo Roque, o heroico soldado que recebera a morte quando guardava o corpo inanimado do bravo coronel Moreira César”.

A morte heroica de Roque entrava na ordem do dia. Nas igrejas, fiéis contritos choravam o desaparecimento do novo mártir da república; nas câmaras municipais moções de pesar se multiplicavam a todo instante, em memória do pranteado brasileiro.

Em cidades importantes do Brasil, praças e ruas tiveram seus nomes trocados pelo o do intrépido e valente Cabo Roque. Logradouros tradicionais eram rebatizados, adquirindo a marca do herói de Canudos.

A lenda, todavia, não demorou a desfazer-se. Para desespero dos republicanos, ainda no dia 26 de março, o Jornal do Comércio assim noticiava: “O Cabo Roque, o glorioso cabo Roque, morto depois de ter acabado a munição, defendendo como um cão fiel o cadáver de Moreira César, o Cabo Roque glorificado pelos jornais de todos os quatro ventos da América do Sul, que já tem uma praça em Campos com o seu nome – praça cabo Roque – em cuja esquina em letras brancas a Câmara mandou fixar uma placa memorável, o Cabo Roque acaba de aparecer são como um pero e salvo como um arrependido em Queimadas!”

No dia 4 do mês seguinte, informava a Gazeta de Noticias, que, em conversa com o engenheiro Teive Argollo, Roque declarara “que fazia parte do grupo que conduzia em uma padiola o cadáver do coronel Moreira César, quando os jagunços atacaram o grupo, sendo obrigado com os seus companheiros, para escapar à morte, a abandonar o corpo no mato; que não se abraçou com o cadáver do coronel; o que fez foi fugir com os seus companheiros”.

Deste modo, reaparecia vivíssimo o famigerado Cabo Roque, “vítima da desgraça de não ter morrido, trocando a imortalidade pela vida”, nas palavras de Euclides da Cunha.

Retornemos, então, à aprazível rua Onze de Agosto. Denominada, na época, de rua do Quartel, foi ela rebatizada de rua Cabo Roque, como ocorrera a tantas outras país afora. Superada a farsa e desmascarada a campanha republicana em torno do pérfido herói, foi a antiga via de novo batizada, ganhando a atual denominação: rua Onze de Agosto.

Que papelão!

Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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