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terça-feira, 11 de agosto de 2015

SUPERSTIÇÕES DE LAMPIÃO E CANGACEIROS

Do acervo do pesquisador Raul Meneleu Mascarenhas

Para se proteger de qualquer malefício, o cangaceiro, "legítimo sertanejo", estruturava sua vida cercado de tabus e superstições. Nós nordestinos sabemos desde pequenos as palavras conjuntas "faz-mal" que é uma forma de tabu, uma proibição bastante estrita que é preciso respeitar sob pena de provocar problemas físicos, como por exemplo chupar manga e beber leite, mas também as palavras conjuntas "faz-mal" tinham o poder de "cutucar" as forças do mal.


A renúncia de fazer algo "tabu" e a obediência aos "faz mal" a certos hábitos, a certos gestos cotidianos tem por finalidade atrair para si as forças benéficas. Dentre os "faz mal" instituídos por Lampião no seio do seu grupo, encontramos diversas referências em livros que dizem:

Cangaceiros não comiam tapioca. 

- Não sentavam numa pedra que serviu para amolar facas.

- Só passavam por baixo de uma árvore no seu lado direito. 

- Não saltavam por cima de muro, não passavam pelas barreiras de frente e sim de lado, levantando primeiro a perna direita. 

- Deviam sempre passar por cima de um muro como se passassem por cima do corpo de seu inimigo. 

- Não passavam por cima das barreiras e dos muros, e quando eram obrigados a fazê-lo tiravam antes o chapéu.

- O cangaceiro nunca passava debaixo de uma rede nem debaixo da corda de um animal amarrado. 

- Os cangaceiros não trocavam de roupa, evitavam tomar banho (conta-se que as "orações fortes", orações mágicas que Lampião trazia consigo, perderam seu efeito no dia de sua morte porque ele estabelecera seu acampamento no leito seco de um riacho e porque chovia: "Oração forte não pega dentro d'água"). 

- Não bebiam água de bruços, nem no côncavo das mãos. Quando não tinham cabaça ou recipiente para beber água, era o chapéu que fazia as vezes de recipiente. 

- Quando bebiam água, sempre jogavam um pouco nas costas. 

- Limpavam cuidadosamente os anéis que roubavam e depois assopravam neles para atrair sorte e dinheiro. 

- Quando carregavam seus fuzis, tomavam o cuidado de só introduzir um número ímpar de balas (nove), e no momento dos combates contam os tiros para que haja sempre um número ímpar no fuzil.

- Quando eram atacados de surpresa, cortavam as cordas das redes e levavam consigo ao fugir. Deixar uma rede suspensa é prenúncio de morte. 

- Quando estavam reunidos numa casa, instalavam suas redes de maneira que ficassem na mesma direção que as vigas. 

- Não dormiam com os pés voltados para uma igreja. - Não utilizavam objetos que tinham relação com o mar, nem os confeccionados com chifres de animais. - Havia dias da semana durante os quais não tinham direito de combater e outros que não são propícios às longas caminhadas ou a uma mudança. 

- Nunca se barbeavam na sexta-feira, a segunda-feira é consagrada às almas e a terça-feira era fonte de perigo. 

- Quando deixavam o seu acampamento, os cangaceiros nunca se esqueciam de depositar uma pequena quantidade de sal no solo para evitar perseguições. 

- Os tabus ligados ao sexo feminino, fonte de perigo, eram extremamente estritos. Não montavam em égua prenhe. Antes de subirem na sela, verificavam se esta não escondia roupas de mulheres. 
- Achavam, com efeito, que uma camisa, uma calça ou uma combinação de mulher, introduzidas sob a sela, as deixariam expostas a uma morte certa e imediata.

- Às vésperas de uma mudança evitam relações sexuais. 
- Depois de manter uma relação sexual não devem viajar durante três dias. 

Bem antes da entrada das mulheres no cangaço, o próprio Lampião impunha aos seus companheiros todo um ritual cheio de proibições sexuais. Assim, era perigoso ter relações sexuais nas sextas-feiras, "dia da morte de Jesus", e na véspera de combates quem tivesse cometido o "pecado da carne" devia imergir nas águas purificadoras do São Francisco, depois das dez horas da noite, com a cabeça protegida por um chapéu de palha. A introdução das mulheres no grupo foi considerada por muitos cangaceiros como a origem da fragilização de Lampião e que deveria levá-lo inexoravelmente à morte. 

Os cangaceiros estruturam suas vidas em torno de rituais mágico-religiosos específicos, mas se protegiam igualmente com inúmeros amuletos, como as figas, os patuás e, principalmente, as "orações fortes", orações faladas ou escritas em pedaços de papel que se colocam em saquinhos. As orações fortes mais antigas são a Oração Preciosa, a Oração Poderosa e a Oração Reservada, que permitem, graças aos segredos que encerram, vencer a adversidade e defender-se contra as forças do mal. Mas existem várias outras: a Oração do Rio Jordão, a Oração de Santa Catarina, a Oração de São Jorge, a Oração do Anjo Custódio ou Oração das Doze Palavras Ditas e Retornadas, o Creio-em-Cruz, a Força-do-Credo, o Credo às Avessas, o Rosário de Santa Rita, a Oração da Cabra Preta, a Oração da Pedra Cristalina, a Oração das Estrelas, a Oração do Sonho de Santa Helena etc. 

Essas orações só deviam ser pronunciadas em momentos de grande desespero ou perigos. Elas então conferiam proteção ao corpo e à alma dos que as formulavam. Em sua obra Crendices do Nordeste, Gonçalves Fernandes transcreveu as orações fortes que vaqueiros do sertão lhe transmitiram. Dentre elas contam-se: a Oração de Santa Catarina, que permitia à pessoa defender-se de seus inimigos; a Oração de São Jorge, que facultava fortificar-se, proteger-se, sem, contudo, "fechar o corpo" de uma pessoa que previamente não tivesse "sido trancado". 

A maioria dessas orações devia ser dita segundo um ritual específico; algumas deviam ser pronunciadas com os olhos fechados, outras não podiam ser interrompidas, pois a interrupção lhes subtrairia toda a força. Duas orações muito apreciadas no sertão são o Credo e o Salve Rainha, que nunca podem ser recitadas de forma fragmentada. É uma obrigação recomeçá-las em caso de erro de pronúncia. Porém existe uma exceção. Às vezes, com efeito, a pessoa se detém em certos trechos de frases ou em certas palavras quando essas orações são pronunciadas no contexto de uma consulta mágica ou quando constituem uma defesa mágica, como é o caso de "nos mostrai" no Salve Rainha ou de "jaz morto, sepultado" no Credo.

Algumas orações, como a da Cabra Preta ou a do Credo às Avessas, deviam ser recitadas sem interrupção e sem se enganar, com o pé direito sobre o pé esquerdo. Os mestres do Catimbó explicam que nessa posição, com os braços estendidos na horizontal, o homem dá a imagem de um pássaro, uma impressão de voo, de elevação. Apoiando-se somente a uma perna, ele se torna mais leve e dá mais força à sua prece. Essas orações são um tipo de pacto. 

A Oração das Estrelas, por exemplo, só terá poder se for recitada deitado, com o olhar dirigido para as estrelas, longe de testemunhas que possam interromper o laço invisível que se estabelece entre o indivíduo e as forças sobrenaturais. 

O Creio-em-Cruz pronuncia-se benzendo-se continuamente. É uma fórmula mágica contra os fantasmas para se obter proteção e apoio. A Força-do-Credo é uma oração para os momentos de desespero. Ela abala até os anjos do Paraíso. O Credo às Avessas é uma oração perigosa, recurso supremo nas situações trágicas. Tanto mais eficaz quanto mais raramente utilizada. 

Dentre essas orações defensivas e protetoras que são as "orações fortes", destacam-se fórmulas de encantamento escritas em papel ou em pergaminho, geralmente reservadas para uma única pessoa, que se encarrega de trazê-las sempre consigo, sob a pena de ver escapar o seu poder. Escondidas debaixo da roupa, elas permitem repelir as agressões dos inimigos e protegem contra efeitos diabólicos pela simples ação "catalítica" de sua presença, segundo Luís da Câmara Cascudo". Recomenda-se evitar a exposição dessas fórmulas a olhos estranhos; elas perdem o seu poder pela mera força do olhar de outrem. 

Essas "orações fortes" pertencem à categoria das orações ocultas. São orações escritas que não se pronunciam. Na verdade, somente o ato de escrevê-las é que lhes confere o poder sobrenatural de "fechar o corpo". As "orações fortes" deviam ser copiadas pelo próprio cangaceiro ou por um dos seus próximos. Algumas das que Lampião trazia consigo tinham sido previamente oferecidas ao seu irmão Livino, como a Oração do Salvador do Mundo e a Oração das Treze Palavras Ditas e Retornadas. 

Na Oração de Santo Agostinho o nome de Livino figura cinco vezes, assim como o de Sebastião Lopes Bezerra, que provavelmente a oferecera a Livino. A Oração da Beata Catarina teria sido oferecida por Livino a Lampião. Parece que com a morte de seu irmão, em 1926, Lampião teria conservado suas "orações fortes", levando-as consigo até o fim. 

Luís da Câmara Cascudo faz referência à Oração do Rio Jordão e à Oração de Fiança dos ex-cangaceiros. Alguns dizem que, se Rio Preto e Antônio Silvino foram capturados e se Jesuíno Brilhante e Lampião morreram, foi porque perderam o saquinho que continha essas orações infalíveis que, desde a primeira década do século XIX, os cangaceiros e os bandidos do sertão, assim como os cantadores do Nordeste, levavam consigo, era, segundo o autor, um talismã. 

Quando morreu, Lampião trazia ao redor do pescoço sete "orações fortes" encerradas em saquinhos: a Oração do Salvador do Mundo, a Oração das Treze Palavras Ditas e Retornadas, a Oração de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Oração da Virgem das Virgens Prodigiosas, a Oração da Beata Catarina, a Oração de Santo Agostinho e a Oração da Pedra Cristalina. 

Sob seu pé direito, que tinha sido ferido, Lampião usava uma palmilha "pé-de-anjo" que permitia anular magicamente os efeitos negativos de sua ferida, considerada talvez uma "abertura" de seu corpo. A esse respeito o sertanejo Chiquinho Rodrigues, proprietário de uma loja em Serra Talhada, entrevistado em 1981, afirmou que o corpo de Lampião se abriu em Angico porque ele não teve tempo de se calçar. Lampião, que era crente, trazia no pescoço o crucifixo que roubara da baronesa de Água Branca em 1922. O cangaceiro que traz amuletos consigo estaria imunizado contra males exteriores. 

No entanto, aquele que não está de acordo com as boas disposições mágicas, que está em estado de impureza porque não observou os tabus estabelecidos por Lampião ou, mais amplamente, pela tradição, poderia ter o corpo "ruim", "aberto", apesar da presença dos amuletos. Além das "orações fortes" ou outras proteções mágicas que o cangaceiro trouxesse consigo, outras deveriam penetrar o corpo, como é o caso das hóstias consagradas. Os cangaceiros pagavam as mulheres que frequentavam as igrejas para que roubassem hóstias consagradas e lhes entregassem. Conta-se que as "bruxas", durante cerimônias mágicas, tinham o poder de tornar os cangaceiros imortais e de imunizá-los contra as facadas ou as balas de fuzil quando benzem um caixão. 

Encerrada a cerimônia, ela fazia rasgar a peça de pano por uma coruja, por cima da cabeça do cangaceiro. Diz-se que o célebre cangaceiro Pinto Madeira tinha uma hóstia consagrada na parte esquerda do tronco e que só se conseguiu matá-lo quando ela foi retirada. Contam que o cangaceiro Balão também tinha uma hóstia consagrada debaixo da pele. Quando ele estava morrendo, sua família teve de retirar a hóstia do corpo para que ele pudesse se "livrar", pois caso contrário ficaria agonizando sem morrer nunca — foi, pelo menos, o que teriam afirmado os membros da família de Balão.

Segundo Aglae Lima de Oliveira, Lampião colocou uma hóstia consagrada impregnada de seu sangue em um dos saquinhos que continham "orações fortes", mas não a teria introduzido em seu corpo". Na entrevista que concedeu ao jornal O Ceará em 23 de março de 1926, Lampião declarou que nenhuma força policial lhe "abriria o corpo": "Tenho conseguido escapar à perseguição que me movem os governos, brigando como louco e correndo como veado quando vejo que não posso resistir disto sou muito vigilante e confio sempre desconfiado de modo que, dificilmente me pegarão de corpo aberto". 

O "corpo fechado" é o resultado de um processo mágico de imunização total do corpo contra toda forma de agressão: o corpo torna-se impenetrável às facadas ou às balas, como uma couraça, escapa ao perigo das águas estagnadas ou em movimento, ao fogo e também às maldições e aos malefícios. A crença no corpo fechado permeia toda a cultura do sertão. 

O fechamento do corpo era, antigamente, uma das razões principais do recurso à magia em todo o Nordeste do Brasil e em particular no Catimbó. Ele só pode ser feito por um feiticeiro, quer se trate do mestre no Catimbó do litoral do Nordeste ou do curandeiro, ou bruxo, do sertão. O curandeiro ou bruxo pode, ao mesmo tempo, curar os males, fechar o corpo, praticar a magia negra, elaborar ataques mágicos contra um indivíduo, tornando-o surdo, mudo ou cego graças ao preparo à base de ervas ou de plantas, transferir o mal para objetos... Todo esse processo mágico funciona segundo um esquema de malefício à distância. 

Superstições são, por definição, não fundamentadas em verificação de qualquer espécie. Elas podem estar baseadas em tradições populares, normalmente relacionadas com o pensamento mágico. Os cangaceiros assim como parte da população do sertão nordestino à época, supersticiosos acreditavam que certas ações (voluntárias ou não) tais como rezas, curas, conjuros, feitiços, maldições ou outros rituais, poderiam influenciar de maneira transcendental as suas vidas. Até hoje, encontramos pessoas assim.


MATERIAL DA PESQUISA: Forte repetição ipsis litteris do livro Lampião, senhor do sertão : vidas e mortes de um cangaceiro  Por Elise Grunspan-Jasmin e diversos outros livros de autores da literatura do cangaço.

http://meneleu.blogspot.com.br/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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