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quinta-feira, 28 de julho de 2016

AS LUTAS E AS AGRURAS VIVIDAS POR UM GUERRILHEIRO POTIGUAR EM CORDEL DO POETA POPULAR MANUEL DE AZEVEDO

Por José Romero Araújo Cardoso

Ao Prof. Dr. Carlos Alberto Nascimento de Andrade (UERN/FE/DE)

Integrando a Coleção Queima-Bucha de Cordel, publicado em Mossoró (Estado do Rio Grande do Norte) no mês de novembro de 2005, encontramos homenagem ao guerrilheiro potiguar Glênio Sá, cuja atuação política na clandestinidade levou-o a lutar nas selvas do Araguaya ao lado de ícones da esquerda radical, a exemplo de João Amazonas, Maurício Grabois, João Carlos Haas Sobrinho e Osvaldo Orlando da Costa, o lendário Osvaldão, entre outros.
          
Composto por 57 estrofes, o interessante cordel, intitulado Um Guerrilheiro Potiguar no Araguaia, de autoria de Manuel de Azevedo, professor, músico e poeta, nascido no ano de 1962 em Santana do Matos (Estado do Rio Grande do Norte), sintetiza primorosamente os anos difíceis vividos por boa parte do povo brasileiro, principalmente quando da vigência dos anos de chumbo da ditadura militar no País, logo após a decretação do AI-5, liberdades individuais e coletivas foram cerceadas de forma extraordinária e injustificável.
          
Glênio Sá era natural de Caraúbas (Estado do Rio Grande do Norte), nascido no dia 30 de abril de 1950. Destaca o cordelista que a situação delicada propiciada pela repressão desmedida dos militares fez com que Glênio Sá se rebelasse e partisse para a luta armada.
          
Em 1968, conforme os versos do cordel de Manuel de Azevedo, Glênio Sá chegou a Fortaleza (Estado do Ceará), sendo preso no ano seguinte, quando veio a consagrar-se comunista a partir da leitura dos clássicos do Marxismo-Leninismo e, a partir de reflexões sobre as condições da revolução proletária no Brasil, abraçou a guerra popular como forma de derrubar o regime das baionetas instalado no País em primeiro de abril de 1964.
           
Em reunião clandestina ocorrida em São Paulo, ficou definido que a área compreendida pelo Araguaia-Tocantins serviria de palco para a verdadeira revolução que pretendia libertar, do campo à cidade, todos que estavam submetidos à opressão do regime militar a serviço da burguesia brasileira e transnacional.
          
Conforme Manuel de Azevedo, Glênio encontrou Genoíno em Anápolis (Estado de Goiás), rumando para o Maranhão. Pretendiam chegar em São João do Araguaia (Estado do Pará), alcançando o objetivo e determinando a fixação a fim de trabalhar as bases da revolução popular com o campesinato da região.
          
A estrofe 20 do cordel de Manuel de Azevedo revela, provavelmente, fruto de conversas mantidas com o próprio Glênio Sá, de quem o autor era amigo, pois destacou que fizeram uma picada para o Rio Gameleira, abriram uma capoeira, uma roça bem plantada, com muito inhame e batata, escondida lá na mata, outra casa levantada (AZEVEDO, 2005, p. 06).
          
O único contato com a civilização acontecia através das ondas do rádio, pois os guerrilheiros escutavam diariamente a BBC (Inglaterra), Guaíba, Havana (Cuba), Bandeirantes e Tirana (Albânia).
          
Livros como A Batalha de Stalingrado e o Diário de Che Guevara eram lidos com o intuito de adquirir experiência teórica sobre estratégias militares, enquanto no campo prático destacavam-se treinamentos diários entre os quais estavam incluídos o rastejo, fustigamento, tática anti-guerrilha, embocada, armadilha, deslocamento, tiro ao alvo, camuflagem, vantagem e desvantagem.
          
A construção da rodovia Transamazônica tem destaque, frisando que Médici em sua ambição, só fomenta a bandidagem, com jagunços e grilagem, rumo à colonização, ressaltando o papel assumido pelos pistoleiros com o apoio dos grileiros na invasão de Igarapé dos Perdidos, cuja população camponesa é expulsa.
          
No dia treze de abril de 1972, Gameleira foi invadida, começando de fato as tormentas dos despreparados e inexperientes guerrilheiros frente ao poder incontestável que fazia a vantagem dos militares frente ao movimento popular desencadeado entre os Estados do Pará, Maranhão e Tocantins, região de conflitos históricos, conhecida como Bico do Papagaio.
          
Os presos começaram a ser amontoados, entre os quais estavam incluídos padres, freiras, camponeses, etc., enquanto a repressão mostrava-se cada vez mais feroz dentro da selva, à procura dos guerrilheiros do PC do B, delatados pelos Bate-Paus. A ordem de Brasília foi clara, não deixar pedras sobre pedras.
          
Há de ressaltar que o caso da guerrilheira Helenira instigou os militares a agir com truculência inaudita, pois baleada nos primeiros combates, acabou matando dois militares que tentavam socorrê-la. Comenta-se que ela ainda gritou: Podem me matar, os companheiros me vingarão. Uma filha do líder seringueiro Chico Mendes tem seu nome em homenagem à valente guerrilheira do PC do B na campanha do Araguaia. 
          
Enquanto a selva abrigava os quadros do PC do B e seus colaboradores, o exército, cujo efetivo estava calculado em mais ou menos quatro mil homens, ocupava Marabá (Estado do Pará), São João (Estado do Pará) e Araguatins (Estado do Tocantins, atualmente. Estado do Goiás, na época), desde lá do Tocantins até o sul do Pará.
          
Perdido na selva há mais de um mês, sofrendo os efeitos da malária que adquiriu, Glênio Sá foi traído por um Bate-Pau na Gameleira, sendo instigado por Genoíno a se render, caso quisesse ficar vivo. A repressão tornava-se a cada dia que passava mais brutal, desumana e avassaladora.
          
A prisão em Xambioá (Estado do Tocantins), as torturas ignominiosas e a transferência para Brasília, onde as sevicias monstruosas tiveram continuidade, o poeta popular destaca que a acareação entre Glênio e Genoíno deu ênfase, conforme a estrofe 54, que a guerrilha foi traída pelo militante cearense.
          
Em 1974, transferido para o Forte de Santa Cruz, localizada no Estado do Rio de Janeiro, onde foi novamente torturado por agentes do DOI-CODI, Glênio recebeu a visita do pai e do irmão, encontrando a liberdade, finalmente, no ano seguinte. Glênio Sá faleceu vítima de acidente automobilístico, em companhia de Alírio Guerra, quando, no dia 26 de julho de 1990, encontravam-se em campanha eleitoral no Estado do Rio Grande do Norte. Estavam a caminho de Jaçanã (Estado do Rio Grande do Norte), vindo de Currais Novos (Estado do Rio Grande do Norte) quando o fusca em que encontravam-se foi abalroado por veículo conduzido irresponsavelmente por motorista embriagado. Glênio, que na ocasião disputava o cargo de Senador, morreu militando no PC do B. 
          
Estruturado impecavelmente em métrica e rima, o cordel de autoria de Manuel de Azevedo sintetiza de forma simples e objetiva, como deve estar sempre direcionada a poesia popular, homenagem a um dos grandes lutadores pela liberdade no Brasil.

José Romero Araújo Cardoso:

Geógrafo (UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e articulista cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do oeste Potiguar (ICOP).
Endereço residencial:
Rua Raimundo Guilherme, 117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró – RN – CEP: 59.626-630 – Fones: (84) 9-8738-0646 – (84) 9-9702-3596 – E-mail:romero.cardoso@gmail.com



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