Por Sálvio Siqueira
O sertão já é
por si uma terra onde só quem nasce das suas ‘entranhas’ é quem sabe a dureza
que é viver nele. A caatinga, as terras do sertão é uma ‘mãe’ que não deu muita
chance para seus ‘filhos’, ou é ou não é. Naquele tempo, a coisa mais
importante para o catingueiro era a época das chuvas. Com ela nos meses certos,
tinha fartura sobrando. Com a colheita, armazenada em depósitos de zinco,
aquilo que lhe tocava, ou o pouco que tocava pra ele, do roçado que tinha
cortado a mata, botado fogo, plantado, limpado e colhido. As maiores partes dos
lucros dos legumes plantados, priorizando o milho e o feijão, iam para os
armazéns dos donos das grandes propriedades.
Mesmo assim,
fazia-se festa. Tinha a pamonha, a canjica e outras iguarias com o milho
‘maduro’. Já com ele seco, tinha-se o cuscuz, a farinha, o mungunzá e o
‘xerém’, sempre acompanhando o feijão na panela de barro, como alimento até a
próxima colheita, se houvesse ‘inverno’, que para o roceiro, é a época das
chuvas no Sertão nordestino.
No município
da cidade de Poço Redondo e circunvizinhança no Estado sergipano, depois que a
saga cangaceira adentra sem pedir permissão, a população daquela ribeira passa
a viver uma tremenda vida aterrorizada, tanto por parte deles, os cangaceiros,
como por parte das ações das volantes que às vezes vinham como o rolo
compressor atingindo seja lá quem fosse. Terminando por ser, dentro das
pesquisas do Fenômeno Social Cangaço citado por vários pesquisadores, o
município que mais ‘doou’ jovens para participarem das fileiras do cangaço.
Nessa época,
época já tida por alguns dos pesquisadores como o “cangaço e CIA”, onde se
adiria por simples ilusão. Queria os jovens ser donos de si, libertos, andarem
com dinheiro, joias e que todos os respeitassem, ou os temessem, e, para eles,
naqueles idos dias, o cangaço lhes proporcionaria tal. Engano total. Pura
ilusão.
No município
vizinho ao de Poço Redondo, no de Canindé, Lampião tinha um esconderijo onde
poderia ser reconhecido como uma verdadeira fortaleza chamada “Porão da
Passagem”.
“(...) O Porão
da Passagem talvez fosse superado apenas pelos coitos armados no Raso da
Catarina, mas, mesmo assim, levando uma preciosa vantagem. A sua localização
era praticamente à beira do São Francisco e encravado na região que não era
navegável (...).” (“LAMPIÃO ALÉM DA VERSÃO – Mentiras e Mistérios de Angico” –
COSTA, Alcino Alves. 3ª Edição. 2011).
Juriti à esquerda e Mergulhão à direita
O “Rei dos
Cangaceiros” quando para esse lugar ia, era para demorar bastante tempo. Ali
ficavam a descansar das inúmeras, e longas, caminhadas por entre as serras da
região quando iam fazer alguma ‘missão’, trocar tiros com a volante ou correr
com os mesmos em seus calcanhares.
Dessa vez,
fazia parte do seu bando um cangaceiro chamado “Vulcão”. Diferentemente do
restante da cabroeira, “Vulcão” não queria conversa com ninguém, procurando
sempre se afastar dos demais e, pensativo, parecia que seu corpo ali estava,
mas, seus pensamentos estavam em outro lugar distante. Até mesmo sua aparência
física se diferenciava dos demais.
“(...)Vulcão,
um cangaceiro amorenado, corpo atlético, alto e entroncado, desbarrigado e com
poucas gorduras no corpo, cabelos lisos e bons, um exemplar fiel da raça parda
brasileira (...).” (Ob. Ct.)
Bom
observador, Virgolino passa boa parte do tempo prestando atenção no
comportamento dele. Sem deixar que percebam, dá um sinal para que seu lugar
tenente, o cangaceiro Luiz Pedro, venha até sua tolda. Lá comunica que está
desconfiando que Vulcão esteja com um comportamento muito diferente, e lhe dá a
ordem que fique de butucas abertas naquele cabra.
O cangaceiro
“Caititu”, que era o apelido de Luiz Pedro, deixa a tenda do chefe e já vai
vendo se via Vulcão. Nada feito, por ali, ele não estava. Anda em vários
aglomerados de cangaceiros que se divertem jogando cartas, farreando ou
simplesmente proseando, e não encontra o dito cujo. Depois de andar de um lado
para outro dentro e em volta do acampamento, Caititu vai até a tolda de Pancada
e pergunta se não tinha visto Vulcão. A resposta negativa, faz com que Luiz
Pedro se preocupe. Retorna rapidamente e passa a informação para o cangaceiro
mor. Lampião acredita, naquele momento que ele aproveitou que ninguém estava
olhando, prestando atenção e deu no pé. Imediatamente ordena que seu ‘imediato’
chame Zé Sereno e partam em busca do cabra.
Lampião e Maria Bonita
Lampião tinha
razão na desconfiança sobre Vulcão. Vulcão, como tantos, entra nas fileiras do
cangaço pensando ser uma coisa. Quando lá se encontravam, descobriam que não
era tão bom assim. Viver a fugir dia e noite. Matar, sangrar e roubar não tinha
nada a ver com aquilo que pensou. Com a saudade lascando seu peito, ele resolve
largar aquela vida e voltar para o seio da sua família. Para o aconchego dos
seus pais e seus irmãos. Só tinha um problema, as garras de Lampião.
José Ribeiro Filho o cangaceiro Zé Sereno
Caititu, Zé
Sereno e alguns homens partem em busca do fugitivo. Luiz Pedro imagina seguir
uma via que se ele fugisse a tomaria. Chegam à casa de um conhecido perguntam,
mas a resposta é negativa, ninguém passou por ali antes deles. Logo adiante, ao
encontrarem um viajante, esse diz ter passado por uma pessoa, homem, muito
diferente que ia entrando em Canindé Velho de Cima. Referiu as aparências do
cabra e os cangaceiros tiveram a certeza de quem se tratava.
Imediatamente , quase que em trote normal, os cangaceiros partem rumo ao local descrito pelo desconhecido. A marcha tinha que ser sofrida, rápida, para que pudessem chegar no lugar com claridade e encontrar o desertor.
Vulcão, após
ter escondido sua tralha, parte rumo ao destino escolhido. Depois de muito
andar, chega em Canindé Velho de Cima. Imediatamente vai para o porto a espera
d’uma embarcação para ir-se para sempre. O barco não aparece, o medo começa a
tomar conta do corpo e da mente daquele homem que não sentira medo em várias
outras ocasiões, porém, sabia do seu destino se por um acaso caísse nas mãos
dos cabras de Lampião, seus, agora, ex-companheiros e por isso inimigos.
As sombras da
noite começam a lançar seu manto negro sobre a terra. Rapidamente escorresse.
Vulcão sente um arrepio, e de repente escuta uma voz conhecida lhe dando voz de
prisão. Salta feito uma fera ferida, tenta ir para um lado e para outro, mas,
não consegue por várias mãos fortes e impiedosas não permitirem. É agarrado e
amarrado. Sua corda é presa há um cavalo que o vai levando de caminho afora.
Não mais aguentando o ritmo do animal, Vulcão cai, e mesmo assim, o cavalo é
chicoteado para continuar na mesmo velocidade. Então começa o grande suplício
de Vulcão. Seu corpo sai deixando tiras de couro, pedaços de peles em bicos de pedras
e pontas de tocos na triste caminhada. Pelo caminho, os cangaceiros chegam numa
casa, a mesma que tinham passado, perguntado e recebido uma resposta negativa,
onde está tendo um forró. Resolvem tomar umas cachaças e dançarem umas
'partes'. Amarram o prisioneiro de braços estendidos para cima, já meio morto,
todo esfolado, e caem da farra. De vez enquanto, alguns vêm e dão pequenas
furadas com as pontas dos punhais no corpo de Vulcão que se contorce de dores,
porém, não dá um pio, não grita nem pede por nada.
Assim, a noite
prossegue numa rotina terrível para aquele jovem. Não o mataram para que
chegasse com vida onde estava o chefe. Pela manhã, já todos cheios de cana,
chegam com o ‘farrapo’ de Vulcão onde estava Lampião. Esse dá a sentença de
morte sem nem olhar para ele. Os cangaceiros dessem o chicote nas ancas do
animal que torna a arrastar aquele infeliz pelas terras do solo sertanejo a
qual desfigura totalmente o corpo daquele jovem.
"(...)
aquela massa disforme, uma verdadeira posta de carne ensanguentada (...) o
estado que Vulcão se encontrava é deveras lamentável. Seu corpo é algo
horripilante, deformado. Sua boca, seu nariz e seus ouvidos sangram como se
fossem bicas (...)." (Ob. Ct.)
Neném do Ouro e seu companheiro Luiz Pedro
Luiz Pedro,
depois de ver que o animal parou, mande uma criança, "Hercílio
Feitosa", que estava com eles ir buscar o animal. Após seu retorno, Vulcão
fala pela primeira vez:
“- Vocês num sabi o qui tão fazendo cumigo. Vocês num sabi o qui é uma sodadi bem doída da famia. Num mi mati não. Deixi eu ir mimbora.”
“- Seu cabra de peia, você é um cabra de peia. Pruquê veio pru meio da gente? Isto aqui é lugar pra homi. E quem num é, cuma você, a genti mata.” (diz arrogantemente o cangaceiro “Juriti”) (Ob. Ct.)
Por fim, arrastam o já quase morto ex-companheiro Vulcão, e o assassinam com um tiro de pistola... Nas quebradas do Sertão sergipano em janeiro de 1938.
Fonte “LAMPIÃO
ALÉM DA VERSÃO – Mentiras e Mistérios de Angico” – COSTA, Alcino Alves. 3ª
Edição. 2011
Foto Benjamin
Abrahão
Ematerce
google.com
Ematerce
google.com
PS// Hercílio Feitosa,
a criança que foi buscar o cavalo que arrastava "Vulcão", por ordem
de Luiz Pedro, muitos anos depois, é quem narra esse triste e cruel fato ao
pesquisador Alcino Alves Costa.
Fonte: facebook
Página: Sálvio Siqueira
Grupo: Ofício das Espingardas
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Página: Sálvio Siqueira
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