Por José Romero Araújo Cardoso
A era Vargas
foi a mais longeva experiência político-administrativa do Brasil republicano,
cuja gênese encontramos na vitória da revolução em outubro de 1930. O processo
foi interrompido em 1945 e reiniciado em 1950, tendo seu epílogo em agosto de
1954, quando do suicídio do chefe do executivo.
A
centralização enfatizada por Vargas pôs fim à fragmentação do poder entre os
representantes do mandonismo local, a qual se constituiu em símbolo das
estruturas montadas na república velha, conforme enfatiza MELLO (1992).
A partir de 3
de outubro de 1930, quando triunfou o movimento revolucionário encabeçado pelo
Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, Vargas deu início à escrita de um
diário cujo encerramento se deu em setembro de 1942, quando o Brasil já havia declarado
guerra aos países do Eixo.
Este
importante documento para a História do Brasil, compilado e publicado em dois
volumes no ano de 1995 pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas e pela Editora Siciliano,
apresentado por Celina Vargas do Amaral Peixoto, neta do estadista que marcou
profundamente os novos rumos do modelo capitalista brasileiro a partir de sua
posse no governo provisório em 1930, descortinam-se o dia-a-dia do governante,
as relações políticas e os episódios marcantes de uma época.
A pressão
exercida por São Paulo, principal centro econômico do País, resultando em
tentativa revolucionária quer ficou conhecida pela pretensa defesa de uma
constituinte, obrigando o governo federal a reprimir fortemente o movimento,
caracterizou os rumos políticos entre os anos de 1932 e 1933.
Conforme
BASBAUM (1991, p. 63), a convocação de uma constituinte e a elaboração de uma
nova constituição perfaziam o panorama geral do ano de 1933. Neste ensejo,
Vargas organiza visita aos Estados das regiões Nordeste e Norte, acompanhado de
uma grande comitiva de políticos e jornalistas. O raid político-eleitoral do
chefe do governo provisório e sua equipe dura cerca de um mês, sendo concluída
em Belém (PA).
Ainda segundo
BASBAUM (ibidem);
“O entusiasmo
com que é recebido pelas populações do Norte e Nordeste, que o vêem pela primeira vez, mostra apenas o quanto as massas ainda
esperam dele, pois nada ainda haviam obtido. Mas Getúlio acredita que
aquilo significa – apoio incondicional. Assim acreditam também os futu-
ros deputados que mais tarde o elegerão Presidente da República.
aquilo significa – apoio incondicional. Assim acreditam também os futu-
ros deputados que mais tarde o elegerão Presidente da República.
E esse apoio dar-lhe-á a margem necessária para planejar a continua-
ção no poder.”
Obras
importantes para o Nordeste seco, paralisadas após a conclusão do triênio
Epitácio Pessoa na presidência da república (1919 – 1921), foram fiscalizadas e
muitas inauguradas quando da visita presidencial. A açudagem se constituía em
um dos carros-chefe da campanha presidencial encetada pela comitiva comandada
por Getúlio Vargas.
Neste ensejo,
Vargas faria sua primeira visita a Mossoró. Entre os circunstantes presentes
que compunham a comitiva presidencial, encontrava-se assessor do Ministério de
Viação e Obras Públicas de nome Orris Barbosa.
Posteriormente,
o jornalista Orris Barbosa lançou em 1935, pela Adersen-Editores, do Rio de
Janeiro, interessante opúsculo por título “Secca de 32 – Impressões sobre a
crise nordestina”, no qual analisa desde as tentativas frustradas de
implementação dos reservatórios hídricos no governo Epitácio pessoa, além de
outras políticas públicas de suma importância, aos efeitos catastróficos da
grande seca que teve início em 1926 com breve intervalo em 1929 e
recrudescimento total em 1932, enfatizando ainda a visita presidencial aos
estados do Nordeste e do Norte do Brasil.
BARBOSA (p.
112), no capítulo intitulado “No alto sertão”, destaca a marcha batida em
direção a Mossoró, frisando que a rodagem que interliga Assú à capital do oeste
potiguar era regular. Destaca ainda que só à noite puderam alcançar o maior
centro comercial do Rio Grande do Norte, na época, visitando, ainda o porto de
Areia Branca, escoadouro natural dos produtos sertanejos.
Antes, em
fevereiro de 1930, Mossoró havia sido palco de pregações revolucionárias capitaneadas
pela caravana gaúcha liderada por Batista Luzardo. Até então, esta tinha sido a
única oportunidade que os aliancistas haviam pregado em território mossoroense
os ideais de renovação (ROSADO, 1996).
Na
oportunidade, ainda não haviam galgado o poder, cujo feito foi proporcionado
pelos desdobramentos trágicos da revolta de Princesa, quando do assassinato do
presidente paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, vice-presidente da
chapa encabeçada por Vargas no ensejo da disputa presidencial em 1930 (INOJOSA,
1980; RODRIGUES, 1978).
Conforme o
Diário de Getúlio Vargas (1995, p. 238), no dia 13 de setembro de 1933 houve a
partida da comitiva para Mossoró. A viagem foi feita pela Estrada de Ferro
Central do Rio Grande do Norte. Antes, houve almoço em São Romão, num mato de
oiticicas do sr. F. [Fernando] Pedrosa – vaquejada, visita à usina de algodão e
à fábrica de óleo etc.
Corroborando o
que Orris BARBOSA (ibidem) escreveu em seu clássico livro, Vargas destaca que
até Mossoró prosseguiram de automóvel, onde houve recepção festiva, banquete e
discursos.
Em edição do
dia 31 de agosto de 1933, o jornal mossoroense O Nordeste, de propriedade de J.
Martins de Vasconcelos, noticiou em primeira página a excursão presidencial do
chefe do governo provisório pelo norte do País.
Destacava este
veículo de comunicação que partia da capital federal, no dia 22 de agosto, no
“Almirante Jaceguay”, a comitiva de Vargas, da qual faziam parte os ministros
José Américo de Almeida e Juarez Távora, General Góes Monteiro, Comandante
Américo Pimentel, sub-chefe da Casa Militar, Dr. Valder Sarmanho, da Casa
Civil, bem como diversos repórteres representantes de diversos jornais
cariocas.
O jornal “O
Nordeste” enfatizou ainda que a convite do Interventor potiguar Mário Câmara, Getúlio
Vargas visitaria Mossoró, seguindo viagem via Caraúbas, indo, antes, até Porto
Franco. Finalizava a matéria jornalística fazendo louvações à campanha da
Aliança Liberal e reverenciando a memória de João Pessoa.
Em 18 de
setembro “O Nordeste” voltava a destacar com estardalhaço matéria sobre a
visita da comitiva de Vargas, desta vez com mais ênfase devido a permanência do
chefe do governo provisório a Mossoró.
Às 18 horas do
dia 13 de setembro, Getúlio Vargas, acompanhado de vários membros do seu
gabinete, integrando também a comitiva o Interventor Mário Câmara, o Dr.
Potyguar Fernandes, chefe de Polícia da Capital, além do Dr. Gratuliano de
Britto, interventor Federal do Estado da Paraíba, dirigia-se ao palacete da
Praça Bento Praxedes, o qual ficou conhecido por Catetinho.
Na
oportunidade, grande multidão se concentrou intuindo conhecer de perto o chefe
máximo do executivo brasileiro. Conforme ainda “O Nordeste”, duas alas de
alunos das escolas da cidade, estendiam-se, com o povo, do Jardim Público, até
o lugar do destino, feericamente iluminado, e onde a banda de música “Santa
Luzia”, em coreto adrede preparado, executou o hino nacional para o chefe de
governo e sua comitiva.
Todas as
repartições públicas içaram a Bandeira Nacional, em sinal de extremo respeito à
ilustre visita. À noite houve cinema campal na Praça João Pessoa.
O discurso,
pronunciado antes do banquete no Palacete da Praça Bento Praxedes, foi realizado
pelo Dr. Adalberto Amorim, juiz de Direito da comarca. O magistrado falou em
nome das classes conservadoras do município, bem como do comércio local.
Em
agradecimento, Getúlio Vargas respondeu ao oferecimento do banquete com
palavras lisonjeiras a Mossoró, prometendo atender necessidades urgentes, a
exemplo da continuação do prolongamento ferroviário, baixa nos transportes do
sal e seu aperfeiçoamento e abertura de porto. Concluiu destacando a
importância industrial e comercial do município potiguar.
No dia 14 de
setembro houve visita de parte da comitiva à salina Jurema, localizada às
margens do rio Mossoró. Às 8 horas encerrou-se a visita do chefe do governo
provisório. A comitiva partiu em trem especial da Estrada de ferro, até
Caraúbas, seguindo para Lucrecia e depois com destino a Sousa (PB), onde
inspecionaram as obras do açude de São Gonçalo.
Quando da
campanha presidencial em 1950, Vargas retornou a Mossoró. Relembrou fatos da
primeira estadia demonstrando impressionante lucidez, como bem nos comprovou
Raimundo Soares de Brito, presente ao encontro. Deixou o historiador estupefato
ao perguntar por Jonas Gurgel, prefeito de Caraúbas quando da visita como chefe
do governo provisório. Era o testemunho impecável da memória excepcional de um
homem que marcou significativamente e de forma indelével a História do Brasil.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Livros:
BARBOSA,
Orris. Secca de 32 – Impressões sobre a Crise Nordestina. 2ª ed. Mossoró/RN:
Fundação Vingt-un Rosado, 1998. (Série C; Coleção Mossoroense; s/n).
BASBAUM,
Leôncio. História Sincera da República – De 1930 a 1960. 6ª ed. São Paulo/SP:
Editora Alfa-Omega, 1991.
INOJOSA,
Joaquim. República de Princesa (José Pereira x João Pessoa – 1930). Rio de
Janeiro/RJ: Brasília/DF: Civilização Brasileira: INL, 1980.
MELLO, José
Octávio de Arruda. A Revolução Estatizada: Um estudo sobre a formação do
centralismo em 30. 2ª ed. João Pessoa/PB: EdUFPB, 1992.
RODRIGUES,
Inês Caminha Lopes. A Revolta de Princesa: Uma contribuição ao Estudo do
Mandonismo Local – Paraíba (1930). João Pessoa/PB: A União, 1978.
ROSADO,
Vingt-un . Batista Luzardo em Mossoró. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado,
1996. ( Série C; Coleção Mossoroense; Vol. 902).
VARGAS,
Getúlio. Diário. São Paulo/SP: Rio de Janeiro/RJ: Siciliano: Fundação Getúlio
Vargas, 1995. Vol. I e II.
Jornais:
A Excursão
Presidencial do Chefe do Governo Provisório pelo Norte do País. O Nordeste,
Mossoró, 31 de Agosto de 1933. p. 01.
A Visita do
Chefe do Governo Provisório a Mossoró. O Nordeste, Mossoró, 18 de Setembro de
1933. p. 01.
José Romero
Araújo Cardoso – Professor Adjunto do departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Escritor. Especialista em Geografia e em Gestão Territorial e em Organização de
Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contato: romero.cardoso@gmail.com.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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