Por Sálvio
Siqueira
Naquele tempo
havia três tipos de cangaço exercido por bandoleiros: o “defensivo”, o
“político” e o de banditismo propriamente dito, ou seja: “auto profissional”.
O Defensivo:
“de ação esporádica na guarda de propriedades rurais, em virtude de ameaças de
índios, disputa de terras e rixas de famílias”. Nesse caso, o cangaceiro era um
‘trabalhador’ dos latifundiários. Os ‘coronéis’ que mandavam e desmandavam em
suas regiões na força dos arreios dos chicotes, punhais e balas das armas de
fogo, determinando limites de propriedades, fazendo e acontecendo com o apoio
dos administradores estaduais, eram os contratantes. Nesse tipo de
cangaceirismo, após realizarem sua missão, a soldo dos fazendeiros, os
cangaceiros se dissolviam e voltavam a trabalhar como vaqueiros ou lavradores.
As desavenças ocorridas entre famílias, e as vinganças pessoais, mobilizavam
constantemente os bandos armados. Parentes, agregados e moradores ligados ao
chefe de uma família, pelo parentesco, compadrio ou reciprocidade de serviços
compunham os grupos particulares que se agrupavam novamente toda vez que fossem
‘convocados’.
O Político:
“expressão do poder dos grandes fazendeiros”. Já nesse caso, também tinham como
patrão os ‘Manda-Chuva’ das regiões nas pessoas dos coronéis, só que,
particularmente, exerciam seus poderes políticos em prol da própria causa onde
muitas das vezes o poder era tomado pela força das armas. Logicamente todo
fazendeiro ‘coronel’ que se presava tinha seu contingente de jagunços
particulares, porém, para determinadas empreitadas recorriam a bandos de
cangaceiros no intuito de fortalecerem suas fileiras. Nesse tipo, no cangaço
político, resultando, muitas vezes, das rivalidades entre as oligarquias
locais, esse se institucionalizou como instrumentos usados por essas
oligarquias, empenhados na disputa para consolidar seu poder municipal,
regional e mesmo estadual. Tanto o cangaço ‘defensivo’ quanto o ‘político’
existiram em uma mesma época, no entanto, não em só um lugar, mas em vários
lugares abrangendo todo o território nacional.
Por último
tivemos o “Banditismo”: em determinada época, alguns chefes de bandos
cangaceiros cansaram-se de ‘trabalharem’ em prol dos grandes fazendeiros,
coronéis e políticos, pois tinham que fazer o ‘trabalho’ pesado, sangrento,
correndo todos os riscos e, do produto das ‘missões’, acabavam ficando com
pouco. Com uma parte mínima daquilo que extorquiam e/ou roubavam. Então
procuraram sua independência ‘profissional’. Se o coronel queria que fizessem
algo, que pagassem o preço estipulado por eles. Esse ‘valor’ não foi
exclusivamente em moeda corrente da época, muitas vezes foi usado a ‘moeda’ da
troca de favores’. O trabalho era feito por garantias, fornecimento de
mantimentos, armas, munição e segurança nas terras pertencentes aos coronéis.
Para o cangaceiro independente, esse acordo feito com coronéis, políticos e até
com autoridades foi de primordial importância, pois fez com o Fenômeno Social
se prolongasse por séculos. Esse tipo de cangaceirismo foi exclusivo de uma só
região, a Região Nordeste.
O cangaço
criado e exercido por Virgolino Ferreira, o famoso Lampião, não se enquadra nos
dois primeiros tipos respectivamente. Porém, os estudos nos mostram que ainda
sem ser “Lampião”, Virgolino Ferreira já dava suas ‘voltas’ pelas quebradas do
sertão exercendo a profissão armada. Na sequência tornara-se mais propenso para
o terceiro com um acréscimo de vingativo a partir de uma determinada fase. O
sociólogo Frederico Pernambucano de Mello, em sua obra literária “Guerreiros do
Sol”, cita três tipos de cangaço, dentre os quais o ‘cangaço vingativo’. Muitos
dos roceiros, trabalhadores rurais, que entraram nas fileiras do cangaço
deveu-se há uma vingança feita ou mesmo para realiza-la. O interessante é que
muitos dos soldados volantes, contratados ou efetivos, assim como os
voluntários também entram nas fileiras das Forças Públicas, ou seja, começam a
fazer parte do Fenômeno Social Cangaço, com a mesma determinação de praticarem
uma vingança.
Pois bem, ao
entrarem nos bando de bandoleiros, principalmente os chefes, com o passar do
tempo à causa, ou motivo, da entrada vai ficando para trás. Vingar-se se torna
coisa secundária ou mesmo é deixada de lado por completo, devido à nova vida
trazer para o cangaceiro uma forma, maneira, de encher os bolsos de grana sem
fazer calos nas mãos e, principalmente, não ter a obrigação de prestar contas a
algum patrão e ser submisso ao mesmo criando em seu íntimo, em seu ego, uma ilusão
de independência e liberdade total. Coisa que pegados nos cabos das enxadas,
foices e machados arrumavam para sobreviverem com muita dificuldade, além de
terem de dividir o pouco que produziam com os donos das fazendas e ainda
viverem em total submissão.
Para
entendermos as movimentações dos “Ferreira” antes de se tornarem
definitivamente os cangaceiros ‘Esperança’, ‘Vassoura’ e ‘Lampião’, os irmãos
Antônio, Livino e Virgolino Ferreira, respectivamente, que agiam com seus
próprios nomes, devemos voltar no tempo. A partir de 1915, entrando pelos anos
de 1916 e 1917, os irmãos ‘Ferreira’ almocrevavam por terras alagoanas,
baianas, sergipanas e, logicamente, pernambucanas. Quando um almocreve levava
mercadorias para determinada localidade, tinha que trazer de volta outro tipo
de mercadorias, ou seja, não percorriam distâncias sem transportar suas cargas
nos lombos dos animais. Então, entre os três anos citados acima, citando como
exemplo, o chefe da tropa de almocreves dos “Ferreira” era Zé Dandão. Nesse período
Delmiro Gouveia torna-se um grande exportador de peles de animais. Na cidade
baiana de Monte Santo tinha um depósito de peles de criações, então, tendo ido
levar mercadorias para duas cidades baianas, Uauá e Monte Santo, pegavam as
peles no depósito de Monte Santo e traziam para a Vila da Pedra, hoje Delmiro
Gouveia, AL. Daí poder dizer que Virgolino Ferreira trabalhou para Delmiro
Gouveia, não como um de seus funcionários legais, mas, como um transportador de
suas mercadorias. Isso até 1917 quando Delmiro Gouveia é assassinado. Então,
notem que quando Lampião, em 1928, transfere-se para a Bahia, já conhecia boa
parte do território escolhido para fixar seu ‘reinado’.
Antônio
Matilde, tio dos irmãos ‘Ferreira’, no início do segundo meado de 1918 chega as
Alagoas para fixar residência, pois em seu torrão natal não havia mais
condições de continuar morando. Acompanhando Matilde estava um outro sobrinho,
Luís Marinho, que havia casado com uma das irmãs de Virgolino chamada Virtuosa
Ferreira. Esse dito cujo, leva um recado para José Ferreira, em Pernambuco,
patriarca da família que o mesmo fosse para as Alagoas que havia terras e
condições para ele trabalhar em paz. Ou seja, o genro levou o recado para o
sogro.
Entre 1917 e
1922 no sertão alagoano agiu um bando de cangaceiros denominado “Os Porcino”.
Esse sobrenome, se assim podemos dizer, era apelido, na verdade pertenciam as
famílias Cavalcante e Fragoso. Nos anos em que agira, esse bando ficou famoso
devido às atrocidades que praticavam com suas vítimas. Era um bando chefiado
por um dos da família chamado ‘Antônio Porcino’ que havia matado um cidadão
chamado Luís Pifeiro em setembro de 1918 no município de Água Branca, AL,
durante uma procissão de uma imagem da “Santa Nossa Senhora”. Essa morte tinha
sido sem motivos, tanto que um dos irmãos de Antônio, ‘Joaquim Porcino’,
reclamou que não havia razão para ter matado o homem. Devido ter reclamado,
Joaquim foi assassinado imediatamente por Antônio, seu irmão.
No momento
dessa desgraça, citam alguns autores, que uma senhora abriu a porta da casa e
saiu para calçada, curiosa, a fim de saber o que se passava, naquele momento é
atingida por uma das balas saídas da arma de ‘Antônio Porcino’. O interessante
é que os ‘Porcino’ também eram almocreves e assim, eram amigos dos ‘Ferreira’.
A especialidade da almocrevia dos “Porcino” era transportar aguardente,
cachaça, de Garanhuns em Pernambuco para várias cidades do sertão alagoano.
Quanto a ida
dos “Ferreira” para o Estado das Alagoas há três versões. Alguns autores citam
que essa ida foi em 1920. Já a autora do livro “O Canto da Acauã”, Marilourdes
Ferraz, refere que foi em 1919. Ainda há a citação de que essa migração ocorreu
em outubro de 1918. Um mês depois dos assassinatos de Luís Pifeiro e Joaquim
Porcino por Antônio Porcino. Essa última versão nos parece mais sensata devido
aos acontecimentos e suas datas a partir dela. Sendo conhecidos pelas andanças
pelos vários caminhos que faziam com a burrarada no trabalho de almocreves, os
irmãos Ferreira e os Porcino, na folga desses, passam a pegar nas armas e
praticar roubos, furtos e até assassinato em Alagoas e Pernambuco.
“Era de se
esperar que, desde a chegada dos Ferreira em Alagoas, outubro de 1918, que
houvesse entrosamento entre as famílias Ferreira, Porcino e Antônio Matilde. Os
três irmãos filhos de Seu José e de Dona Maria Lopez, tanto trabalhavam no
sítio, quanto viajavam (almocreveando) como também andavam armados provocando
atritos, sozinhos ou entrosados com os Porcinos.”(CC.2012)
O autor, ou
autores, nesse relato se equivocam ao citarem Antônio Matilde em separado, pois
o mesmo era tio dos filhos de José Ferreira. O jovem Virgolino Ferreira era
vaqueiro e amansador de burros e cavalos bravios, como citou o saudoso João
Gomes de Lira em seu livro “Lampião – Memórias de um Soldado de Volante”, o que
facilitou para que arrumasse um emprego para cuidar dos cavalos do coronel José
Aquino Ribeiro no município de Água Branca, AL, em princípios de 1919. Com a
sua juventude, a ânsia de aventurar-se cada vez mais toma conta do corpo e
mente do terceiro filho de José Ferreira. Ainda no ano de 1919 Virgolino
Ferreira adentrava nas pequenas cidades e povoados do sertão alagoano, junto
com os Porcino, fazendo e acontecendo.
Há registros
de que um desses povoados era o povoado de Olho D’água do Chicão, hoje cidade
de Ouro Branco, AL, como narrou o senhor Sebastião Jiló, sendo o próprio a
pessoa que mudou o nome do povoado para “Ouro Branco” devido à fartura
algodoeira da época na região. No mesmo ano, 1919, em seu segundo meado Virgolino,
Livino e Antônio Ferreira partem acompanhando seu tio Antônio Matilde e alguns
homens rumo as terras do Leão do Norte com o intuito de vingarem-se de Zé
Saturnino no município de Vila Bela, atual Serra Talhada. Desta feita, tendo
conseguido a ajuda de Sinhô Pereira, que lhes forneceu o cangaceiro “Baliza”,
José Dedé, chefiando seis ‘cabras’ de seu bando para ajudar na desforra. No
entanto, Antônio Matilde, além de perder um de seus homens, seu sobrinho Higino
foi morto pelos homens do chefe cangaceiro Cassimiro Honório, é baleado na
altura do quadril e é levado para a fazenda Carnaúba onde, após se restabelecer
do ferimento, é levado de volta para Alagoas por Virgolino e o cangaceiro
Baliza. Porém, o tempo de descanso e resfriamento das armas é bastante curto,
pois, no início do novo ano, 1920, Matilde junta novamente seus homens e
retornam a Pernambuco. No Pajeú das Flores consegue juntar e estavam levando,
roubando, cerca de sessenta animais pertencentes ao senhor José Nogueira,
quando é barrado a bala por Zé Saturnino e seus ‘cabras’.
Em janeiro de
1921 o bando dos “Porcino”, deste fazendo parte os irmãos Antônio, Livino e
Virgolino Ferreira, ataca o povoado de Pariconha, no município de Água Branca,
AL. “O bando saqueou os estabelecimentos comerciais do prefeito de Água Branca,
Gervásio Lima, e do subcomissário de polícia, Manuel Pereira de Sá”. (CC. 2012)
Em 28 de abril
do ano de 1921 João Ferreira, irmão de Virgolino, Livino e Antônio Ferreira, ao
ir a cidade de Água Branca comprar remédios para sua sobrinha Lica, filha de
Virtuosa, que estava acometida de uma otite, é detido e preso pelo comissário
Amarílio Batista. José Ferreira, ao ficar ciente da prisão de seu filho, envia
Antônio Rosa Ventura com a missão de avisar aos outros filhos mais velhos,
Antônio, Livino e Virgolino, que estavam escondidos no mato, sobre o que estava
acontecendo.
Após todos
esses e outros acontecimentos é que os pais de Virgolino Ferreira morreram.
Dona Maria Lopez sofre um ataque, provavelmente um infarto ou uma parada
cardiorrespiratória, no dia 30 de abril daquele ano e, poucas semanas depois,
no dia 18 de maio de 1921, o Sr. José Ferreira é assassinado pela volante
comandada por José Lucena.
A morte dos
pais de Lampião, para variar, também é referida por vários autores em versões
divergentes. Usamos como referência para citarmos as datas acima o Auto de
Entrega e Recebimento da polícia alagoana quanto aos objetos apreendidos na
fazenda Engenho onde se deu o fato. Devemos lembrar que a volante estava à
procura do bando comandado por Antônio Matilde, depois do ataque a Pariconha.
Abaixo, transcrevo na íntegra, com ortografia da época, o que reza o Auto:
“Copia do auto
de entrega e recebimento dos objetos apprehendidos pela força publica, na
diligencia feita pelo Capitão Francisco de Barros Rêgo, no dia 18 do corrente
mez de Maio na capitura dos assaltantes de Pariconha chefiada pelo indivíduo
Antonio Marthilldes, como abaixo. Aos vinte e cinco dias do mez de Maio de mil
novecentos e vinte e um, trigêsimo da República dos Estados Unidos do Brazil,
nesta cidade de Agua Branca município do mesmo nome do Estado de Alagôas, em
caza da Intendencia Muicipal, as dez horas do dia onde presente se achava o
Juiz substituto Dr. Nestor dos Santos Silva, comigo escrivão no seu cargo abaixo
nomeado, comparecendo o Capitão de Policia Militar do Estado, cidadão Francisco
de Barros Rêgo, e em presença das testemunhas abaixo assinadas, declarou que na
diligencia efetuada no dia dezoito do corrente, em perceguição de grupo de
Cangaceiros chefiados pelo indivìduo Antonio Marthildes, foi apprehendido huma
cadeia de relógio de metal Plaquet, um par de brincos declara e um Rifle;
objetos estes reconhecidos serem do Senhor Manoel Pereira de sá, sob-comissário
de Policia de Pariconha deste município, que os assaltantes conduziram; tendo
de nolar [notar] que, o Rifle apprehendido não era propriedade do Senhor Manoel
Pereira de Sá; e sim de um dos assaltantes de Pariconha, por ter reconhecido
dito, o mesmo senhor Manoel Pereira de Sá em mãos de um deles; que em virtude
do reconhecimento das peças de Ouro serem de propriedade do referido Manoel
Pereira de Sá, a este lhe foram entregues neste acto e para constar mandou o
Juiz lavrar o prezente auto de entrega e recebimento, em que assignou com o
recebedor e astestemunhas abaixo. Eu Maximiamo José da Silva escrivão o
escrevi. Nestor dos Santos Silva, Francisco de Barros Rêgo, Manoel Pereira de
Sá, testemunhas José [....] Pereira, Antonio Pedro do Nascimento. Concluzão: E
levo faço estes autos concluzos ao Juiz Substituto, Doutor Nestor dos Santos
Silva e faço este termo. Eu maximiamo José da Silva escrivão o escrevi.
Concluzos.” (Arquivo Público de Alagoas – Pacote M – 10 = E = 2)
Após pesquisas
referentes aos atos cometidos pelos irmãos Antônio, Livino e Virgolino Ferreira
nos anos citados, concluímos que muito antes do falecimento de seus pais, eles
já estavam no mundo escuro do crime.
Referências
Jornal de Alagoas – de 2 de junho de 1921
Lampião, o rei dos cangaceiros - Billy Jaynes Chandler
A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão - Luitgarde Oliveira Cavalcante Barros
Lampião, Cangaço e nordeste - Aglae Lima de Oliveira
Lampião Seu Tempo e Seu Reinado - Frederico Bezerra Maciel
O Canto do Acauã - Marilourdes Ferraz
Lampião e o Estado Maior do Cangaço - Hilário Lucetti e Margébio de Lucena
De Virgolino a Lampião - Antônio Amaury e Vera Ferreira
Lampião – Memórias de um Soldado de Volante - João Gomes de Lira
Lampião – A Raposa das Caatingas – José Bezerra Lima Irmão
Lampião em Alagoas – Clerisvaldo B. Chagas e Marcello Fausto
Fotos Obras citadas
https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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