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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

LUIZ LORENA ENTREVISTA SINHÔ PEREIRA


Do acervo do Anildomá Willans

Seu nome na pia batismal deve-se ao fato de ter nascido no dia de São Sebastião, 20 de janeiro de 1896.

Sebastião Pereira nasceu em Vila Bella, em meio a uma áspera guerra entre as famílias Pereira (a sua) e Carvalho. Foi chefe dos cangaceiros e das suas mãos, Lampião recebeu o bando.

Sinhô Pereira foi embora para Goiás no ano de 1922 e só voltou a beber das águas límpidas e saborosas do Pajeú no ano de 1971 (mês de junho), quando veio visitar a família em Serra talhada.

Naquela oportunidade, Luiz Lorena e Sá, a maior expressão da família Pereira nas últimas décadas, travou o seguinte diálogo com o seu brioso parente, que fora no passado o braço armado do clã:

- Lorena: “Qual o momento que marcou sua vida de maneira indelével?”
Sinhô: “foram tantos os momentos em meu trajeto que seria impossível descrever um.”

Lorena: “Qual seu dia de maior alegria?”

Sinhô: “Chegar à Serra Talhada cinquenta anos depois e ser recebido por todos os parentes com o carinho e atenção que me dispensaram, foi na verdade, motivo de muita alegria.”

Lorena: “Qual seu dia de maior tristeza?”

Sinhô: “Estando em Lagoa Grande, distrito de Presidente Olegário, em Minas Gerais, recebi a notícia do falecimento de Luiz Padre, em Anápolis, Goiás. Nem ao sepultamento compareci.”

Ex-cangaceiro Luiz Padre

Lorena: “Você tem alguma grata satisfação do seu tempo de guerrilheiro?”

Sinhô: “Não. Nasci para ser cidadão, casar-se e constituir família, Fui namorado da moça mais bonita do Pajeú.”

Lorena: “Por que se envolveu nessa tragédia?”

Sinhô: “A impunidade em Vila Bella teve seu auge em minha juventude; do assassinato de seu Zé - meu irmão – nem inquérito policial foi aberto.”

Lorena: “Você reconhece o que seus contemporânios dizem sobre o seu espírito guerreiro e de ser você o mais valente entre esses?”

Sinhô: “Do outro lado havia homens valentes até quase à loucura; entretanto, brigavam para matar. Na hora de morrer, até fugiam do campo de luta. Naquelas circunstâncias, matar ou morrer para mim seria a mesma coisa; daí a diferença.”

Lorena: “Desses confrontos, qual o que você teve mais proveito:”

Sinhô: “A família Pereira (a minha) vivia atormentada em face de minhas ações.

Lorena: “quais os fatos que mais perturbavam você?”

Sinhô: “Vários. No começo, quase tudo o que eu fazia errado dava certo. Com o passar do tempo, tudo o que eu fazia certo dava errado.”

Lorena: “Entre estes, você poderia destacar um?”

Sinhô: “Sim. A morte de João Bezerra, em Bom Nome. Na forma como eu procedi, acelerou minha decisão. O meu estado de espírito estava de tal forma desajustado que não tinha condição de conduzir as ações do grupo que comandava.”

Lorena: “Em que circunstância Lampião apareceu na sua vida?”

Sinhô: “Ele e os irmãos chegaram de Alagoas, depois do assassinato do pai, dispostos a confrontar com José Saturnino, seu inimigo comum. Não tinham condições financeiras nem experiências. Procuraram-me e participaram com muita bravura de alguns combates."

Lorena: “Por que Virgolino Ferreira da Silva ganhou o apelido de Lampião?”

Sinhô: “Num combate, à noite, na fazenda Quixaba, o nosso companheiro Dé Araújo comentou que a boca do rifle de Virgolino mais parecia um lampião. Eu reclamei, dizendo que munição era adquirida a duras penas. Desse episódio resultou o Lampião que aterrorizou o Nordeste.”

Lorena: “Você não quis Lampião em sua viagem para Goiás?”

Sinhô: “Ao despedir-me dele, no município de Serrita, pedi para não molestar ninguém da família Pereira. Ele prometeu e cumpriu. Não quis, entretanto, seguir viagem comigo.”

Lorena: “Depois de se instalar em Goiás, você convidou Lampião para ir morar naquela região"?

Sinhô: “Sim. Quincas (meu irmão) foi o portador da carta. Ele respondeu verbalmente, dizendo que não aceitava o convite para não me criar embaraço.”

Lorena: “Você recebeu o convite de alguém para atacar Antonio da Umburana em Quixada (Mirandiba)?

Sinhô: “Não. Tudo aconteceu por minha conta e risco.”

Lorena: “E o seu problema com Isnero Ignacio. Como aconteceu?”

Sinhô: “Naquele tempo, chegou para agrupar comigo o meu parente Luiz Pereira Nunes (Luiz do Triângulo), acompanhado dos primos Chiquito e Teotônio do Silveira, valente ao extremo. Depois de várias refregas, explicou-me que estavam comigo porque foram escorraçados da sua propriedade na região de Santa Rita pelo primo Isnero Ignacio. Estavam se preparando para a desforra e esperavam o meu apoio.”

Lorena: “Qual foi sua reação?”

Sinhô: “Ponderei que já bastavam as inimizades existentes e que Sinharinha, mãe de Isnero, era filha de tia Donana, figura considerada sagrada pela minha mãe.”

Lorena : “E Luiz do Triângulo, como reagiu?”

Sinhô: “Ficou contrariado, sem aceitar minhas ponderações. Entretanto, concordou que eu fosse com Luiz Padre pedir a interferência de Antonio Inácio de Medeiros, também primo de Isnero, e Sr. Sebastião Inácio de Oliveira também concordou. Isnero e Mãe Sinharinha foram radicais demais, não aceitando qualquer forma de reconciliação, inclusive proibiram o parente Luiz do Triângulo de voltar à sua propriedade.”

Lorena: “E daí, o que aconteceu?”

Sinhô: “Foi uma estupidez o que fizemos. Ateamos fogo na fazenda Santa Rita, deixando em cinzas o roçado, o canavial, o engenho, os currais e a casa da fazenda.”

Lorena: “Dos oficiais da polícia militar que o combateram, qual o de maior respeito?”

Sinhô: “O capitão José Caetano era um bravo. Intrépido e leal no mais duro da refrega.”

Lorena: “Qual o combate mais dramático que você participou?”

Sinhô: “Foi na Serra da Forquilha, numa semana em que estávamos repousando. Éramos doze homens, cercados num casebre por cento e vinte policiais. Sem outra alternativa, bradamos para que segurassem as armas porque iríamos para a luta de corpo-a-corpo e de corpo a punhal.”

Lorena: “O que aconteceu?”

Sinhô: “O que aconteceu? Saltamos e fugimos ilesos.”

Lorena: “Por que a ideia de avisar aos sitiantes, nessa e em outras oportunidades, que continuariam a luta, mas na verdade abandonavam o refúgio?”

Sinhô: “Enquanto aqueles procuravam entrincheirar-se, nós fugíamos.”

Lorena: “Você viajou para o Planalto Central desprovido de recursos financeiros?”

Sinhô: “Não. Isnero Conrado e Zé da Carnaúba financiaram a viagem com dinheiro que compraríamos duzentos bois.”

Lorena: “Em Dianópolis, onde se instalaram, correu tudo bem?”

Sinhô: “Vivemos uma epopeia mais dramática que aqui, expressar numa entrevista nem vale a pena...”

Lorena: “Por que essa expressão “minhas navegações”, quando sabemos que navegar é próprio do oceano?”

Sinhô: “Ouvíamos dizer que o mar é uma imensidão de água, e com a extensão de nossa desgraça não tinha limites, usávamos a expressão “nossas navegações”.

Lorena: “É verdade que você anteviu a genialidade de Lampião?”

Sinhô: “Dos homens que deixei em armas no Pajeú, só Lampião poderia chegar à celebridade. Os demais eram formiga sem formigueiro. Minha profecia foi cabalmente comprovada. Lampião nada aprendeu comigo. Já nasceu sabendo.”

Sinhô Pereira faleceu numa manhã no final do ano de 1972, em Lagoa Grande – estado de Minas Gerais -, deixando para trás uma vida e uma história marcadas de angústia, dores e vontade de viver feliz com sua família e amigos.

Sinhô Pereira era uma baraúna!


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