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sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

O SERTANEJO E O AMOR AO SERTÃO

*Rangel Alves da Costa

Amor ao sertão é a verdadeira expressão do verdadeiro amor. E amar o sertão acima de tudo, além do que sobre ele possa existir num momento. Amar o sertão da chuva e da seca.
Amar o sertão da colheita e dos campos esturricados de sol, o sertão familiar e aquele desconhecido, de forasteiro. Amar o sertão que tem lua grande, bela e majestosa, e um sol de mil sóis numa só fogueira de sina.
Amar o sertão desde o seu passado mais antigo, naqueles idos desbravadores, ao que ele no presente se mostra, com o moderno tantas vezes transformando tudo. Nada para no tempo, tudo caminha, bem assim no mundo sertão.
Minha identidade é sertaneja de raiz. No sertão eu nasci como a flor do mandacaru, o espinho da palma e a doçura do araçá. E sempre com imenso orgulho, ecoo por onde passo o grito de afirmação: sou sertanejo!
Sou sertanejo é o que sou. Mesmo estando longe ali estou, como andorinha que voou, mas que depois da seca voltou.
Sou sertanejo, e isso me faz orgulhoso. Sou feito umbu travoso, mas como o araçá saboroso, no fogão de lenha o cozido mais gostoso.
Sou sertanejo de vaquejada, de cavalgada, de cavalhada. De aboio e de toada, de canto vaqueiro na estrada, o eco da vaqueirama e da boiada.
Sou sertanejo de chapéu de couro e gibão, de peitoral e de cavalo alazão. Espora uso mais não nem açoito o animal da pele virar lanhão. O bicho é amigo, é irmão.
Sou sertanejo de casa de cipó e barro, ainda o carro-de-boi como carro e fumo de rolo no cigarro. Flor de plástico no meu jarro, à vida me lança e me agarro.
Sou sertanejo de moringa na janela, de rangido na cancela, de braseiro sob a panela e qualquer pão na tigela. Prato de estanho numa mesa tão singela e a humildade tão bela.


Sou sertanejo ainda de candeeiro, e eu mesmo bato tempero e colho pimento de cheiro. Nunca quis ser o primeiro, mas nunca o derradeiro, e tenho riqueza mais que dinheiro.
Sou sertanejo de porta aberta pra malhada, de carroça na sombreada, de poeirão na estrada. Mesmo a vida cansada, o rei sou eu nesse reinado de sol grande e luarada.
Sou sertanejo de semente e de grão, também de tristeza e de aflição se não chove no sertão. Quando o sol desce em clarão, entristecido eu penso no bicho em ruminação.
Sou sertanejo de leite bebido em curral, esguichado do peito animal, com um pouquinho de farinha e sal. Uma comida de sustança e que a ninguém já fez mal.
Sou sertanejo de graveto e cipó, de embornal e aió, da rolinha e curió, de laçadura e nó. Da pedra grande e do pó, em meio a tudo e tão só.
Sou sertanejo de sonhar com trovoada, de esperar a invernada, de orar pela chuvarada. Levo São José na estrada, procissão e caminhada para que do céu o trovão dê ribombada.
Sou sertanejo de um sertão tão sertão, de Padre Ciço e de Lampião, do Conselheiro e do Frei Damião. Tudo se revela ao coração não como apenas viver, mas como santa missão.
Sou sertanejo do mandacaru e xiquexique, da zabumba e do repique, da roupa de feira mais chique, de pinga da terra e alambique. E da perna de preá fazer piquenique.
Sou sertanejo da fé e da devoção, do rosário de contas e de oração, de oratório e de comunhão, do Padre Mário e seu sermão. E ouvir o que diz, e sentir emoção.
Sou sertanejo da terra de Dona Zefa parteira, do Mestre Tonho da aroeira, do Mestre Orlando da algibeira, de Naní nossa doceira, de Zé Leno e sua arte cangaceira.
Sou sertanejo de um sertão que é de Alcino, do caçador Mané de Tino, de Felipe o menino que faz do xaxado um destino. Um sertão assim, como na escrita de Belarmino.
Sou sertanejo do Velho Chico em ribeira, da história cangaceira, da pomada de peixe-boi ainda vendida na feira. E daquela panelada que o cheiro vai além da cumeeira.
Sou sertanejo do passado e da memória, do proseado e da história, do sofrimento e da glória, até daquele cigarro antigo, o Continental e Astória.
Sou sertanejo daquele forró do Miltinho, da novena em Curralinho, de toda estrada e caminho. Daquele leilão tão antigo que recordo com carinho.
Sou sertanejo como a Família Vito a tocar, como Geno a aboiar, como Niltão a ecoar a toada tão tristonha da vaqueirama que foi pro céu vaquejar.
Sou sertanejo daquele mesmo sertão que um dia foi de Zé de Julião e que hoje, com o merecido perdão, está entregue ao desvão, nas mãos de uma gente estranha que não é pai nem irmão.
Sou deste sertão que me faz caminhar pela terra nua em busca de suas raízes. E cada relíquia encontrada é como se eu estivesse espelhado desde os primeiros dias.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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