Por Raul Meneleu
Essa
entrevista foi feita por mim no dia 14 de outubro de 2017, na cidade de
Nazaré do Pico em Pernambuco, por ocasião das comemorações de 100 anos da
cidade. O Senhor Pedro Ferreira, fala-me da visita que o irmão de Lampião
Ezequiel Ferreira, na cidade de Serra Talhada, para tirar documentos.
O escritor do
livro LAMPIÃO A RAPOSA DAS CAATINGAS, José Bezerra Lima Irmão, nos faz um
relato detalhado desse episódio. Ele nos diz:
Para os
leitores do Diário de Notícias, A Tarde, A Noite e Diário de Pernambuco, que
não perdiam os relatos dos feitos de Lampião, 1931 estava sendo um ano
"morno". A impressão que se tinha era de que não acontecia quase
nada. Nas feiras, os cantadores e violeiros só falavam em Maria Bonita. Mas, na
verdade, muita coisa estava acontecendo. A polícia é que tinha perdido o
entusiasmo, alegando falta de verbas para continuar a campanha. Limitava-se a
traçar planos para extinguir o cangaço. Em virtude disso, os informes passados
à imprensa rareavam. Porém, nas caatingas, Lampião continuava em plena
atividade. Três fatos marcaram aquele ano na história do cangaço: a admissão de
mulheres no bando de Lampião, a morte de Ezequiel Ferreira e o esquartejamento
de Herculano Borges. Dos homens, Ezequiel Ferreira da Silva era o irmão mais
novo de Virgulino. Era um rapaz moreno-claro, simpático e brincalhão. Quando os
manos mais velhos — Antônio, Livino e Virgulino — viraram cangaceiros, nos
episódios que culminaram com a morte do pai, Ezequiel era um menino de apenas 9
anos. À. época, ficou com as irmãs solteiras, sob os cuidados de João Ferreira,
o único dos adultos que não entrou no cangaço, se bem que pretendesse, pois
Lampião decidiu que alguém tinha que se manter na legalidade para cuidar da
família. Depois, em 1927, em face das perseguições sofridas pelos Ferreira,
Ezequiel resolveu ser também cangaceiro. Tinha então 15 anos de idade. Lampião
relutou, mas acabou cedendo. Quando Ezequiel entrou no bando, havia morrido um
cangaceiro apelidado de Ponto Fino e, como de costume, o novato ficou com o apelido
do finado. Os autores se repetem dizendo que esse apelido era devido à precisão
da pontaria de Ezequiel, considerada infalível. Muito pelo contrário, Ezequiel
nunca se distinguiu como atirador. Não se sabe de nenhuma morte atribuída a
ele. Era um cangaceiro discreto, comedido. Atuava mais como guarda-costas de
Lampião, quando este precisava fazer alguma coisa fora do olhar dos outros ou
resolvia tirar um cochilo, deixando Ezequiel de prontidão. Não se prevalecia do
fato de ser irmão do chefe para obter vantagem de qualquer espécie. Ocupava um
lugar indeterminado na hierarquia do bando, já que o homem forte, depois de
Lampião, era o cunhado, Virgínio, conhecido como Moderno, e as grandes
atribuições eram confiadas a Luís Pedro e Mariano. Essa postura de Virgulino
talvez fosse uma forma de preservar o caçula.
A
"morte" de Ezequiel e a sua aparição em Serra Talhada Como tempo, a
versão da fuga passou a ser ridicularizada porque tudo ficava por conta de
boatos e conjeturas. Mas foi então que se verificou um fato que reacendeu a
hipótese da fuga: em novembro de 1984, um homem já idoso, de 70 para 80 anos de
idade, residente no Piauí, chegou a Serra Talhada para tirar os documentos a
fim de se aposentar. Ele procurou a casa de Genésio Ferreira, primo de Lampião,
e apresentou-se: — Geneso, eu sou seu primo Ezequié. Genésio Ferreira
assustou-se: — Ezequiel? O irmão caçula de Lampião? — É, sou eu — confirmou o
homem. — Eu fui dado cumo morto, mais aquilo foi um jeito qui meu irmão deu pra
me tirá daquela vida. E se aperpare pra iscutá mais: Lampião tamém tava vivo
até treis ano atrais. Depois eu lhe conto tudo direitim. Vim aqui purgue tou
quereno me apusentá e nun tenho documento nlhum. Nun sou nem registrado. Vim
aqui pra me registra. Genésio Ferreira tinha visto Ezequiel quando garoto. Não
havia como saber se aquele era de fato seu primo, dado como morto fazia mais de
cinquenta anos. Genésio começou a fazer perguntas sobre coisas do passado,
envolvendo a família, os lugares. O homem lembrava-se de episódios familiares,
citava nomes, descrevia a forma das casas, as estradas...
Genésio foi com o
sujeito ao cartório de registro civil e expôs o fato. O tabelião recusou-se a
fazer o registro. Disse que só podia registrá-lo se o juiz autorizasse. Foram
ao juiz. O Dr. Clodoaldo Bezerra de Souza e Silva, juiz de direito da comarca
de Serra Talhada, impressionado com a história, mandou chamar antigos moradores
da cidade, dos tempos da gloriosa Vila Bela. Conversou com pessoas da família
Godoy, pois o estranho personagem dizia que seu padrinho era Quinca Godói
(Joaquim Godoy). Ao final, convencido de que aquele senhor falava a
verdade, o juiz autorizou o registro.2118 Ezequiel passou cerca de vinte dias
na casa de Genésio Ferreira, na Rua Agostinho Nunes Magalhães. Várias
personalidades importantes da cidade estiveram com ele: o monsenhor Jesus
Garcia Riallo (que foi vigário de Serra Talhada por mais de meio século), o
padre Afonso de Carvalho (da paróquia de Nossa Senhora do Rosário), o médico
Dr. Elias Nunes, o tabelião e vereador Luiz Andrelino Nogueira, o ex-prefeito
Luiz Conrado de Lorena e Sá (Luiz Lorena), o agricultor Luiz Alves de Barros
(sobrinho de Zé Saturnino) e o tenente João Gomes de Lira, de Nazaré,
ex-soldado de volante. De todas as pessoas com quem ele conversou, três merecem
destaque neste caso. Uma é Luiz Alves de Barros, o famoso Luiz de Cazuza,
companheiro de infância de Ezequiel na Serra Vermelha. Antes das desavenças dos
Ferreira com os Saturnino, as duas famílias eram amigas, moravam vizinhas. Luiz
de Cazuza e Ezequiel eram quase da mesma idade.
Acompanhado de Genésio
Ferreira, no dia 26 de dezembro de 1984 Luiz de Cazuza conversou durante mais
de quatro horas com o estranho personagem. José Alves Sobrinho, filho de Luiz
de Cazuza, escreveu um livro em que aborda a questão havida entre Lampião e Zé
Saturnino, no qual há um capítulo com a descrição do encontro de seu pai com o
tal indivíduo. Luiz de Cazuza conversou com o forasteiro sobre vários fatos da
infância: quem estava presente em determinados eventos, quem morreu, como foi
programado o cerco da fazenda Pedreira, como foi que Lampião atacou e queimou a
casa-grande da fazenda Serra Vermelha. O homem se recordava de muitos detalhes,
e em relação a outros alegou que não se lembrava mais. José Alves considera
razoável o esquecimento, haja vista tratar-se de um homem com idade bastante
avançada." Luiz de Cazuza deu um depoimento, gravado em videocassete, aos
pesquisadores Paulo Medeiros Gastão, presidente da Sociedade Brasileira de
Estudos do Cangaço (SBEC), e Aderbal Nogueira. Alcino Costa assinala que
naquele depoimento existem "pelo menos dois preciosos detalhes que
comprovaram ser aquele senhor do Piauí, sem sombra de dúvidas, o próprio
Ezequiel, em carne e osso. [...] Em dado momento o forasteiro perguntou a
Cazuza se ele tem lembrança do encontro que o mesmo tivera com Lampião na
Cacimba do Gado, no ano de 1927, e, como querendo refrescar a memória do velho
caboclo, diz que naquele dia estavam presentes dezessete cangaceiros, dentre os
quais Mourão, Sabino, além dele e Antônio, o outro irmão. Perguntou a Luiz
Cazuza se ele tem lembrança do episódio dos dois pares de alpercatas
encomendadas por Lampião e Sabino e que ficaram guardados por mais de cinco
meses na casa de uma senhora dali do São Domingos e que naquele dia as mesmas
foram entregues aos bandoleiros". Alcino Costa conclui: "Estas
minuciosas particularidades desvaneceram as dúvidas de seu Luiz que ficou
convicto de que aquele homem era realmente o mano mais novo de Lampião".
A segunda
pessoa cujo testemunho merece destaque é Luiz Lorena, que foi quatro vezes
prefeito de Serra Talhada, considerado a "história viva" da cidade.
Conhecedor da história do cangaço, Luiz Lorena fez várias perguntas ao referido
senhor sobre combates travados por Lampião nos quais Ezequiel, o Ponto Fino,
estava presente. O sujeito narrava os fatos, dando detalhes: a hora do combate,
quem morreu, para onde o bando foi depois... Ele conhecia todos os caminhos que
ligavam as fazendas da beira do Riacho São Domingos. Falava de antigos
moradores. Perguntava: "Sabe de fulano de tal? Ele ainda mora em tal
lugar?". Luiz Lorena dizia: "Não posso afirmar que aquele sujeito era
Ezequiel, mas, se era um impostor, tinha decorado tudo e sabia representar bem
o seu papel terceira é o tenente João Gomes de Lira, um dos famosos
"Cabras de Nazaré", que pelejou nas volantes de Manoel Neto e de Davi
Jurubeba. João Gomes é autor de um livro que constitui referência indispensável
para todos os pesquisadores do cangaço. Quando a obra estava pronta para
publicação, ocorreu o encontro do autor com o homem que se dizia irmão de
Virgulino. João Gomes acrescentou então um capítulo final, relatando a história
contada pelo suposto Ezequiel. João Gomes expõe a celeuma que houve em Serra
Talhada quando o povo soube da presença de Ezequiel na cidade, todo mundo
querendo ver o ex-cangaceiro. Uns afirmavam que aquele era mesmo Ezequiel,
outros ponderavam não ser possível, pois Ezequiel morrera na Bahia, outros
diziam que o homem não parecia com os membros da família Ferreira. Os parentes
ficaram em dúvida, pois as informações que tinham era de que Ezequiel havia
morrido na Bahia em 1931. João Gomes conclui que, embora muita gente ficasse em
dúvida, "Chegaram à conclusão de que, na realidade, era mesmo Ezequiel,
quando aos poucos foi ele se identificando, como seja procurando por pessoas da
região se ainda eram vivas ou mortas. Como também procurava saber se em
determinados lugares ainda existiam velhas árvores, como procurou saber se, no
terreiro da casa em que residiu seu velho José Ferreira, no lugar Poço do
Negro, ainda existia um pé de umbuzeiro-cajá; na realidade lá está o frondoso
pé de umbuzeiro. Foi assim chegando na mente daquela gente que na realidade era
mesmo o Ponto-Fino".
Segundo João Lira, desapareceram todas as dúvidas
quando o homem passou a relatar os fatos e a expor o motivo de ter abandonado o
cangaço. Aquele era Ezequiel. Não fosse ele, como seria possível uma pessoa
residente no Piauí saber daquelas coisas?
Esse indivíduo
foi entrevistado por Hilário Lucetti e Magérbio de Lucena, autores de Lampião e
o Estado-Maior do Cangaço. Ele assegurou ser o irmão mais novo de Lampião. Os
autores perguntaram por que era que todo mundo dizia que ele tinha morrido na
Bahia em 1931, e "Ele respondeu que tudo era mentira, que o irmão tinha
inventado a estória prá ele poder sair do cangaço". Porém os citados
pesquisadores se desinteressaram pelo caso porque o velho, ao ser
"Inquirido sobre o nomes dos seus pais, respondeu errado", e "Disse
ainda ter tido 3 irmãos e 3 irmãs, o que não é verdade". Além disso, ele
errava os nomes dos irmãos, fantasiava a descrição dos combates e citava
cangaceiros que não foram seus contemporâneos. Hilário e Magérbio, apesar de
admitirem que o homem "tinha mais ou menos a mesma idade e aparência
fisica" que teria Ezequiel se fosse vivo, consideram que "na verdade
era uma farsa, não se sabe com que finalidade, pois não havia dinheiro na
estória, nem estava muito interessado em promover-se". Os citados
pesquisadores consideram que os familiares de Lampião "acreditaram
realmente tratar-se do primo" por nada saberem sobre a vida do parente
depois que ele foi embora, ainda menino. Hilário e Magérbio concluem dizendo
que aquele homem "Morreu certo que era Ezequiel Ferreira, o irmão mais
novo de Lampião".
Não obstante
seus inegáveis conhecimentos sobre o cangaço, Hilário e Magérbio interpretaram
mal as respostas daquele cidadão. Eles fizeram perguntas a um velho sobre
coisas de sua infância e juventude. Após a morte de seus pais, a família andara
de déu em déu. Ele não tinha nada anotado, pois era analfabeto. A rigor, suas
respostas eram mais que razoáveis, pelo seguinte: Hilário e Magérbio
consideraram que ele "respondeu errado" os nomes dos pais. Ora, como
é que ele respondeu errado, se ninguém, nem mesmo o mais perspicaz estudioso do
cangaço, sabe ao certo como eram os nomes dos pais de Lampião? Basta notar a
divergência entre os dados da certidão de casamento em cotejo com as certidões
de nascimento dos filhos. José Ferreira ora aparece como "dos
Santos", ora como "da Silva", ora como "de Barros", e
sua esposa, que devia chamar-se Maria Vieira Lopes, ora aparece corno Maria
Sulena da Purificação (registro civil de nascimento de Virgulino), ora como
Maria Vieira da Solidade (batistério de Virgulino), ora como Maria Santina da
Purificação (batistério de Livino), ora como Maria Vieira do Nascimento
(certidão de casamento religioso). Quanto aos nomes dos irmãos, é provável que
em casa todos fossem tratados apenas pelos prenomes e apelidos. Ezequiel não
tinha como saber ao certo os nomes completos dos irmãos, pois nem mesmo estes
sabiam. Virgulino, por exemplo, que foi registrado simplesmente como
"Virgolino" (sem sobrenome), tirou o título de eleitor com o nome de
Virgulino Lopes de Oliveira. Durante algum tempo, se assinou Virgulino Ferreira
dos Santos, até se decidir por Virgulino Ferreira da Silva. Ezequiel certamente
não sabia o nome verdadeiro de Mocinha.
Como Ezequiel
não sabia assinar o nome, quem assinou por ele foi João Soares de Souza, tendo
como testemunhas Genésio Ferreira Lima e Luiz Andrelino Nogueira (que era o
tabelião público).
Fonte da matéria: LAMPIÃO a raposa das caatingas de José Bezerra Lima Irmão.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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