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quinta-feira, 9 de julho de 2020

O CASO DE SERGIPE.


Por Antônio Corrêa Sobrinho

AMIGOS, "O CASO DE SERGIPE" já se encontra inserido no site www.antoniocorreasobrinho.com.
Trouxe, aqui, apenas a apresentação desta reunião de textos jornalísticos.


APRESENTAÇÃO

Sempre que passo pelas praças Fausto Cardoso e Olympio Campos, no centro histórico de Aracaju, capital do estado de Sergipe, minha terra de nascimento e vida, o que faço regularmente, pego-me, às vezes, admirando as estátuas destes dois valorosos homens públicos do passado sergipano. Admiração que, naturalmente, me conduz à lembrança do mais trágico e emblemático dos acontecimentos políticos vividos pelos sergipanos ao longo de sua história, que muito entristeceu, conturbou e atemorizou a população, de grande repercussão na imprensa nacional e intenso debate no mundo político, numa República que, embora proclamada, nos seus 18 anos ainda engatinhava nos seus propósitos de nação.

Faz 114 anos, no corrente 2020, exatamente no dia 10 de agosto de 1906, que a polícia sergipana, com seu alto comando, revoltada com o governo do conservador Dr. Guilherme de Campos, especialmente por conta de atrasos no pagamento de soldos, apoiada por considerável número de civis, alguns deles em armas, animada e confiante com a presença em Sergipe do líder oposicionista do Estado, o deputado Fausto de Aguiar Cardoso, em duas frente de ataque marchou em direção ao Palácio, para destituir os governantes dos seus respectivos cargos de presidente e vice- presidente do Estado, os doutores, o já citado Guilherme Campos e Pelino Francisco de Carvalho Nobre, respectivamente. Consta que, após breve tiroteio com a guarda palaciana, logo vencida, a corporação militar invadiu o palácio e depôs os referidos governantes; estes, desprotegidos, refugiaram-se na casa do capitão do Porto, Amintas Jorge.

Amintas, que acabou, neste conflito, atuando como mediador e moderador, de logo, telegrafou pra Fausto Cardoso chamando-o a vir garantir a vida dos governantes destituídos. Fausto que, durante a sublevação, se encontrava no interior do Estado, retorna às pressas a Aracaju, com alguns amigos, para atender ao chamado. Foi justamente aí, ao interferir no caso, que Fausto Cardoso, líder da oposição, fez-se também chefe do movimento sedicioso.

Em telegrama passado ao presidente da República, Rodrigues Alves, Fausto Cardoso, a respeito desse decisivo encontro na casa do capitão Amintas Jorge com os dirigentes depostos, relata o seguinte:

“Telegrama – Aracaju, 9 da manhã – Presidente da República – Rio – Cheguei Sergipe aconselhando paz. Tanto jornal oficial elogiou conduta, na noite, recebi comissão policial, chamando-me quartel dar ordens, recusei peremptoriamente, embarcando 5 horas da manhã interior, visita túmulos meus pais, filha, declarando sair evitar revolução. Antes povo interior pedia licença queimar tronco, algumas palmatórias, chicotes existentes todas localidades Minha resolução saí interior para tomar vapor dia 12 quando recebi telegrama comandante chamando-me capital garantir vidas adversários, chegando fui casa destes, onde estavam presidente Estado, senador Olympio Campos e amigos, conferenciei cordialmente; resignaram escrito entregando-me título resignação pedindo garantia vidas, mandei desarmar populares que cercavam casa e percorriam rua, falei multidão, que jurou respeitar adversários. Ficando todos garantidos jamais concorra movimento revolucionário, sendo presidente da República o mais justo dos cidadãos brasileiros. Recebida resignação convidei sucessores legais assumindo Governo Dr. Tavares, juiz Relação. Reina completa paz todo Estado. Saudações. – Fausto Cardoso.”

O estado de Sergipe, então, a partir desta data passa a ser governado pelo desembargador Dr. Serapião de Aguiar, eleito presidente do Estado pela Assembleia revolucionária.

Guilherme de Campos, por sua vez, encaminhou pedido de ajuda ao presidente da República: “Presidente da República – Como preceitua o art. 6º da Constituição, requisito intervenção do Estado para manter a ordem e minha autoridade desrespeitada pelo deputado Fausto Cardoso, que revoltou a polícia”.

O Presidente Rodrigues Alves termina enviando mensagem ao Congresso Nacional para apreciação do pedido de intervenção em Sergipe formulado pelo deposto Guilherme Campos, Parlamento que considerou as renúncias do presidente e do vice-presidente resultantes de um processo extorsivo, portanto, não válidas, e baixou resolução, autorizando o governo federal a intervir em Sergipe, para fazer retornar aos cargos os legalmente escolhidos Guilherme Campos e Pelino Nobre.

28 de agosto, era o décimo oitavo dia da tomada do poder pelos revolucionários.

O contratorpedeiro Gustavo Sampaio que, dias atrás, trouxera da Bahia a tropa do Exército comandada pelo general Firmino Lopes Rego, com a ordem expressa do presidente da República, Francisco Alves, de restaurar a legalidade em Sergipe, sinaliza, neste dia, com bandeira a presença a bordo dos depostos e renunciantes Guilherme Campos e Pelino Nobre.

Pela manhã, o general Firmino Rego procura o deputado Fausto Cardoso, na casa do parlamentar, na rua Pacatuba, próximo ao palácio do governo. Cientifica-o da sua intenção de cumprir a ordem presidencial. Fausto, por sua vez, procura dissuadir o general, alegando que as renúncias dos doutores Guilherme e Pelino são legítimas e a intervenção federal em Sergipe, no caso, fere a Constituição, é ilegal. O General, rispidamente, rebate-o dizendo que não viera para ouvir discursos, e sim, repor nos cargos Guilherme e Pelino; Dr. Fausto replica: “O governo que salta sobre o cadáver do presidente do Mato Grosso e recua ante o caso jurídico de Sergipe não deve ser obedecido, referindo-se ao problema ocorrido neste Estado do Centro Oeste, que guardava semelhança com o de Sergipe, no entanto a União não interviu.

Deu-se que, encerrada nada proveitosa conversa Firmino Rego deixa a residência de Fausto Cardoso, que logo é recebido por amigos que buscam acalmá-lo, mui afetado emocionalmente que estava, e fazerem-no desistir; esforço em vão; nem mesmo o seu maior amigo em Sergipe, o jurista Gumersindo Bessa, nada pode detê-lo.

Fausto Cardoso, a seguir, convida estes seus amigos a “morrer com ele”, e parte quase correndo para o palácio, seguido dos senhores: João Alfredo de Marsilac Mota, Alberto Rola, seu filho Humberto Cardoso, Marinho Pontes, João Rollemberg, Artur Fortes, Alfieri Silva, Artur Bezerra, Nilo Gonzaga, Adolfo Xavier, Seroa da Mota, Marcilio Duarte, João Mendes, Armando Barros, Serafim Aguiar, Ricardo Lopes, Demócrito Diniz, Antônio Ribeiro, Temístocles Leal Gomes e Nicolau Nascimento, o saverista.

Na porta do palácio, proclama: “O palácio é dos sergipanos. Suba quem quiser morrer comigo!” Alguns subiram com ele.

Conta-nos muito bem, os momentos finais da existência de Fausto Cardoso, o ex-senador Francisco Rollemberg, na sua lúcida e esclarecedora biografia – FAUSTO, que aqui reproduzo: “O general Firmino Rego, que a tudo assiste, determina, então, ao tenente Franco, seu ajudante-de-ordens, a evacuação do palácio. De imediato os soldados sobem as escadarias e o invadem com inaudita violência. João Alfredo de Marsilac Mota, atingido no braço, esgotava-se e só não faleceu ali por hemorragia porque o companheiro Seroa da Mota fizera-lhe um torniquete com a gravata. Fausto estava atingido no punho e sangrava.

A coice de armas e ponta de baionetas os fautistas eram empurrados escada abaixo. Agarrado pelo braço, pelo tenente Franco, Fausto descia as escadas do palácio em desvario, conclamando o povo à luta. No saguão, o homem do povo, o saverista Nicolau do Nascimento, cobrindo com raro heroísmo e invulgar dedicação o corpo de Fausto Cardoso, cai massacrado a tiros de fuzil e baioneta. Vendo o massacre de Nicolau, e não suportando o sacrifício do amigo, desesperado, ofende a tropa do Exército com violência, e, num gesto derradeiro, abre o seu colete, ergue o braço e exclama: “Miseráveis, exército de bandidos, covardes, atirem, matem um representante da Nação! Atirem, bandidos! Da linha de atiradores não se ouviu uma voz de comando, mas um tiro só prostra-o mortalmente ferido.

Agonizante, faz o mesmo trajeto que o levou ao palácio, desta feita, de volta, não mais correndo, mas nos braços dos amigos Euclides Santos, Artur Bezerra, Coronel Raimundo Ribeiro, João Rollemberg, Antônio Ribeiro, e seu filho Humberto Cardoso.
No caminho, já a esvair-se com hemorragia interna, sente turvar-lhe a vista e secar-lhe a língua. Pede água. Vacilam. Alguém lhe dá água e ele, ainda num último esforço, diz antes de bebê-la: ‘Bebo a alma de Sergipe...’

Chega ao fim da caminhada. Os médicos Theodoreto Nascimento, Moacir Rabelo Leite e Daniel Campos prestam-lhe os últimos socorros. Resta-lhe o sentir da morte que se avizinha. Sente, sofrendo, o abdômen a distender-se, acumulando seu sangue heroico; sente dor, pede que o aliviem. Sua voz começa a apagar-se, a vista escurece, empalidece, esfria, agoniza. Morre.”

Morreu assim o talentoso tribuno de Lei e Arbítrio, o filósofo da Taxinomia Social, o poeta de “Taças”, o “Sonhador”, o grande jornalista e advogado, o respeitado jurista, o idealista, o famoso político brasileiro, Fausto de Aguiar Cardoso, que voltara ao seu Sergipe para revolucionar, sim, libertar seu pobre povo do olimpismo oligárquico e tirano, todavia, pelas urnas e não pelas armas.

Fausto Cardoso veio a Sergipe, fundar um partido de oposição ao governo, agradecer os que o elegeram de novo deputado federal, e visitar o túmulo dos pais na sua natal Divina Pastora. Mas que terminou se confrontando com uma realidade que o enredou, traiu e o matou. A luta contra a opressão e a favor dos direitos e as liberdades individuais ganhou um mártir.

E quando tudo parecia caminhar para a mais absoluta normalidade, com o Sergipe de volta à legalidade, com os revoltosos anistiados e com a morte de Fausto Cardoso sem sequer se saber da autoria do crime, eis que, no meio da tarde do dia 9 de novembro do ainda 1906, no antigo largo do Paço, a então e ainda hoje praça 15 de Novembro, na capital federal, Rio de Janeiro, é barbaramente assassinado a tiros e facadas, o senador monsenhor Olympio de Souza Campos, o chefe máximo da situação em Sergipe, o jornalista, professor, o ex-vereador, ex-deputado federal e ex-presidente do Estado, irmão do presidente Guilherme de Campos.

O crime foi praticado pelos dois filhos de Fausto Cardoso, Armando e Humberto Cardoso, os quais, ao serem presos, confessaram a autoria do assassinato, e disseram que vingaram a morte do pai. Os dois estavam, no momento do crime, com o amigo Delio Guaraná, que também foi processado criminalmente.

Embora eu já tenha lido textos sobre este assunto, sempre desejei conhecer a sua narrativa jornalística, saber em detalhes, da Revolta de Fausto Cardoso, da sua trágica morte, do assassinato do monsenhor Olympio Campos e do julgamento dos filhos de Fausto Cardoso.

Vontade que satisfiz ao mergulhar, nestes dias de isolamento por conta da pandemia, nas páginas da época, do Jornal do Brasil (RJ), O Paiz (RJ), Diário de Pernambuco (PE), Pacotilha (MA), Correio de Aracaju (SE), Revista Moderna (PE), A Província (PE), Commercio de Joinville (SC), Os Anais (RJ), Pharol (MG), Correio da Manhã (RJ), Cruzeiro do Sul (AC), Evolucionista (AL), O Estado de Sergipe, O Malho (RJ), A República (PR), Jornal do Commercio (AM), Gazeta de Joinville (SC), O Século (RJ), Gazeta de Notícias (RJ) e Correio de Notícias (RJ). Li notícias, informes, notas, opiniões, discursos, comentários, análises, informações, pormenores, curiosidades, enfim, o que disseram os jornais e revistas, os grandes tradutores dos fatos e acontecimentos dos tempos anteriores ao rádio e à televisão.

E, diante de tanta história produzida num espaço de tempo tão curto, que foi a Revolução de Fausto Cardoso e suas consequências; diante de tantas boas narrativas; diante de tantas lições, ao mesmo tempo, saber o quão esquecido é este nosso passado, senti-me na obrigação de trazer das velhas gazetas, à contemporaneidade, à internet, estes valiosos textos.

Assim procedi, digitalizando-os e reunindo-os neste que eu chamo

O CASO DE SERGIPE.

Dizer que providenciei índice remissivo no final e juntei algumas imagens ilustrativas.

É conteúdo que pertence a todos nós.

Finalizo, agradecendo à Biblioteca Nacional, pela disponibilização da sua hemeroteca digital, e ao meu filho Thiago Corrêa, pela diagramação e capa do livro.

Aracaju, 29 de junho de 1959, data do meu 61º aniversário natalício.

Antônio Corrêa Sobrinho


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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