Por Ruy Lima
O que tem um chocalho a ver com a intensa rivalidade entre Virgulino Ferreira (mais tarde o famoso Lampião, o Rei do Cangaço) e José Alves de Barros (nome de registro de José Saturnino ou Zé Saturnino) seu vizinho e companheiro de vaquejadas e farras? Tudo!
O chocalho é um instrumento, tipo sineta, fabricado artesanalmente, que se põe no pescoço de animais, para que, com o movimento destes, se produza um som. Nenhum chocalho tem som igual ao outro. Daí a sua particularidade para identificar o animal, ao longe, bem como a quem ele pertence.
A inimizade entre Virgulino e Zé Saturnino teve início em 1914, tendo como elemento principal a quebra de um acerto por parte de Zé Saturnino na pega de uma novilha indomada, solta na caatinga.
Os dois haviam feito um pacto que só pegariam a novilha quando estivessem juntos. Tratava-se de uma questão de honra, ficando acertado que na terça-feira seguinte os dois iriam pegar o animal.
“Naquela segunda-feira , Virgulino foi à feira em Vila Bela e Zé Saturnino foi ao campo. De repente, defrontou-se com a novilha. Sem pensar em nada, muito menos no trato que havia feito com seu companheiro, partiu para cima da mesma. Nem precisou correr muito, derrubou-a no chão, pondo na mesma o chocalha da garupa da sua sela. Depois que soltou o animal foi que se deu conta de que teria descumprido o combinado com Virgulino. Enquanto pensava no que iria dizer ao seu amigo, a danada da garrota, num piscar de olhos, desapareceu na caatinga, que nem mesmo o tinido do chocalho se ouvia mais.”
“Zé Saturnino sabendo que o seu par de vaquejada, desde menino pequeno, queria ser o maior em tudo e não admitia perder para ninguém, ficou apreensivo com a reação desse quando soubesse do que tinha acontecido.
A essas alturas, o melhor seria dizer a verdade e justificar a sua falha. Mas, o difícil mesmo seria o seu parceiro aceitar as suas desculpas.”
Ele sabia que Virgulino iria ficar irritado, chamá-lo de tudo quanto fosse de impropérios, como já era de seu costume.
“Virgulino era assim, desde criança. Se as coisas não fossem de seu jeito, disparava fortes agressões verbais contra as pessoas envolvidas. Não era um sujeito benévolo.”
“Realmente, Virgulino não acreditou no companheiro e foi direto para o local onde pastavam os animais da fazenda Pedreira, de Saturnino.
“Logo que adentrou à caatinga escutou o som de um chocalho, reconhecendo sem demora tratar-se do chocalho da garupa da sala de seu amigo Zé. Foi lá conferir. Para sua surpresa estava o objeto no pescoço da tal novilha. Não ficou nada satisfeito com o que viu, como sempre, queria ser o melhor em tudo e, para provar que também seria capaz de pegar aquele animal arredio, não pensou duas vezes, em poucos minutos já estava com a bicha braba no chão. Todavia, estranhou que a mesma não tivesse corrido tanto, a ponto de chegar a pensar que ela estava doente e, por essa razão, Zé Saturnino havia conseguido pegá-la. Já iria soltá-la quando se lembrou que não valia a pena dizer que também teria derrubado a novilha, pois haveria de provar. Foi aí que teve a ideia de amassar o chocalho, como prova da sua ação, e assim o fez, sem pensar que a melhor opção seria tirar aquele gizo e entregá-lo para o seu dono e, quem sabe, tudo poderia ter ficado em paz.
Todavia, não foi o que aconteceu. Virgulino julgou, erradamente, que o amigo estava passando-o para trás e, por isso, não o perdoou. Tinha mania de perseguição.”
Em resumo, Zé Saturnino não ficou nada satisfeito com a atitude agressiva do amigo em ter amassado o seu chocalho de estimação. Teve uma cerrada discussão com Virgulino, chegando a quase se atracarem, não fosse a intervenção dos seus pais. A partir dali, a amizade de ambos se arrefeceu, em relação também aos irmãos de Virgulino.
Ruy Lima 03/11/2018
Fonte: “PEGADAS DE UM SERTANEJO – Vida e memórias de José Saturnino” – Antônio Neto e José Alves Sobrinho
Fonte: “PEGADAS DE UM SERTANEJO – Vida e memórias de José Saturnino” – Antônio Neto e José Alves Sobrinho
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