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sábado, 30 de dezembro de 2023

AS PRIMEIRAS NOTÍCIAS DA MORTE DE LAMPIÃO

Na página do Beto Klöckner Rueda

 

Era noite do dia 28 de julho de 1938, os jornais do Brasil inteiro receberam um telegrama anunciando a morte de Lampião.

Na manhã do dia seguinte, os jornais do litoral do Nordeste e do Sul do Brasil, consagraram a esse acontecimento edições especiais que permitiram aos jornalistas realizar a "maior reportagem destes últimos tempos", como escreveu Melchiades da Rocha, enviado especial do jornal A Noite, Rio de Janeiro. A Rádio Nacional, emissora pertencente a esse jornal, também se encarregou de divulgar a informação em todo país.

A princípio só contaram com as informações telegráficas de José Lucena, superior hierárquico de João Bezerra, transmitidas por Themistocles Salles Costa, diretor regional do Correio e Telégrafos de Sergipe. A edição do Diário de Pernambuco, em breve artigo ilustrado com fotografias de Lampião e seus companheiros, tiradas em 1936, menciona a morte dos cangaceiros em Angico por uma força volante comandada por João Bezerra, sem fornecer maiores detalhes. Na falta de informações suficientes, o jornal publica um artigo dedicado aos filhos dos cangaceiros, intitulado "Os descendentes do Crime".

Somente no decorrer do dia 29 de julho é que se obtiveram notícias mais precisas sobre as circustâncias da morte de Lampião e de seus companheiros. As autoridades governamentais e policiais de Pernambuco forneceram, desde as 16 horas, os detalhes mais amplos. Em sua edição especial, O Diário de Pernambuco de 30 de julho, dedicou um longo artigo sobre a vida dos cangaceiros, fazendo menção ao ataque da cidade de Sousa, a promessa da patente de capitão em Juazeiro do Norte, a invasão de Mossoró e ao combate do Serrote Preto. Outro artigo transcrevia a carta de um leitor em que se evocava a infância de Lampião e as condições de sua entrada no cangaço. Esses dois últimos relatavam as condições do combate de Angico e traçavam um perfil dos diferentes atores daquela tragédia: Lampião, Maria Bonita, João Bezerra, o sargento Aniceto e o coiteiro que supostamente traiu os cangaceiros, sem todavia revelar o seu nome. Os tesouros de Lampião, as condições da conservação das cabeças e seu transporte e também as repercussões da morte de Lampião na imprensa de Nova Iorque e Paris foram objeto de comentários por parte dos jornalistas. Foi nos dois últimos arquivos mencionados que se evocou pela primeira vez a reação dos sertanejos à chegada das cabeças em Piranhas. A partir de 30 de julho, os jornais do Brasil inteiro, em posse de todas as informações, podiam fazer falar os protagonistas do drama de Angico.

A leitura dos artigos de jornais do litoral consagrados a exibição das cabeças dos cangaceiros, as quais foram levadas de cidade em cidade, não deixa dúvida de que se tratava de uma encenação orquestrada pelas autoridades governamentais em plena ditadura Vargas, um projeto ideológico. É nesse discurso que transparece claramente essa vontade de cristalizar nas cabeças de Lampião e seus companheiros a vindita coletiva. Tinha esse acontecimento o mesmo significado para todo o país?

Não se pode negar que uma parte da população sertaneja que a muitos anos sofria com a violência dos cangaceiros e ao mesmo tempo das forças volantes, experimentava um sentimento de alívio ante o anúncio da morte de Lampião.

Entretanto, pode-se perguntar se a evocação incessante dessa alegria coletiva pela imprensa não foi uma manipulação do poder. Numa perspectiva de "unificação" e "reconciliação" nacional?
Fonte:
JASMIN, Élise. Lampião senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro. São Paulo: Edusp, 2016.

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