Por Valdir José Nogueira de Moura.
As notícias das riquezas do solo belmontense conseguiram atrair muitos forasteiros para aquele pacato município. As culturas do feijão, milho, algodão, mamona e do caroá em larga escala crescia os negócios e a população. Em fins da década de 1930 a cidade já contava com cartórios, agência dos correios, escolas e várias casas comerciais. Muitas ruas iam se abrindo. Apesar do vigente desenvolvimento a vida na cidade era tão simples como sua própria gente, onde ricos e pobres se misturavam, sem preconceitos de raça e de cor. Nessa época Belmonte tinha como prefeito o Sr. Vécio Alves de Menezes. A sua administração ficou marcada por grandes realizações, dentre elas a fundação da Cooperativa Agropecuária e a instalação da luz elétrica na cidade. A sede municipal já vivenciava sua autonomia política e administrativa, todavia, continuava sem estradas de rodagem que muito atravancaria o seu progresso, mas nem por isto Belmonte deixava de crescer e sua população trabalhava incansavelmente dia e noite com fé em Deus e em São José certa que dias melhores estariam por vir.
Um belo dia, o comerciante Alfredo Domingo de passagem por Belmonte em viagem de negócios ao Juazeiro do Padre Cícero, viu e gostou desta terra, daí resolveu abrir em Belmonte uma sortida mercearia que também funcionava como bar. Alfredo Domingo era sobrinho de mãe Candóia (Marcelina Furtada de Carvalho) e primo legítimo de tia Honorina e Tio Izaias Bezerra. Em dia de sábado do distante ano de 1938, Alfredo Domingo conseguiu surpreender a população belmontense que em massa se aglomerou diante da sua concorrida Budega. O motivo foi o lançamento em seu estabelecimento comercial de um estranho e curioso produto jamais visto por aquelas paragens. Tratava-se do “picolé”. Em questão de segundos todo o estoque de picolés havia acabado e em questão de segundos também a calçada da venda ficara toda encarnada, parecendo até um rio de sangue. Os matutos quando compravam o picolé, imediatamente jogavam no chão, pois não suportavam a dor que o mesmo causava ao contato direto com os dentes podres, das cáries e da dormência que ficava na boca. Uns achavam que era coisa do cão e mais uma vez outros achavam que eram as profecias que se concretizavam aos anúncios do final dos tempos. O certo é que naquele dia a feira acabara rápido com a euforia do maldito picolé. O consultório dentário do dr. Bertulino logo também se encheu de gente que solicitava ao dentista remédio para a dormência da boca e a dor de dente de pontada causada por obra do maligno.
Naquele dia do lançamento do produto no comércio de Belmonte, até as mulheres, que então eram proibidas de entrar em bares e algumas budegas e cafés, resolveram quebrar o protocolo e fizeram fila na Budega de seu Alfredo para experimentar a novidade.
Os dias se passaram e o picolé caiu mesmo no gosto dos belmontenses. Nos domingos à tarde as moças lordes e bem vestidas se reuniam e se sentavam debaixo das frondosas árvores da velha rua para paquerar saboreando os afamados picolés. O picolé agradou mesmo aos jovens e as crianças do lugar. Muitos misturavam água num caneco de alumínio junto com o picolé e mexiam com a colherzinha antes de tomar. Com a chegada do novo produto em Belmonte as histórias pitorescas começaram também a aparecer. Conta-se que a anciã dona Conceição Carvalho, esposa de seu Mané Bucho Verde, mandou um pretinho que ela criava comprar um picolé. A velha derreteu o picolé na boca e começou a gritar com a dormência que o gelado havia causado. Ficou acamada por três dias, até íngua teve e foi assistida pelo Sr. Ernesto Rodrigues de Carvalho, farmacêutico da época. Contam também que Maria Limeira um dia pediu a Alfredo Domingo um picolé que não fizesse mal à gripe nem piorassem resfriados.
Porém, a novidade do momento deixou o Sr. Chico Mariano, morador nas Crôas (fazenda Coroas) muitíssimo impressionado. Ele gostou exageradamente daquela pedrinha fria que derretia e que tinha um pauzinho enfiado no traseiro. Chupou um, dois, uma dúzia. De gostos e cores variadas. Êita coisa boa da peste! Homi vou inté levar uns pra Filomena minha mulé e uns pro meus fios. Ô Mugica, imbruia uns vinte ai mode eu levar!...(Mugica era o empregado da Budega que era filho de seu João Félix). Chico Mariano saiu satisfeito com o pacote de picolés dentro de um saco, junto com uns troços que tinha comprado – farinha, açúcar e goma e foi prá beira do riacho pegar o seu burro que estava ali amarrado. Já andando alguns quilômetros adiante ia envolvido em pensamentos felizes, pois sabia da surpresa que teria a sua esposa e seus filhos. A fazenda Coroas ficava bem distante da cidade de Belmonte a algumas léguas. No percurso para aquelas bandas, os viajantes e cavaleiros comumente paravam na fazenda Cachoeira de seu Arcôncio Pereira para descanso e restauro de energias. Lá Chico Mariano apeou, arriou as compras e pertences em um canto, bem debaixo de um secular tamboril e foi bater a sela do animal. Depois resolveu tirar um “deforete”. Naquela ocasião outros cavaleiros que também voltavam da feira faziam o mesmo. Aproveitou o instante e ascendeu um grosso cigarro de palha daqueles bem fedorentos. Proseou com dona Sinhazinha Pereira que lhe ofereceu um caneco de café bem quentinho e resolveu em seguida continuar a viagem para casa. Ao recolocar os troços no animal, verificou certa umidade no saco que o mesmo havia colocado os picolés. É claro que os picolés tinham virado água, molhando tudo que tava no saco, derretendo até o quilinho de açúcar que viajava junto. Naquele momento Chico Mariano não entendeu nada. Ficou brabo como uma cascavel de sete venta. E mesmo sendo um homem tímido e calado, não levava desaforos para casa. Foi por isso que fulo da vida gritou pra todo mundo ouvir:
- Magote de fí duma égua! Além de chupá meus picolé inda mijaro no meu saco!...
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