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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

MORTE SENTIMENTAL NUM BORDEL (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

MORTE SENTIMENTAL NUM BORDEL

Vou revelar agora o que poucos sabem. Seu nome verdadeiro, de certidão e batismo, era Maria Pureza das Virgens. Contudo, no metiê, no seu longo percurso de prostituta foi ganhando outros nomes e apelidos, o que muitas vezes a fazia esquecida de sua verdadeira identidade.
Quando ainda era novinha, carne de primeira e pouco uso na vida, era chamada Jardim das Delícias. Mais tarde, quando a fama na cama já havia alcançado fronteiras, passou a ser chamada Flor Desabrochada. Daí em diante, quando já fazia do cabaré seu lar, era alcunhada de Rabo de Fogo, Vulcão de Carne, Fiofó de Ouro e muitos outros.
Agora já estava envelhecida, sem o vigor carnal de tempos passados nem o fogo famoso que fazia o festejo de clientes desde coronéis a jagunços, de artistas a boêmios. Sentia-se verdadeiramente uma Teresa Batista cansada de guerra, esquecida, sem causar apetite nenhum nas taras dos bêbados e noctívagos. E o pior é que agora passou a se conhecida simplesmente como Quenga Véia.
Com as roupas apertadas pelo corpo, a cara toda tomada de pintura, um cheiro misto de perfume barato e bebida, com muitas bijuterias brilhando, ninguém sabe dizer nem por aproximação quantos anos a Quenga Véia – que ela não me ouça – tem agora. Mais difícil ainda porque nessa vida a velhice chega cedo demais, o corpo fica flácido rapidamente, as pelancas só vem à mostra na hora da permuta sexual.
Fez fama no interior e de lá foi devidamente levada para bordeis luxuosos na capital, verdadeiros palácios onde era servida como petisco de primeira qualidade, flor interiorana vindo satisfazer os desejos de políticos, empresários e todo tipo de gente endinheirada. Possuía alto valor, sabia disso. Cada vez que acompanhava um velhote até o quarto sabia do cheque com muitos números que ficava nas mãos da Madame. Depois recebia apenas tostões e ameaças.
Saiu do luxo com uma mão na frente outra atrás, fugindo escondida porque satisfez a tara de um dos seguranças do grande castelo. Daí em diante começou a fazer vida em outras localidades, outras cidades, em cabarés de qualquer um, em bordeis de beira de estrada, nos puteiros mais imundos. Nessa época já não sabia mais quantos anos tinha. Era apenas puta.
Um dia se olhou no espelho, passou a mão pelo corpo nu e sorriu com a beleza que ainda conseguia manter. Mas não pensou em deixar a vida de abrir as pernas pra qualquer um, apenas decidiu se valorizar um pouco mais, sair daquela imundície onde estava e procurar local mais decente para ser apreciada e receber o preço justo pelas suas qualidades corporais.
Foi parar na cidade grande novamente, passando a freqüentar bares que se caracterizavam por ser ponto de encontro de prostitutas e sexualmente esfomeados. Até que ganhou alguns trocados, mas os clientes não gostavam de repetir o prato experimentado. Então foi se afastando mais e mais até se fixar num barzinho aonde só chegava gente empobrecida e bêbada.
Levava os dias ali, ora em pé na porta e arredores, de vez em quando chamando um ou outro que passava para fazer amor, ora sentada na mesa do bar com uma cerveja adiante, depois de várias doses de bebida barata. E a cada dia que se via assim, sentada à mesa, tomada pelo álcool e ouvindo músicas apaixonadas tipicamente de cabarés, então seu mundo parecia querer desandar.
Cada letra que ouvia se sentia retratada naquela história de amor, de dor, de paixão e traição. Inicialmente apenas ouvia como coisa costumeira, mas depois foi se envolvendo com as letras, sentindo-se amargurada demais, tomada por indescritíveis angústias e aflições, até chegar a chorar copiosamente ali sentada.
E maldizia a vida, maldizia a sorte, era a revolta em pessoa. E nesses momentos revivia a infância, lembrava da família, lembrava do seu lugar, lembrava de um tempo que faria de tudo para retornar. Mas não tinha trocado, não tinha um tostão, não tinha nem mais vida para viver nem para fazê-la voltar ao seu berço.
Então começaram as ideias suicidas, a vontade de se cortar toda com cacos de vidros de garrafa quebrada, o desejo de esbofetear um valentão para receber um tiro bem no meio da testa, um demasiado querer de sumir, desaparecer, virar qualquer coisa menos prostituta. E muito menos Quenga Véia.
Verdade é que tal situação ia acumulando um misto de loucura e de negação, de culpa e de revolta. Se continuava com alguma aparência por fora, por dentro já havia se consumido completamente. A prostituta de fora não encontrava mais a sua dona internamente. E isto fez com se desinteressasse completamente por homem, por sexo, por dinheiro. Agora sentava ali somente para sofrer, para padecer, para sentimentalmente morrer.
Senta no mesmo lugar, não chora mais porque a fonte esturricada não tem mais lágrimas. Alguém chega e traz um copo e uma garrafa vazia. E assim se faz uma sina, um destino de morte sentimental num bordel.

Rangel Alves da Costa 
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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