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sábado, 15 de março de 2014

“UM TIRO, DUAS PAIXÕES E TRÊS VIDAS CEIFADAS”

Por cabo Francisco Carlos Jorge de Oliveira


Nordeste  brasileiro,  sertão pernambucano tarde de outono do ano de 1937, após três dias  de raras e inesperadas chuvas intensas   um  sol fraco de raios quase extintos entre as nuvens carregadas; caminha  morosamente para sua alcova por trás das serranias do Rio São Francisco  baiano, para embelezar ainda mais o cenário, um bando de periquitos em algazarra revoa  e  pousa  suavemente sobre os galhos  tenros e  floridos de uma frondosa  barriguda onde após se alimentarem dos brotos das flores, ali pernoitarão.

Os caldeirões nas rochas estão transbordando  com a abundância das  águas fluviais  que embora  límpidas, ainda encontra-se mornas pela quentura  e o mormaço, um velho jaboti  lentamente se desloca sobre  as pedras em busca de uma poça d’água para se refrescar, sem perceber  que o terrível cascavel  que na espreita, sibilando lhe desfere um bote certeiro, mas; as presas mortíferas da serpente crotalus apenas deslizam  na carapaça dorsal do inofensivo quelônio que ignorando o perigo e sem esboçar qualquer reação, segue seu destino aprazível, ameno, moroso e sereno.

O cangaceiro Mané Moreno 

Um subgrupo de cangaceiros comandados por Mané Moreno  descem com cutela uma ladeira de pedras úmidas e escorregadias ao todo são quatro, Áurea, Cravo Roxo e o cabra Gorgulho  contando também com chefe. Após se abrigarem do temporal em uma tapera escusa em um horto abandonado, no momento estão se deslocando  com destino a um lugarejo onde pretendem encontrar  com mais três comparsas conforme combinado.

Como de costume,  Mané Moreno sempre  aperreado com Áurea por qualquer motivo, mas agora é caso sério, desta vez ela esta  agindo de forma estranha pois vem   rejeitando seu homem  já a  vários dias, e  isso é gravíssimo para a reputação e honra de um cangaceiro macho.Mané Moreno se sentiu tão humilhado com a tal situação que pensando dar cabo na companheira, a levou para um lugar afastado e estando a sós; num gesto brusco perguntou irado á sua amada:

- Fala mulé! Pruquê qui tu não ta mi querendo mais? Ocê tem outro cabra é?

A mulher ficou calada por alguns segundos e num sorriso, ela lhe acariciou o rosto soado e abraçando lhe disse:

- Ôxente! Num é nada disso seu bobo, é qui eu isto prenha, ocê vai ser pai.

De tanta felicidade Mané Moreno mudou de cor, de negro ficou fula e abraçando ela a beijou loucamente como se fosse aquele o ultimo momento de sua vida, e daí então o cangaceiro turrão, mesmo na sua mais profunda  ignorância  compreendeu o porquê de sua cônjuge não se encontrar receptiva  por aqueles dias mas; daí por diante foi só galanteio pois o cangaceiro a tratava como uma deusa, não ficando um só momento sem a bajoujar.

Chegando ao determinado lugar, com todo o cuidado o subgrupo adentrou no povoado e de imediato foram bem recebidos ao  chegarem na casa de um amigo por nome Rosalino Prudêncio Vilela, então eles tomaram banho, trocaram as roupas e se alimentaram com fartura e após, foram convidados a participar de um baile de aniversario da filha mais nova do farmacêutico do lugar, mas para isso teriam que ir sem a indumentária de cangaceiro, e assim todos em traje a paisana porém armados com armas de porte, foram para o evento e lá festejavam muito comendo, bebendo e dançando sem perceber que naquele exato momento, uma volante da policia com doze militares fortemente armados comandada pelo intrépido
  
Odilon Flor, Euclides Flor, Manoel Jurubeba e Pedro Tomaz

Odilon Flor, se movimentavam sorrateiros  posicionando-se  estrategicamente cercando a casa, e  com o fuzil na posição de disparo, por uma fresta na parede um dos soldados que já o conhecia, localizou o supracitado cangaceiro, daí  então; visando seu alvo totalmente exposto, deflagrou um tiro certeiro e fatal. No momento do disparo, Mané Moreno estava transbordando de felicidades, naquela  alucinante volúpia, o casal dançava e se beijava bem juntinho  quase colado ah! Que delícia! Pareciam levitar o salão. O projétil Do fuzil Mauser calibre  7 X 57mm atingiu as costas de Mané Moreno traspassando seu tórax e também o peito  de  Áurea transfixando lhe o coração, o cangaceiro ainda segurou sua amada não a deixando cair de uma vez, e após; desfalecendo caiu sobre ela e num derradeiro  gesto beijou seus lábios já sem vida, e ali ao lado dela morreu também no salão da casa, sobre um tapete púrpuro de sangue no assoalho de madeira. O cangaceiro Gorgulho embora ferido conseguiu furar o cerco e fugir, Cravo Roxo já não teve a mesma sorte e também fora alvejado recebendo vários tiros desferidos pelos militares da implacável força policial volante.

Áurea, Cravo Roxo e Mané Moreno - A legenda diz ser Gorgulho, É o Cravo Roxo

Em meio á muita gritaria, todos surpresos e apavorados abandonaram o estabelecimento festivo, ficando somente ali deitados três corpos inertes rodeados pela milícia. Um dos volantes arranca da bainha um facão jacaré nº 12 e desferindo vários golpes fatídicos, secciona as  cabeças  das vítimas e agarrando-as pelos cabelos as transporta como troféus para fora do recinto.

No alvorecer do dia seguinte, o sol agora ardente ilumina sobre as escadas da capela, um trio de faces horrendas  com  olhos opacos, obumbrados pelo véu negro da morte, o fiel cachorro de Mané Moreno que fora capturado e encontrava se na peia ali ao lado, se aproxima da cabeça  de seu dono e começa a lamber seu rosto  ensanguentado num ato de carinho ou despedida talvez, mas neste instante é açoitado violentamente por um soldado da volante, e no ímpeto o cão enfurecido avança saltando sobre o seu agressor desferindo-lhe uma mordida descomunal, arrancando seu dedo polegar da mão direita, caindo morto em seguida abatido por um tiro de winchester cal. 44-40, findado assim  mais um valente membro daquele extinto grupo de cangaceiros.                              

“Saudações militares”.
CB. PM  Francisco Carlos Jorge de Oliveira  PMPR-RR 
Enviado pelo o autor. 

Ilustração:
José Mendes Pereira 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo17:28:00

    Lendo esta interessante história sobre o cangaço, eu notei quase todas referentes a cangaceiros mortos ou abatidos tanto por autoridade civis como pelas volantes militares; os infelizes tinham suas cabeças decepada pelos seus algozes.Um ato desumano, brutal e cruel, quando dizimaram o bando de Lampião na grota de Angicos, este processo também foi usado pelo comandante João Bezera sob a alegação de que era impossível transportar os corpos dos foras da lei para uma cidade mais próxima, mas isto ainda não é uma explicação convincente, eu acho que por mais estúpidos e rudes que fossem tantos os militares quanto os cangaceiros, e ainda por mais que se odiassem, o ato de decepar as cabeças é bem arcaico e qual seria o critério usado para este ato tão macabro?.
    Me lembrei agora de uma parte do filme "Spawn" o soldado do inferno, o qual o coadjuvante palhaço do mal questionava Spawn, o processo correto usado para exterminar um demônio, que era separando lhe a cabeça do seu corpo. Então será que os cangaceiros eram tão temidos assim que poderiam apresentar perigo até após sua morte? Será que esse processo eram usado contra eles porque eram considerados demônios?

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