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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Nos Rastros do Pajeú: Virgulino e os Nazarenos

Por: Manoel Severo
Cariri Cangaço visita a fazenda Poço do Negro

Revisitar os principais cenários do cangaço nos permiti aprofundar cada vez mais na busca dos fragmentos da verdade histórica, compreendendo a cada novo momento as origens e as repercussões, como também toda a capilaridade que acabou fazendo do cangaço um dos mais marcantes fenômenos de nosso nordeste. O Cariri Cangaço, mais uma vez "se embrenha caatinga a dentro" na busca dessa verdadeira saga sertaneja, e a partir de Nazaré do Pico... O Poço do Negro, Jenipapo, Ema...

Poço do Negro...

Logo após as primeiras refregas entre os filhos de Zé Ferreira e Zé Saturnino, quando não mais era possível à família Ferreira permanecer morando em Vila Bela; na Passagem das Pedras, acabaram mudando para o Poço do Negro, a cerca de 2 km do centro da vila de Nazaré. Ao se estabelecerem ali começaria um dos mais violentos e sangrentos conflitos que se tem notícia na historiografia do cangaço: Lampião contra os Nazarenos, Nazarenos contra Virgulino.

 Jair Tavares, Jorge Remigio, Narciso Dias, Manoel Severo e Netinho Flor no que restou da casa dos Ferreira no Poço do Negro.
Manoel Severo no local da antiga casa
Casa ao lado das ruínas do Poço do Negro: Telhas usadas 

"Zé Ferreira e os filhos vieram aqui para bem perto, na fazenda Poço do Nêgo, da velha Chica Jacoza, avó deles e dali pra frente só aumentou a briga com as família de Nazaré", assevera Ulisses Ferraz "Flor", filho de um dos mais destacados Nazarenos, Euclides Flor. "A casa ficava bem aqui, hoje só resta os escombros e restos de tijolos, as telhas, muitas delas foram aproveitadas na casa de taipa bem ali ao lado", comenta Netinho Nogueira mostrando o local onde havia a casa original da família Ferreira no Poço do Negro.

Jenipapo...

O Jenipapo, a cerca de 5 km do centro da vila de Nazaré, na estrada que liga Nazaré a Betânia aconteceu o célebre desafio de Virgulino e seus irmãos a João e Antônio Gomes Jurubeba. Eram idos de 1919 e Virgulino, juntamente com seus irmãos, Antônio e Levino, acompanhado de outros cabras se aproximaram da fazenda Jenipapo onde estavam retelhando a casa João e Antonio Gomes Jurubeba, ao que Virgulino falou: "Benção meu padrinho !" se dirigindo a João que se encontrava em cima da casa, que respondeu imediatamente: 

"Não sou padrinho de cangaceiro..." 

Ao que provocou a ira dos irmãos, principalmente de Antônio Ferreira que queria matá-los ali mesmo, mas foi contido por Virgulino. Naquele dia era escrito mais um capítulo da novela de ódio e sangue entre os Ferreira e o povo de Nazaré, ódio esse que se recrudesceria e teria repercussões anos a fio, inclusive com o incêndio e a depredação das propriedades do jenipapo e redondezas em 1926.

Antônio Gomes Jurubeba, pai de João Gomes de Lira, se encontrava ao lado do irmão, João Gomes Jurubeba; retelhando a casa do Jenipapo (foto abaixo).
 Jair Tavares, João Lucas, Netinho Flor, Manoel Severo, Jorge Remígio e Narciso Dias, no Jenipapo de João Gomes Jurubeba.

"Naquela época a maioria das famílias moravam por estas bandas, em Betânia, Ipueiras, Ema, e aqui no Jenipapo. Tinha casa aqui o Gomes Jurubeba e alguns membros dos Flor. Em 26 (1926) no ataque frustado de Lampião a Nazaré ele saiu incendiando tudo que encontrava pela frente, aqui no Jenipapo tocou fogo na casa de Gomes Jurubeba, de Euclides e Afonso Flor, não sobrou nada, animal, cerca, casa, tudo foi destruído pelo fogo." diz Netinho Nogueira.

 A emblemática Serra do Pico, patrona do nome da Vila de Nazaré "do Pico"; vista da fazenda Jenipapo
Cariri Cangaço visita o local onde outrora havia uma das casas de Gomes Jurubeba, destruída por Lampião em 1926

Acima um dos cenários da sanha de Lampião contra os Nazarenos. Em 1926 Lampião e seu bando incendiou as casas de Gomes Jurubeba, matando todos os animais e queimando cercas, fazendo o mesmo nas fazendas de Euclides Flor e Afonso Flor. Não houve vítimas, todos já haviam abandonado as fazendas e se refugiado na vila de Nazaré.

O pequeno Nazareno...

João Lucas "Flor"

Criança geralmente é cheia de graça e encanta a tudo e a todos. Em Nazaré uma inusitada surpresa: João Lucas, de 4 anos, filho de Netinho Flor e Nanci. O garoto, apesar da idade, é inexplicavelmente apaixonado pelas histórias de Lampião e dos Nazarenos. Ouve a tudo atentamente e ainda dá seus pitacos, adora as músicas de Luiz Gonzaga e dança um xaxado "arretado". Mas o pior, aliás, o melhor; foi quando fomos tirar fotos, reparem... João Lucas é a mais pura "reencarnação" de seus bisavós... Incrível como a postura, os braços arqueados, a forma de colocar o chapéu e o mais incrível, o olhar:"nazareno puro" . 

Narciso Dias e João Lucas

Se João Lucas houvesse nascido há 100 anos, sei não... O pai, Netinho Flor, me confidenciou "Severo, o menino é doido por arma !", vai entender... Realmente uma criança diferenciada, cheia de vida como os vivazes filhos do sertão, que maravilha. Levamos um DVD do Cariri Cangaço, presente para sua família, enquanto fomos ao Poço do Negro, João Lucas ficou se preparando para assistir. Quando voltamos ele saiu correndo de dentro de casa e logo falou: "Severo já assisti duas vezes"... Dizer mais o quê ? Viva o sertão ! Viva Nazaré do Pico !

Manoel Severo
Curador do Cariri Cangaço
Ribeira do Pajeú, 19 de Setembro de 2014

http://cariricangacago.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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