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sábado, 14 de fevereiro de 2015

“O GLOBO”- 20/11/1958 - PARTE XV

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

COMO SE FORJA UM CANGACEIRO


UM “CABRA” COVARDE

O Cunhado de Lampião Era um Tipo Curioso – Há Muitos Elementos do Bando Ainda Vivos – O Irmão de Ferrugem Era o Bobo da Corte de Virgulino.

AINDA me lembro de vários outros cangaceiros, como Medalha, Chumbinho, Bom Divera... Mas, com exceção do último, os demais foram de “ferocidade normal”. Tinham a maldade rotineira dos cangaceiros... Já Bom Divera chamava a atenção porque era negro e alto. Caladão e valente, era de uma coragem sem alardes. Fumava sempre cachimbo, e não o tirava da boca nem para atirar. E como atirava bem! Quando fazia a pontaria, dizia com um sorriso alegre: 

- “Aquele ali já está cheirando mal...” 

Não errava nunca, e foi um dos que permaneceram mais tempo no bando. Nunca disse a ninguém porque ingressou no cangaço, mas eu suspeito que devia ter uma história bem curiosa, pois vivia sempre a meditar, afastado de todos. Foi morto em combate no Mulungu, em Pernambuco, numa séria refrega que o bando teve com soldados.

O ESTRANHO VIRGÍNIO

Nesta foto Virgínio é o nº 2, e está sentado ao lado direito de Lampião, seu ex-cunhado

UM tipo curioso, também, era o cunhado de Lampião, Virgínio, conhecido como Esperança. Era homem sisudo, alourado e simpático. Valente entre os mais valentes, tinha ideias esquisitas, sendo uma delas esta, de que sempre me recordo: 

“Não gosto de bater em ninguém, nem de xingar. Um homem não se maltrata, mata-se!” 

Nunca aprovou as crueldades do cunhado e dos demais, nem assistia à prática de perversidades. Só contassem com ele quando se tratasse de matar... Virgínio morreu na Bahia, em combate, e Lampião sentiu bastante sua morte, pois gostava muito dele.

OS “CABRAS” VIVOS

Foto do cangaceiro Balão

ÀS vezes perguntam-me se sou o único “cabra” de Lampião ainda vivo. Creio que não. Devem ainda estar vivos por esses sertões afora Balão, Nevoeiro, Relâmpago e talvez mais um ou dois. 

Foto do cangaceiro Relâmpago

Foram dos que entraram e saíram logo do cangaço, talvez por falta de vocação... E tanto não foram maus, que a punição que tiveram foi mínima. Eu é que aos quinze anos peguei 145 de cadeia, ou seja, a punição do bando todo... Que se há de fazer?

FALTA DE VOCAÇÃO

JÁ que falei em falta de vocação para o cangaço e estou tratando de “cabras” do bando de Virgulino, vale aqui mencionar dois bem interessantes. Trata-se de Coqueiro e Baliza.

Coqueiro era um caboclo alto, forte, que entrou no bando por se ver perseguido pela “força”, que insistia em tê-lo na conta de coiteiro. Esteve no máximo seis meses no bando, depois desapareceu, não se sabe para onde. Nunca brigou, pouco falou com os companheiros, e até hoje não sei se está vivo ou morto. Creio que desapareceu por chegar à conclusão de que não dava para o cangaço. Lampião dizia que ele era um “bobão”...

O PALHAÇO

JÁ o Baliza tem uma história diferente. Foi o palhaço do bando. Até hoje não sei como ele pôde pensar em entrar para o cangaço. Baliza era caboclo, muito alto, fortíssimo e corpulento, mais feio do que uma briga de foice. O que tinha no aspecto, tinha de covarde. Era frouxo até não poder mais, tão frouxo, que somente graças a isso era admitido em nosso convívio...

Baliza era irmão de Ferrugem, um cangaceiro valente. Entrou no bando de Lampião porque, como seu irmão estava no cangaço, os soldados não lhe davam folga e viviam a persegui-lo, sendo que, no final, queriam até matá-lo. Baliza era dos veteranos, pois entrou para o bando em 1929. Era um tipo engraçadíssimo, grandalhão, moleirão, brincalhão, mas sem sangue nas veias. Ele mesmo dizia que nunca brigara com ninguém, nem fizera mal ao mais nojento dos animais. E como comia! Era capaz de dar cabo das refeições de cinco homens, e ainda pedia sobremesa...

Sempre desconfiei de que Baliza fosse um débil mental, pois não é admissível que um homem passe onze anos num bando de cangaceiros sem sequer usar arma. Ele era incapaz de recorrer a elas. Aos primeiros tiros da volante, Baliza punha-se a correr, e nessa hora tinha a agilidade de um felino. Passado o combate, só muito longe dali é que íamos encontrá-lo. Lampião dizia-lhe, furioso: 

“- Mas tu, tão grande e tão covarde! Eu devia te matar!” 

E ele, todo maneiroso, se justificava: 

“Minha natureza não dá pra isso, seu Capitão... Faça de mim o que quiser, mas eu sou assim mesmo... Deixe ao menos eu me acostumar...”


E todos riam, inclusive Lampião, que não admitia covardia, mas suportou sempre a de Baliza. O que dava raiva a Lampião era quando Baliza fugia e amedrontava os que estavam ao seu lado, levando-os na sua fuga. Aí Lampião zangava-se: 

“- Miserável, corre, mas corre sozinho. Não leva os outros, porque eu te meto uma bala nos miolos!” 

E ele, imediatamente: 

“- Mas seu capitão, foi de surpresa que os “macacos” chegaram... Quando eu sei antes, não acontece nada disso, pois eu dou no pé devagarinho...” 

Novas gargalhadas, e Lampião acabava também rindo...

DESGOSTO DE FERRUGEM

De vez em quando, os “cabras”, para assustarem o palhaço, diziam: 

“- Chi! Aí vem a volante de Mané Neto...” 

E ele logo se levantava de um pulo e dizia: 

“- É... eu vou me esconder, porque essa gente é braba mesmo... Mané Neto não brinca...”

Ferrugem tinha desgosto de ter um irmão tão covarde. Um dia perguntou a Baliza: 

“- Me diga lá. Se você me vê caído no chão, num tiroteio, não me apanha?” 

A resposta de Baliza foi: 

“- Eu? Não! Em lugar de morrer dois, morre um só...” 

E o irmão olhava para os demais, que se riam a não mais poder, como quem diz: “- Pode-se com uma coisa dessas?”.

Baliza não era inteligente, nem sabia sequer cantar. Sua especialidade sempre foi comer muito e correr mal ouvisse um tiro. Dessa forma viveu onze anos, e, todas as vezes que Lampião entrava em Pernambuco, ele não ia, com medo da volante de Mané Neto.

Seu fim, segundo me contaram na cadeia, foi triste, pois numa refrega ele se entregou aos soldados, que o degolaram, julgando estarem fazendo uma grande coisa. Ele se degolaria sozinho, se eles pedissem...

Na certa, devido ao porte avantajado e à cara feia de Baliza, julgaram estar diante de um perigoso cangaceiro. E como se enganaram! Baliza não nasceu para o crime, nem para a maldade. Mesmo quando alguém do bando tinha que punir um “paisano”, Baliza não assistia, pois “não gostava de ver coisas que seu coração não pedia”... Pobre Baliza, tão grande e tão inofensivo! Tenho a impressão de que esse rapaz só entrou no cangaço para alegrar os cangaceiros e ajudar-nos a passar as horas amargas...
  
CONTINUA...

Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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