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domingo, 9 de outubro de 2016

DE REDEMOINHOS E OUTROS VENTOS

*Rangel Alves da Costa

O tempo no sertão vem rapidamente se transformando. O clima ameno, até resfriado de dias atrás, de repente se transmudou em calor de labareda. Em meio ao tempo aberto, de sol escaldante e sem nuvens no céu, de hora pra outra tudo se torna fechado, nebuloso. Quem avista os horizontes e sabe fazer a devida leitura, logo diz que vem trovoada. Mas nada acontece.

O que sempre acontece é a constância nas ventanias, os açoites pelo ar e a dança das folhagens ao se desprenderem das árvores e pés de paus. Pelas ruas e avenidas, malhadas e descampados, estradas e veredas, vão se formando os acúmulos de restos secos, folhas mortas, garranchos e gravetos. Os canteiros secos e os beirais de calçadas nem têm tempo de juntar tais restos, vez que logo são levados em arremessos pelos açoites em voracidade.

Vem-me à memória aqueles varais de quintais quase levados com roupas e panos pelas ventanias. E também as paredes arenosas que se formam ao longe e avançam espalhando poeira, pó, fiapos, restos secos e o que encontrar pela frente. Em ventanias assim, quando redemoinhos vão abrindo veredas ou sulcando a terra por onde passar, até mesmo as portas e as janelas são empurradas pelas afoitosas passagens. E se entrar vai derrubando tudo, deixando seu rastro estarrecedor.

Mesmo que não abram as portas e janelas, ainda assim, ao passar por cima dos telhados, fazem com que as velharias secas ali adormecidas vão se entranhando entre as telhas até caírem nas varandas, quartos e salas. Quando o sujeito abre a porta logo encontra aquela sujeira danada e que não sabe de onde veio. Mas veio de cima, do telhado, pela força da ventania que passou e ali deixou suas marcas e seu recado: nada consegue me deter. Além disso, de vez em quando se dão ao trabalho de destelhar e até arremessar ao longe parte das coberturas.

Ontem mesmo um amigo aqui do sertão de Poço Redondo escreveu: “Nesta manhã de sábado, neste calor, sentado sob o alpendre de casa, no Assentamento Lagoa das Areias, vejo redemoinhos com frequência passando na malhada. Redemoinhos de vento em corropios, com poeira e folhas secas que neste tempo caem das catingueiras. Os meninos da agrovila da Lagoa das Areias gostam de ver”. Eis parte da descrição de Belarmino, singelamente realista.


Uma visão verdadeiramente instigante, ainda que já conhecida de muitas vezes. O avanço dos redemoinhos sobre a malhada aberta, trazendo consigo um misto de poeira e folhagem, numa profusão de restos miúdos das catingueiras já fragilizadas pela sequidão. Redes balançam, varais fazem festa, panos tomam destinos, tudo se move e se embala com a força do vento. Árvores se dobram, gemem, se deitam mortas ao chão. E para a festa desassustada da criançada.

O amigo Belarmino tem moradia além da cidade, num assentamento em meio a mataria e aos descampados, e sua descrição condiz com o que vem acontecendo nas demais regiões sertanejas do São Francisco. Em Poço Redondo, tal ventania, com redemoinhos e açoites vorazes, vem se repetindo a cada instante. E é tal fato que logo faz imaginar que não demora muito e as chuvaradas cairão com a força tão esperada. O sertanejo até gosta que o tempo se transforme assim, pois sempre na boa expectativa das trovoadas.

Ontem mesmo foi um dia assim, de lenços levados, varais inquietos, portas batendo, poeira e folhagens passando velozes. Também um dia de formação de nuvens, de sombras nos horizontes e prenúncios de chuvas. Mas nenhum pingo d’água caiu. Tudo logo voltou ao comum do calor, do tempo aberto, das securas espalhadas por todo lugar. Apenas as ventanias continuaram dando os seus sinais. O amigo Belarmino presenciou os mesmos acontecidos mais além da cidade.

Hoje amanheceu ensolarado, novamente de sol fogoso e calorento. Nenhuma expectativa de chuva. Mas os açoites já começam assobiar, as ventanias já fazem seus percursos, as ruas já são tomadas pelas folhagens e igualmente varridas pelas suas passagens. De canto a outro os redemoinhos despontam. Resta somente esperar que as trovoadas realmente cheguem. Enquanto isso a Velha Quitéria apenas diz ao estender roupa no varal: Que leve o pano, mas traga a chuva.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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