*Rangel Alves da Costa
Ontem à tarde, tive o imenso prazer de encontrar a já lendária Marizete, fervorosa beata, a mais famosa das rezadeiras de Poço Redondo, verdadeiramente apaixonada pelos cultos e ofícios religiosos, ex-zeladora da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, e agora uma declaradamente indignada. Sim, Marizete cuspiu fogo, soltou as cobras, tava virada na gota. Mas por quê? Calma. Vou contar.
Por mais que alguns maldosamente critiquem a profunda abnegação que Marizete possui pela religiosidade, pela fé, pelos ofícios católicos, e principalmente por tudo que diga respeito à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, estando sempre presente na igreja matriz e nas demais localidades onde seja preciso haver o canto e a reza, a verdade é que Marizete se tornou num símbolo de devoção à sua igreja. Tanto assim que até dias atrás, falar em igreja era falar em Marizete. Mas por que até dias atrás? Calma. Vou contar.
Como dito, no entardecer de fresca boa e proseados de amigas na calçada, eis que neste domingo eu encontro a sempre alegre, festiva e prosista Marizete bem sentadinha ao lado de Dona Amélia e de Gielza. Sempre as encontro no mesmo horário e local, também com muito mais sertanejas que ali se reúnem para passar o tempo, aproveitar do clima ameno e colocar em dia as conversas e os “ouvi dizer”.
Ao reencontrá-las, naquele momento apenas as três, logo Marizete, com sua voz alta e grave, começou a falar sobre a igreja. Disse da festa da padroeira chegando e a igreja ainda daquele jeito, nua, sem telhado, entregue às forças do tempo. As palavras, contudo, começaram a pegar fogo ao falar sobre os seus destinos de agora em diante, já que não tinha mais nada a ver com o seu dia a dia nem com os cuidados tão necessários à sua conservação.
Então, surpreendido, perguntei por que aquela preocupação. Então Dona Amélia ajuntou: “Ela entregou as chaves da igreja!”. Sem acreditar no que tinha ouvido, pedi que a própria Marizete contasse aquela história direito. Então a famosa rezadeira, agora na condição de ex-guardiã da igreja, virou-se na gota, cuspiu fogo. Mas conto já.
Num passado mais distante, minha tia Izabel Marques, a famosa tia Bebela, um dia quase troca tapa com um padre recém-chegado e que resolveu mudar tudo na igreja. Ora, Bebela não era apenas zeladora, não possuía apenas as chaves da igreja, não cuidava apenas de seu zelo, limpeza e dia a dia, mas tinha aquele templo como uma verdadeira casa. E a refrega com o padre foi tão grande que as chaves voaram pelo ar. De raiva, Bebela se afastou de vez da igreja e ainda - só de pirraça - mandou construir uma igrejinha bem ao fundo da Matriz. E ela ainda está ali, abandonada, mas continua como prova.
E agora Marizete, depois de tantos anos, também entregou as chaves. Ou teve de entregar. Não pelos mesmos motivos nem com os quiproquós de tia Bebela e o padre de então, mas por outras razões que ainda lhe magoam muito. E isso é perceptível a partir de cada palavra sua. Como ela mesma relatou, a verdade é que não pediram as chaves, mas pelo que vinham fazendo foi o mesmo que as puxarem das mãos. Sempre ouvindo que a igreja precisava de pessoas novas, mais ativas e mais presentes, era o mesmo que ouvir um “vá embora”.
Daí que Marizete entregou as chaves. E injuriada, raivosa, dizia que agora queria ver quando as toalhas e outros objetos da igreja começassem a sumir o que iam fazer. Ela mesma com as chaves, ainda assim de vez em quando dava conta que uma ou outra toalha bordada havia sido levada para enfeitar a mesa de uma missa em algum lugar. E só retornava quando ela batia o pé reclamando. E também queria ver se os ditos jovens ou qualquer outra pessoa ia levantar às cinco da manhã para aguar plantas, varrer, deixar tudo limpinho.
E ouvi mais. Mas deixe pra lá. E tem razão Marizete na sua indignação. Os jovens são úteis à igreja sim, trazem fé nova e sangue novo. Mas sempre são as pessoas mais velhas que logo cedinho já estão na igreja rezando ofícios, mantendo os costumes de fé. São as verdadeiras beatas, fiéis e rezadeiras, que jamais se ausentam da igreja, seja com telhado ou não.
Escritor
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