Por Robério Sá
O poeta Zé de
Cazuza numa conversa com o compositor Lirinha.
Ele não demora
muito a sair do Sítio São
Francisco, na zona rural onde criou os filhos e mantém ainda suas
roças de mandioca. No centro de São
José do Egito, é tomado como parte natural da paisagem. Conversa com um,
acena para outro, elogia a beleza de uma moça, entre um trago de cachaça ou um
gole de cerveja, não dispensa uma prosa. “Nunca mais apareceu alguém que saiba
me entrevistar direito”, ele diz, para a reportagem. “O melhor foi Cascudo”,
continua ele, sobre o “folclorista” potiguar Luís da Câmara Cascudo, cuja obra
seria um dos eixos de entendimento do que viria a ser reconhecido com a cultura
popular do Nordeste. Cabeça meio achatada sob o chapéu de feltro, relógio no
punho, sorriso virgulando cada palavra, Zé de Cazuza continua sua saga como o
principal memorialista da geração clássica de poetas do Sertão do Pajeú. “Não
tem mais cantador, não. Jovem, não mais. Todos eles hoje têm entre 40 e 50 anos
de idade”, diz ele, verbete vivo.
José Nunes
Filho nasceu em 12 de dezembro de 1929, numa fazenda de Monteiro, município de
casario ainda secular, logo depois da fronteira com a Paraíba, ali perto, onde,
recentemente, a chegada do rio virou espetáculo, cartão de visitas e um dos
argumentos mais festejados para a transposição do Rio São Francisco. Aos seis
anos, assistiu a sua primeira cantoria de viola. Na peleja, estavam Severino
Lourenço Pinto e Antônio Marinho do Nascimento, o poeta que seria tomado como
sogro por Louro do Pajeú. O fato lhe marcaria a memória. Não apenas pessoal.
Mas a da própria cultura.
Se a poesia
cantada do Pajeú não
respirava academias, menos ainda se destinava ao papel. “Naquela época, em que
também os meios de comunicação eram escassos, os poetas eram também cronistas e
informadores dos fatos sociais do mundo. A poesia era feita e consumida na
hora”, comenta o professor de filosofia e pesquisador Marcos Nunes da Costa.
Sem Zé de Cazuza, muito do que foi declamado no calor do improviso jamais teria
se tornado clássico com o tempo, se não fosse a atenção de Zé de Cazuza. Dono
de uma memória prodigiosa, ele simplesmente decorava os grandes versos nascidos
nas rodas de glosa e cantoria. “Só não entrava na cabeça dele verso ruim. O que
era bom, ele gravava na hora”, comenta o escritor Antônio José de Lima, casado
com
Marilena
Marinho, filha de Louro do Pajeú, e autor do recém-lançado Legado Filosófico de
Poetas e Repentistas Semianalfabetos (Ed. Bagaço). No livro, ele perfila e
compila 157 poetas do Pajeú. Quase todos iletrados. “Todos com uma grande
capacidade de entendimento poético do mundo”, comenta. O mais antigo deles,
Bernardo Nogueira, nascido em 1832. “É como Mozart, o gênio que assegurava que
não fazia a música, a música sempre esteve lá. Parece que, aqui, a poesia também”.
A maioria desses poetas sequer seria lembrada no aniversário do neto não fosse a memória obstinada de Zé de Cazuza.
SÓ LEMBRO
“Não tem técnica, não, eu só me lembro das coisas”, simplifica ele, consciente de seu papel como o grande memorialista da poesia do Pajeú. De um só fôlego, ele se veste da conhecida entonação poética da região e lembra um dos principais poemas de Louro do Pajeú sobre o peso dos anos acumulados na vida: “Eu já não suporto mais/Na vida, tantas revoltas/ Prazer, por que não me buscas? / Mágoas, por que não me soltas?/ Presente, porque não foges / Passado, por que não voltas?”. Mas seu espírito de menino parece não ter espaço para melancolias. Quer mais é ampliar os HDs do pensamento com nova poesia. “Nem sei ainda. Mas vou ampliar meu livro. Acho que entra ainda uns 30 poetas”, diz ele, sobre o seu Poetas Encantadores, um livro que desde seu lançamento, nos anos 80, já teve quatro reedições e, naturalmente, se tornou uma das grandes referências para essa escola de poesia falada que, no papel, tem ampliado sua fala.
http://roberiosa.com.br/ze-de-cazuza-e-uma-memoria-prodigiosa-servico-da-poesia-sertao-pajeu/
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