Por Rangel
Alves da Costa (Poeta e cronista)
Nem posso dizer que o texto que segue é fruto de construção
literária, da minha verve prosista, pois tudo, como se verá, é tão verdadeiro
quanto o sangue que corre pelas minhas veias, afluente que é do caudaloso rio
familiar do cangaceiro Zabelê e suas sete irmãs.
Manoel Marques da Silva, mais tarde apelidado como Zabelê no bando de Lampião
(Alguns afirmam a existência de outro ou até outros Zabelês), era filho único
de Antônio Marques da Silva e Maria Madalena de Santana, a Mãe Véia. Suas
irmãs, em número de oito, eram Emeliana, Conceição, Osana, Isabel, Rosinha,
Mãezinha, Mariquinha e Cordélia.
Assim, meus bisavôs paternos Antônio Marques e Mãe Véia
fizeram nascer numerosa prole, talvez pensando em formar descendência familiar
forte num pequeno lugarejo lá pelas bandas mais esturricadas do sertão
sergipano. Nessa época Poço Redondo fazia parte do município de Porto da Folha.
Pois bem. Nove filhos nasceram, porém sendo apenas um homem
em meio a tantas mulheres. E quando mais tarde o único herdeiro dos Marques -
por circunstâncias que somente a predisposição do momento, o modismo
cangaceirista e o destino podem explicar – resolve fazer parte do bando do
Capitão Virgulino e deixa a segurança do lar para viver as incertezas
sangrentas das caatingas, os seus pais passam a amargar a dor da ausência e os
temores em ter dentro de casa seis filhas para criar.
Ora, no sertão é dito como certo que casa que tem filho
homem marmanjo algum quer dar uma de gavião para querer beliscar irmã dos
outros. Se o menino Manoel Marques estivesse em casa os pais das sete mocinhas
não ficariam tão preocupados. O perigo aumentava quando se sabia que as meninas
da época eram apaixonadas pelos cabras de Lampião e inexplicavelmente atraídas
para a vida em perigo.
Mas o menino resolveu se unir a Lampião e seus comandados e
não teve jeito mesmo. Já no bando, então batizado como Zabelê, nome de pássaro
errante pelos sertões nordestinos, foi se afastando cada vez mais da família,
com quase nenhuma notícia nem sinal de que voltaria um dia para molhar os olhos
de todo mundo. A esperança do retorno, desesperançada...
Nesse desvão de mundo, naquele mundão de meu Deus, onde a sorte morava ao lado
morte, sustentar família era um sacrifício. Se Manoel tivesse aqui era tudo
muito diferente, muito mais alegria, muito mais encorajamento pra gente viver
essas durezas dos homens e da terra, além de que certamente esses cabras não estavam
noite em dia em minha porta com enxerimento pras minhas meninas. Certamente era
isso que Mãe Véia murmurava enquanto batia o café no pilão ou ralava o milho
para o cuscuz.
Mãe Véia tinha razão, pois por ali mais tarde foram
aparecendo um tal de Ermerindo, um citadino chamado Aloísio, um militar chamado
Rios, sertanejos como Timbé e Bastião e outros, cada um levando na mão uma flor
do campo e roubando os corações das filhas de Antônio Marques.
Mas o que fazer se Manoel não estava ali para olhar bem nos olhos desse magote
enxerido, medir de cima a baixo, e dizer se prestava ou não? Mas o destino não
anda na contramão. Zabelê estava vivendo sua vocação catingueira, enquanto suas
irmãs Emeliana, Conceição, Isabel, Osana, Mãezinha, Rosinha, Cordélia e Mariquinha
buscavam a formação de novos laços familiares.
Assim, como disse acima, sou filho desse contexto, pois
minha avó paterna, Emeliana Marques, casou com um rapaz das bandas de Carira,
de nome Ermerindo Alves Costa, fazendo nascer dessa união também sete filhos,
dentre eles o ex-prefeito de Poço Redondo e escritor Alcino Alves Costa, meu
pai.
Meu tio passarinho, Zabelê com asa e bico e plumagem, depois
que saiu de casa voou para sempre. Nunca mais colocou os pés na morada para
rever a família, nunca mais mandou um recado dizendo que um dia voltaria, nunca
mais pousou na mangueira do quintal ao entardecer. Seu Antônio Marques e Mãe
Véia morreram sem o prazer da volta do filho homem.
Contudo, mesmo sem visitar familiares nem adentrar novamente
à velha casa para beber um copo d’água sequer, Zabelê de vez em quando estava
por perto, voando baixo na região de Poço Redondo. Fazendo parte do bando do
Capitão, assim que o homem se amoitava pelas redondezas ele fazia parte da
comitiva.
No dia 28 de julho de 1938, quando na madrugada sertaneja a
volante alagoana fez o cerco e matou Lampião, Maria Bonita e mais nove
cangaceiros, na Gruta do Angico, terras de Poço Redondo, Zabelê só se salvou
por milagre. Junto com Pitombeira arribou no meio do mundo. Contam que quando a
saraivada de balas começou a riscar por todo lugar, Zabelê passarinho voou bem
alto, sumiu numa nuvem e se escondeu.
E parece que se escondeu tão bem escondido nessa nuvem que
de lá ninguém mais o viu, principalmente a família. Até hoje as irmãs que ainda
estão vivas, como minha avó Emeliana e minhas tias Cordélia, Mariquinha e
Mãezinha, choram quando lembram ou ouvem falar do irmão passarinho.
Elas mesmas avoaram muitas vezes por aí em busca do irmão.
Há alguns anos, ainda quando estavam com vigor físico que permitia que fizessem
longas viagens, bastava que ouvissem um rumor que o irmão poderia estar em
algum lugar e lá iam elas em caminhonete, cortando os caminhos quase sem
destino.
E assim voaram pelos céus de Minas Gerais, Pernambuco e Bahia, dentre outros
lugares, mas nada de encontrar nem uma pena do passarinho. A única certeza é
que ele voou pra bem longe. E certamente hoje o meu tio faz ninho no céu.
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