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quarta-feira, 31 de julho de 2019

PEGOU O BOI! - UMA CICATRIZ POR VINGANÇA


Por João de Sousa Lima

A Rainha do Cangaço Maria Bonita acabara de perder seu primeiro filho. A natureza lhe negara naquele instante o direito de perpetuação da espécie humana. As lágrimas da triste mãe encharcaram a cova rasa e solitária do filho que não viu o mundo, enquanto o leite materno, fonte divina da vida, secava na dor da trágica perda. No seu sofrido silêncio desaparecera a ansiedade antes vivida. A sua angústia se apagara durante o resto do dia frustrante e da noite mal dormida. 


O consolo virá na serenidade da alvorada. Com o novo amanhecer, renascerão novas esperanças e só as esperanças curam os traumas doloridos do dia a dia. Durante as próximas noites, sob as tendas dos esconderijos e a luz das inúmeras fogueiras, velhos companheiros e seguidores de lutas alegrarão os corações tristes dos Reis do Cangaço.

O velho e fiel coiteiro, Venceslau, cobriu a criança em um lençol e a enterrou a poucos metros da sua residência, nos fundos da sua propriedade, no povoado Campos Novos. A parteira Aninha regressou ao povoado Nambebé. Lampião e Maria Bonita agradeceram ao fiel coiteiro Lau pelo apoio recebido e com o restante do bando partiram caminhando lentamente, em silêncio, na direção da casa do casal Aristéia e Quinca, no povoado Várzea.

Nas proximidades do Nambebé os cangaceiros ouvem o barulho de um animal de montaria e buscam rapidamente os arbustos e pedras existentes no local e se entrincheiram. Todos apontam suas armas para o lado onde vinha o som do tropel. Entrincheirados e prontos para o combate Lampião reconhece o cavaleiro que se aproxima. Era mais um dos seus incontáveis coiteiros. O burro pára bruscamente. O homem desce rápido do animal, pois tem pressa em revelar o segredo de sua urgente viagem, mais uma notícia de traição:


- Capitão, por pouco vocês não foram atacados. Assim que vocês sairam dos Campos Novos, lá chegou uma fôrça do governo, com mais de trinta homens.
- Alguém me traiu! Você sabe quem foi que denunciou nosso coito?
- Sei sim; foi Pimba, do Nambebé.
- Ta bom, pode ir.
Virgolino pagou a informação e por alguns minutos se perdeu nos seus pensamentos, formulando sua defesa contra a volante e sua vingança contra o delator. O traidor era velho conhecido dos cangaceiros, o verdadeiro nome de Pimba era Francisco Teixeira Lima e era irmão do fiel coiteiro Lixandrão, pai dos cangaceiros Bananeira e Tutu.

Poucos minutos depois, Lampião chega ao Nambebé e cerca a casa de Pimba, os cangaceiros invadem a residência e vasculham todos os cômodos, não encontrando o traidor.

A velha casa de taipas é revirada. A esposa do homem sentenciado a morrer protege os filhos com o escudo do próprio corpo. Dona Maria e os filhos João Preto, Zé de Pimba, Anacota, Jeoventina, Júlia,Elvira e Rita se abraçam enquanto os cangaceiros quebram alguns móveis e pratos. Naquela ocasião eram duas Marias, frente a frente, ligadas por sentimentos diferentes, lutando por um objetivo comum: a sobrevivência.

A Maria mãe, aflita, pede ajuda a outra Maria, a Rainha do Cangaço. Já se conheciam de outras vezes, em circunstâncias menos violentas. A mãe desesperada implora e pede clemência para aquela que ainda não havia amamentado mais que havia sentido a dor do parto e a infelicidade da perda do filho pela morte traiçoeira.

- Maria, peça a Lampião pra não matar a gente!
- Quem mata vocês é a língua!
Nesse momento chega o irmão de Pimba, o fiel coiteiro Lixandrão. O velho conhecido cumprimenta Lampião com um aperto de mão e fala:

- O senhor me conhece e sabe que eu sou um homem inteirado e comigo não tem falsidade. O que meu irmão fez não está certo e eu prometo que não acontecerá outra vez. Por isso estou aqui pra lhe pedir que não mate ele e nem a sua família.
- Muito bem, Lixandre, diga aquele safado que erre o meu caminho e tenha cuidado com o que fala.

Lampião sai da casa e se reúne com seus comandados no terreiro.Quando se preparavam para seguir viagem, chega outra Maria, a esposa de Lixandrão e diz a Lampião que um dos cangaceiros invadiu sua residência e tomou seu xale. Lampião não procurou saber quem tinha sido, apenas colocou a mão no bornal, puxou algumas notas e pagou o prejuízo à mulher.

Lixandrão agradeceu por Lampião ter atendido ao seu pedido de não matar o irmão Pimba e desejou boa sorte aos cangaceiros. Lampião ainda movido pela ira, mal respondeu e começou a seguir seu itinerário.

Quando os últimos telhados das casas do Nambebé desapareceram no emaranhado dos galhos secos, eis que surge na frente dos cangaceiros a presa tão procurada: Pimba. O angustiado sertanejo é envolvido em um cordão humano. Lampião fala:

- Cabra safado, anda dando definição de cangaceiro pras volantes!
O homem esmorece, sente a indesejável morte aproximando-se e ajoelha-se chorando, pedindo por tudo quanto é santo para que não o matassem.

- A sua sorte, cabra sem vergonha, é que homem de minha qualidade tem palavra e eu prometi não lhe matar, mas vou deixar uma lembrança minha, pra que você nunca me esqueça. Da próxima vez que você me denunciar não tem desculpa, você me paga com sua vida.

Enquanto o aflito sentenciado era seguro por Luís Pedro, Lampião puxa um canivete de um dos bolsos e se aproxima, do trêmulo catingueiro. Pimba chora e clama por todos os santos. O Rei do Cangaço, impiedosamente, abre uma ferida em forma de cruz na testa do moribundo sertanejo, deixando uma eterna cicatriz como pagamento pelo vacilo de sua denúncia e traição. O grito de Pimba é abafado por mãos fortes e firmes. O sangue escorre por sobre o nariz e a boca, ensopando a gola da camisa. Os cangaceiros soltam a vítima quase desfalecida, muito mais pelo medo que pela dor. O grupo pega uma das veredas que dava acesso a mataria fechada e some rapidamente. Pimba, ainda de joelhos, puxa um lenço do bolso, cobre o ferimento, levanta-se e, apressadamente, segue para sua casa.

O preço cobrado pela traição de Pimba saiu de bom tamanho, em outras circunstâncias, para preservar a vida dos cangaceiros, o traidor não teria sido poupado. Durante muitos anos Pimba teve que usar chapéu de couro com uma lapela cobrindo a permanente tatuagem. Uma cruz por lembrança, uma eterna marca por castigo.

Beba no: Açude do primo João



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