Como todos
sabemos, o fenômeno histórico e criminógeno do Cangaço foi derrotado
militarmente (ainda bem), tendo como marco-histórico e oficial o assassinato do
cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, que não obstante o fato de
estar aleijado de ambos os braços e obviamente segurar o mosquetão, por haver
sido baleado meses antes na cidade baiana de Paripiranga, foi alcançado pela
volante do tenente Zé Rufino (José Osório de Farias) da Polícia Militar da
Bahia, que terminou por metralhar o famoso cangaceiro, tido por muitos,
inclusive pela imprensa como o braço direito de Lampião, e também chamado de
Diabo Louro.
O fato,
ocorrido na fazenda Pulgas, em Brotas de Macaúbas, Bahia, a 25 de maio de 1940,
pôs fim à um ciclo histórico e épico de praticamente cinco séculos e que não
tenho dúvidas, foi uma das mais fortes e aguerridas formas de irredentismo
levantadas (de modo contínuo, ou seja, de caráter permanente e prolongado)
contra os valores impostos pelo colonizador europeu, e com o passar dos séculos,
a partir de quando o banditismo rural passou a operar nos sertões do Nordeste,
deu-se início aquilo que o Mestre Frederico Pernambucano denominou
magistralmente como o "divórcio litoral-sertão" - ver Guerreiros do
Sol. Violência e banditismo no Nordeste do Brasil, ora em 5.a ou 6.a edição
pela Editora A Girafa/Massangana, e considerada a obra mais completa sobre o
assunto.
Sandro Lee,
Wasterland Ferreira, João de Sousa Lima e Itamar Baracho
Contudo, o
Cangaço tornou-se bem vitorioso culturalmente, sendo seu símbolo máximo
Nordeste, Brasil e mundo afora o famoso chapéu de couro com abas enormes e
levantadas na frente e atrás e que a partir de 1930 sofreu uma estilização
riquíssima - a partir do advento das mulheres, cuja porta de entrada foi a
partir de Maria Gomes de Oliveira, a "Bonita", depois chegando Sérgia
Ribeiro da Silva, a "Dadá", mulher do mencionado cangaceiro Corisco,
que havia dois anos que estava na casa de uma tia deste. E sem ordem cronológica
também citamos Dulce Menezes dos Santos, de Criança; Nenê, fiel companheira de
Luiz Pedro; Adília, de Canário; Maria Fernandes, companheira do cangaceiro Mané
Juriti; Antonia, do Rego, mulher de Santílio Barros, o Gato; Maria dos Santos,
a Mariquinha, companheira de Ângelo Roque da Costa, o famoso Labareda, e tantas
outras -, tornando-o ainda mais bonito e atrativo, como também a todo o
conjunto do traje guerreiro do cangaceiro nordestino, que foi tão bem estudado
pelo já referenciado escritor e historiador Frederico Pernambucano de Mello que
terminou por dedicar uma obra especializada a respeito: Estrelas de Couro. A
Estética do Cangaço, ora em 3.a edição pela Escrituras Editora, sendo o quê há
de mais completo sobre a chamada "estética do Cangaço".
Aí o que vemos
hoje são as várias representações da figura histórica e épica do cangaceiro em
nossa cultura, seja através do boneco de barro esculpido pioneiramente pelo
Mestre Vitalino (in memoriam), no Alto do Moura, em Caruaru, Pernambuco,
fazendo escola; seja na formação dos grupos estilizados de Xaxado - esta é a
música, sendo a "pisada", a dança -, estilizados no que refere-se a
participação feminina na dança histórica e guerreira (surgida ainda nos tempos
da atuação do bando de cangaceiros sob o comando de Sebastião Pereira e Silva,
o Sinhô, havendo relatos de que o Xaxado teria sido criado em seu próprio
bando), onde originalmente era uma dança exclusivamente masculina.
Podemos também
apontar o uso de elementos históricos e estéticos do Cangaço na formação dos
grupos folclóricos de bacamarteiros, de que se valeu o eminente professor e
escritor pernambucano Olímpio Bonald Neto, para escrever e publicar livro
clássico: Bacamarte, pólvora e povo, recentemente reeditado pela CEPE -
Companhia Editora de Pernambuco.
E a lista de
manifestações artístico-culturais no uso da figura do cangaceiro que por tanto
tempo atuou neste Nordeste setentrional é enorme, e vale ressaltar que bem
acertado na absorção pelas vias da arte e do folclore e que hoje, ao contrário
do que foi no passado, traz alegria, entretenimento, arte e beleza plenas à
toda a população, como também riquezas materiais através dos capitais
investidos e em contrapartida advindos dessa gama de produção cultural.
Wasterland
Ferreira Leite, Recife-PE.
Pesquisador e
Membro efetivo da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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