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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O INESGOTÁVEL TEMA CANGAÇO


Como todos sabemos, o fenômeno histórico e criminógeno do Cangaço foi derrotado militarmente (ainda bem), tendo como marco-histórico e oficial o assassinato do cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, que não obstante o fato de estar aleijado de ambos os braços e obviamente segurar o mosquetão, por haver sido baleado meses antes na cidade baiana de Paripiranga, foi alcançado pela volante do tenente Zé Rufino (José Osório de Farias) da Polícia Militar da Bahia, que terminou por metralhar o famoso cangaceiro, tido por muitos, inclusive pela imprensa como o braço direito de Lampião, e também chamado de Diabo Louro. 

O fato, ocorrido na fazenda Pulgas, em Brotas de Macaúbas, Bahia, a 25 de maio de 1940, pôs fim à um ciclo histórico e épico de praticamente cinco séculos e que não tenho dúvidas, foi uma das mais fortes e aguerridas formas de irredentismo levantadas (de modo contínuo, ou seja, de caráter permanente e prolongado) contra os valores impostos pelo colonizador europeu, e com o passar dos séculos, a partir de quando o banditismo rural passou a operar nos sertões do Nordeste, deu-se início aquilo que o Mestre Frederico Pernambucano denominou magistralmente como o "divórcio litoral-sertão" - ver Guerreiros do Sol. Violência e banditismo no Nordeste do Brasil, ora em 5.a ou 6.a edição pela Editora A Girafa/Massangana, e considerada a obra mais completa sobre o assunto. 



Sandro Lee, Wasterland Ferreira, João de Sousa Lima e Itamar Baracho

Contudo, o Cangaço tornou-se bem vitorioso culturalmente, sendo seu símbolo máximo Nordeste, Brasil e mundo afora o famoso chapéu de couro com abas enormes e levantadas na frente e atrás e que a partir de 1930 sofreu uma estilização riquíssima - a partir do advento das mulheres, cuja porta de entrada foi a partir de Maria Gomes de Oliveira, a "Bonita", depois chegando Sérgia Ribeiro da Silva, a "Dadá", mulher do mencionado cangaceiro Corisco, que havia dois anos que estava na casa de uma tia deste. E sem ordem cronológica também citamos Dulce Menezes dos Santos, de Criança; Nenê, fiel companheira de Luiz Pedro; Adília, de Canário; Maria Fernandes, companheira do cangaceiro Mané Juriti; Antonia, do Rego, mulher de Santílio Barros, o Gato; Maria dos Santos, a Mariquinha, companheira de Ângelo Roque da Costa, o famoso Labareda, e tantas outras -, tornando-o ainda mais bonito e atrativo, como também a todo o conjunto do traje guerreiro do cangaceiro nordestino, que foi tão bem estudado pelo já referenciado escritor e historiador Frederico Pernambucano de Mello que terminou por dedicar uma obra especializada a respeito: Estrelas de Couro. A Estética do Cangaço, ora em 3.a edição pela Escrituras Editora, sendo o quê há de mais completo sobre a chamada "estética do Cangaço".

Aí o que vemos hoje são as várias representações da figura histórica e épica do cangaceiro em nossa cultura, seja através do boneco de barro esculpido pioneiramente pelo Mestre Vitalino (in memoriam), no Alto do Moura, em Caruaru, Pernambuco, fazendo escola; seja na formação dos grupos estilizados de Xaxado - esta é a música, sendo a "pisada", a dança -, estilizados no que refere-se a participação feminina na dança histórica e guerreira (surgida ainda nos tempos da atuação do bando de cangaceiros sob o comando de Sebastião Pereira e Silva, o Sinhô, havendo relatos de que o Xaxado teria sido criado em seu próprio bando), onde originalmente era uma dança exclusivamente masculina.



Podemos também apontar o uso de elementos históricos e estéticos do Cangaço na formação dos grupos folclóricos de bacamarteiros, de que se valeu o eminente professor e escritor pernambucano Olímpio Bonald Neto, para escrever e publicar livro clássico: Bacamarte, pólvora e povo, recentemente reeditado pela CEPE - Companhia Editora de Pernambuco.

E a lista de manifestações artístico-culturais no uso da figura do cangaceiro que por tanto tempo atuou neste Nordeste setentrional é enorme, e vale ressaltar que bem acertado na absorção pelas vias da arte e do folclore e que hoje, ao contrário do que foi no passado, traz alegria, entretenimento, arte e beleza plenas à toda a população, como também riquezas materiais através dos capitais investidos e em contrapartida advindos dessa gama de produção cultural.

Wasterland Ferreira Leite, Recife-PE.
Pesquisador e Membro efetivo da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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