Por José Romero de Araújo Cardoso
Sebastião
Pereira e Silva (Sinhô Pereira) ocupa posição destacada na grande saga do
cangaço nordestino, tendo sido um dos seus comandantes. Era neto de Andrelino
Pereira, o Barão do Pajeú. Em suas andanças pelo sertão, na vida bandoleira,
Sinhô Pereira se comportou como homem honesto e nobre, tendo como meta a
vingança de dois parentes, vítimas da violenta luta entre as famílias Pereira e
Carvalho, que encharcou de sangue e ódio o vale do Pajeú, desde o ano de 1848.
Sob o comando
de Sinhô Pereira, como chefe de cangaço, esteve Joaquim Laurindo de Sousa,
cearense nascido em Mssão Velha no ano de 1898, que passou a ser conhecido pelo
apelido de Moreno, devido a cor da sua pele. Ele se destacou como cabra de
confiança do seu chefe, entre tantos que compunham o bando cangaceiro.
Antes de
ingressar no cangaço, sob as ordens de Sinhô Pereira, Joaquim Laurindo residiu
na fazenda Bom Nome, na comarca de Vila Bela (hoje Serra Talhada, Estado de
Pernambuco), de propriedade de João (Janjão) Pereira, irmão de Sinhô Pereira,
onde conheceu e fez amizade com muitos cangaceiros, mais tarde seus
companheiros na vida bandoleira.
Numa festa no
Bom Nome, Joaquim Laurindo conheceu, em meados de 1914, uma moça de nome Luísa
Alves Batista, filha do vaqueiro Tomás, misto de agregado e capataz da fazenda
Pitombeira, também situada na comarca e Vila Bela, pertencente a Antônio
Pereira, filho do Barão do Pajeú e tio de Sinhô Pereira. Havia inimizade entre
os dois por causa de divergências corriqueiras.
Desde logo,
Joaquim Laurindo começou a namorar a filha do vaqueiro Tomás, contra a vontade
do “Coronel” Antônio Pereira, que para ela tinha um outro pretendente ao
casamento. Luísa estava decidida a se unir por laço matrimonial ao jovem
cearense de Missão Velha, o que de fato aconteceu, acompanhando-o até o fim de
sua jornada de infortúnios.
Luísa Alves
Batista nasceu no dia 25 de agosto de 1894, na fazenda Pitombeira, onde se
criou, possuindo razoável grau de instrução para a época. Como Joaquim Laurindo
era analfabeto, ela logo tratou de alfabetizá-lo aos pouco, conseguindo bons
resultados.
Apesar da
oposição do “Coronel” Antônio Pereira, Luísa e Joaquim Laurindo se casaram em
1916 e foram residir na fazenda de Janjão Pereira, porque nenhum outro
proprietário de terras da comarca de Vila Bela ousaria aceitar o casal como
seus moradores, para não desagradar o intransigente dono da fazenda Pitombeira.
Logo após o
casamento, deu-se o ingresso de Joaquim Laurindo no bando de Sinhô Pereira,
pois a fazenda Bom Nome era um dos coitos preferidos pelo grupo. Um outro local
de concentração de cangaceiros na comarca de Vila Bela, era a fazenda Abóboras,
pertencente ao “Coronel” Marçal Florentino Diniz, mais tarde propriedade do
“Coronel” José (Zé) Pereira Lima, genro e cunhado do antecessor.
Então, já com
o apelido de Moreno, Joaquim Laurindo serviu lealmente a Sinhô Pereira em seus
propósitos cangaceiros. No bando, Moreno conheceu e conviveu com importantes
companheiros, entre os quais Virgulino Ferreira da Silva (Lampião) e seus
irmãos.
A primeira
retirada de Sinhô Pereira para o Estado de Goiás ocorreu em dezembro de 1918.
Por isto, Moreno decidiu abandonar o cangaço, indo se fixar no Barro (Estado do
Ceará), onde não chegou a desfrutar da proteção do “Major” José Inácio de
Sousa. Em março de 1920, com o retorno de Sinhô Pereira ao sertão do Pajeú,
Moreno voltou à vida cangaceira, nela permanecendo na companhia do seu chefe,
até que largou em definitivo o cangaço e regressou a Goiás, o que se deu no dia
8 de agosto de 1922. Em decorrência disto, o bando passou a ser comandado por
Lampião.
Moreno, então,
recebeu convites entusiásticos, da parte do novo chefe, para permanecer no
cangaço, não os tendo levado em consideração. Tal recusa lhe trouxe a aversão
de Lampião. Depois disso, Moreno e sua família passaram a morar na fazenda Saco
dos Caçulas, pertencente a Marcolino Pereira Diniz, situada nas proximidades do
povoado Patos de Irerê, no município de Princesa (Estado da Paraíba). Ele logo
mereceu a confiança de todos que ali viviam, dedicando-se tão-somente à
agricultura e ao pastoreio. Por sua vez, Luísa muito se aproximou da senhora
Alexandrina Pereira Lima (Dona Xandu), esposa e sobrinha do “Coronel” Zé
Pereira Lima, a ponto de se tornar a sua queijeira preferida.
Na fazenda
Saco dos Caçulas, Luísa tratou do calcanhar de Lampião, com ervas medicinais
recomendadas pelo doutor Severiano Diniz, após o tiro que o bandido recebeu da
volante de Teófanes Ferraz Torres.
Naquela época,
o município de Princesa era procurado por cangaceiros de todas as procedências,
o que explica os freqüentes encontros de Moreno com os seus antigos
companheiros. Antônio Augusto Correia (Bagaço e depois Meia-Noite) foi um dos
bandidos que compunham o bando de Sinhô Pereira. Durante algum tempo ele se
fixou em Patos de Irerê, trabalhando nas moagens dos engenhos de rapadura e
aguardente do “Coronel” Marçal Florentino Diniz. De dia era um simples
trabalhador nos canaviais e moendas, voltando a ser bandido à noite, quando
roubava propriedades rurais de outros municípios, razão do seu segundo apelido.
Engajado no
bando cangaceiro chefiado por Chico Pereira, Chico Lopes e os irmãos de Lampião
(Antônio e Levino Ferreira), Meia-Noite se encontrava entre os cabras que
atacaram a cidade de Sousa (Estado da Paraíba), no dia 27 de julho de 1924. Juntamente
com o cangaceiro Paizinho, ele cometeu os maiores desatinos contra o juiz de
Direito daquela comarca sertaneja.
De regresso ao
município de Princesa, Meia-Noite se casou com uma mulata, Maria Alexandrina
Vieira, filha de um morador do Saco dos Caçulas, o que ocorreu sob os protestos
do Padre Floro Florentino Diniz.
Perseguido por
forças volantes, Meia-Noite e sua esposa se homiziaram no sítio Tataíra,
situado em área fronteiriça dos municípios de Princesa e Triunfo (Estado de
Pernambuco). Ali, uma tropa de cachimbos contratada pelo “Coronel” Zé Pereira
lhes deu cerco numa casa-de-farinha, resultando em intenso tiroteio. Meia-Noite
e sua mulher resistiram galhardamente, tendo ele abandonado o refúgio somente
quando as forças policiais e civis aquarteladas na serra do Pau Ferrado,
comandada pelos Tenentes Manuel Benício, Clementino Quelé e Francisco de
Oliveira, se deslocaram para o sítio Tataíra, formando um efetivo de 84 homens
cercando o cangaceiro. Este fugiu após ter deflagrado 496 cartuchos de fuzil
Mauser DWN, modelo 1912. Maria Alexandrina foi presa e escoltada para a cadeia
da cidade de Princesa (Almeida, 1926: 65-67).
Com muito
esforço, ferido gravemente, Meia-Noite conseguiu chegar ao Saco dos Caçulas,
onde Luísa Alves Batista o atendeu compadecida, dando-lhe uma cuida d´água. De
imediato, o bandido foi transportado para local ermo e afastado da sede da
fazenda, onde foi assassinado por um cabra conhecido por Tocha, ou Antônio
Lalau, morte ordenada por Manuel Lopes Diniz. Este era inspetor de quarteirão
do povoado de Patos de Irerê, sendo homem da inteira confiança de Marcolino
Pereira Lima e chefe da guarda pessoal do “Coronel” Zé Pereira Lima.
Lampião acusou
Moreno de ser cúmplice da morte de Meia-Noite, o que não era verdade. Segundo
consta, Moreno apenas acompanhou a esposa do cangaceiro até a cadeia de
Princesa, como medida de proteção, pois ela estava em mãos de verdadeiras feras
humanas. Com a experiência adquirida na militância no cangaço, Moreno deve ter
pressentido a fúria de vingança implacável que poderia se abater sobre ele,
pois bem conhecia a personalidade e a periculosidade de Virgulino Ferreira da
Silva (Lampião). Por isso, tratou logo de se engajar em forças volantes
aquarteladas em Princesa, em campanha de combate ao banditismo, forte e
ostensivamente organizada pelo governo do Estado da Paraíba, na presidência de
João Suassuna (1924-1928).
Moreno
permaneceu como soldado até a eclosão da revolta de Princesa, quando desertou
da sua tropa para servir sob o comando dos chefes da sedição.
Comandado por
Marcolino Pereira Diniz, ele encontrou na luta armada antigos companheiros do
bando de Sinhô Pereira, entre os quais se destacaram os cabras Luís do
Triângulo e Chocho. Tornou-se um dos maiores cabos-de-guerra, tendo participado
da tomada de Patos de Irerê, pois esta localidade foi invadida por forças
legalistas, com o objetivo de transformar em reféns os membros de famílias
importantes ali residentes.
Era intenção
de tais forças legalistas marchar em direção a Princesa, usando mulheres reféns
como escudos humanos. Entre estas se encontrava a senhora Alexandrina (Xandu)
Douetts Diniz, esposa de Marcolino Pereira Diniz, acompanhada de outras
mulheres de tradicionais famílias de Princesa.
Na luta pela
posse de Patos de Irerê, a tropa da Polícia Militar da Paraíba sofreu as
maiores baixas, pois foram devastadoras as investidas dos sediciosos, para
libertação dos reféns, resultando na derrota dos legalistas, comandados pelo
Tenente Raimundo Nonato.
Moreno também
participou do cerco ao povoado Tavares, onde se desenrolaram lances trágicos e
desumanos. Os revoltosos usaram de todos os artifícios para dizimar a coluna
legalista ali aquartelada, ficando oficiais e soldados em condições vexatórias
até o final da luta.
Após o
assassinato de João Pessoa, ocorrido em 26 de julho de 1930, Moreno perambulou
com a família pelos sertões de Pernambuco e Alagoas, indo se fixar no povoado
alagoano de Matinha de Água Branca.
Há tempos
Lampião estava agindo na área fronteiriça dos Estados de Pernambuco e Alagoas,
onde quase conseguiu por as mãos no “Coronel” Zé Pereira Lima, quando este
palmilhava o sertão, juntamente com o mestre Abílio da Metralhadora, fugindo da
fúria vingadora dos liberais, fanatizados com a vitória da Revolução de 1930.
Ao saber que
Moreno estava residindo em sua área de atuação, renasceu o ódio que Lampião
tinha pelo antigo companheiro de cangaço. Na fazenda Croatá, situada nas
proximidades de Matinha de Água Branca, propriedade de João Marques Sandes,
ligado por laços de parentesco à Baronesa de Água Branca, Moreno viveu
aparentemente sossegado, co a sua família, até o dia 13 de fevereiro de 1936.
Na fatídica noite daquele dia, Lampião com a sua caterva o aprisionou em sua
própria casa. Em seguida, foi amarrado e minuciosamente inquirido em frente a
uma fogueira acesa pelo bando. Depois, Moreno foi fuzilado, tendo o serviço
sido executado pelo cangaceiro Chumbinho.
Dessa forma,
Lampião agia inexoravelmente com os seus desafetos, independentemente de
qualquer projeção espacial ou temporal. Como sempre acontecia, sua vingança era
implacável e terrível. Para Lampião, apenas a morte pagava uma traição.
Em carta
datada de 3 de março de 1978, procedente de Lagoa Grande, distrito de
Presidente Olegário (Estado de Minas Gerais), dirigida a Luísa Alves Batista,
Sinhô Pereira confessa que já não tinha boa vontade com Lampião, devido aos
assassinatos de Zé Nogueira e Moreno. A morte de Zé Nogueira foi um episódio
hediondo, protagonizado por Lampião e seu irmão Antônio, tendo ocorrido o crime
no dia 23 de fevereiro de 1926, na fazenda Serra Vermelha (Serra Talhada –
Estado de Pernambuco).
Agradecimentos:
Agradeço as entrevistas que me concederam Madalena de Sousa, Rita Maria de
Sousa e José Laurindo de Sousa, filhos de Joaquim Laurindo de Sousa (Moreno) e
Luísa Alves de Sousa. Igualmente agradeço a Hermosa Goes Sitônio, Belarmino
Medeiros e Zacarias Sitônio, testemunhas oculares dos fatos históricos ocorridos
em Princesa, referidos neste estudo, pelas entrevistas a mim concedidas.
Bibliografia
selecionada Entrevistas pessoais: Medeiros, Belarmino. João Pessoa, 15 de maio
de 1993 Sitônio, Hermosa Goes. João Pessoa, 15 de maio de 1993 Sitônio,
Zacarias. João Pessoa, 15 de maio de 1993 Sousa, José Laurindo de. João Pessoa,
13 de junho de 1993 Sousa, Madalena de. João Pessoa, 21 de abril de 1993 Sousa,
Rita Maria de. João Pessoa, 21 de abril de 1993 Referência bibliográfica
Almeida, E. – 1926 – Lampeão – sua história. Imprensa Official, 130 pp., [6]
est., Parahyba (João Pessoa). (*) Geógrafo (UFPB). Professo-adjunto do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA/UERN).
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