*Rangel Alves da Costa
O que se conhece por família vem, ao longo dos anos, passando por tamanhas transformações que atualmente se torna até difícil encontrar uma conceituação que se aproxime de sua realidade.
Com efeito, o que se observa é uma divergência entre os conceitos e as realidades. Juridicamente, família pode ser definida como o conjunto de pessoas que descendem de um tronco ancestral comum. Ou ainda como o conjunto de pessoas ligadas por um vínculo de sangue. Neste sentido, fazem parte da família toda a raiz ancestral, desde os bisavôs, tataravôs, etc.
Em sentido comum, família pode ser conceituada como o núcleo familiar formado pelos pais e filhos, englobando as raízes paternas dos pais, bem como os laços consanguíneos destes. Significa que a família seria um núcleo formado por pais e filhos, avôs, tios, sobrinhos, etc. De qualquer modo, o que caracteriza a linhagem familiar é o vínculo sanguíneo existente entre os seus membros.
A divergência é mais reconhecível quando se observa o entendimento comum sobre família. A conceituação ampla diz que a família é formada por um ancestral comum, através de vínculo sanguíneo, o que significa uma olhar para um passado distante de parentesco, que vem desde os pais do pai e da mãe, os pais daqueles, ainda os seus pais, e assim por diante, sempre em direção ao passado. Já o entendimento comum é bastante diferenciado.
Diferenciado por que geralmente considera a família apenas como o núcleo familiar existente a partir de um lar, ou seja, desde o pai e da mãe. Daí os laços sanguíneos nascidos com os filhos, os netos, os bisnetos. Ou seja, como se a família não tivesse nascido de outras raízes, dos pais dos pais, mas somente a partir do surgido após um casamento ou uma união. Por isso mesmo que atualmente a pessoa, ao dizer que é de determinada família, diz apenas que é filho, por exemplo, de João e Maria.
Que situemos, então, a família como um conjunto formado por pessoas nascidas num mesmo lar e formada pelos pais e pelos filhos. Tal recorte será necessário para que melhor se conheça o que move e o que nega este núcleo tão pequeno e de tão difícil compreensão. E logicamente que considerando a realidade atual, vez que, como dito, os tempos modernos desfiguraram totalmente a antiga feição familiar. A família de hoje, na maioria das situações, sequer se aproxima da família de outros tempos.
Para uma ideia da família de antigamente, preciso que se diga que era alicerçada no respeito e na consideração. Filhos eram filhos que obedeciam aos pais. Pais eram pais que, até mesmo de modo exagerado, educavam e cuidavam dos seus até mesmo na idade adulta. As famílias sentavam à mesa nas refeições, os pais conheciam as amizades e os problemas dos filhos, os pais acompanhavam a vida escolar dos seus, os pais mantinham seus filhos como se através de um caderno de deveres e obrigações. Nada de chegar além da hora, nada de viver em más companhias, nada de enveredar pelos maus costumes. Havia diálogo entre pais e filhos e estes jamais se esqueciam de pedir a benção aos seus genitores.
Na região sertaneja, por exemplo, o namoro de antigamente só acontecia com a permissão dos pais. Ainda assim os encontros somente aconteciam nas residências familiares, em cadeiras separadas e sob a observação do pai ou da mãe. Nada de namoros escondidos nem gravidez antes do casamento. Até para namorar tinha de pedir a mão da moça. Depois do namoro firme até de anos, o noivado era antecedido de anel de compromisso. Somente após é que havia o noivado em si e a permissão para o casamento. De vez em quando tal regra era quebrada, pois o rapaz levava, no meio da noite, a moça de sua casa. Acaso isso acontecesse, o casamento tinha de ser logo feito “sob ameaça de chicote”.
E o que se tem hoje por família? O conceito certamente continua, mas a realidade do convívio entre os familiares está muito diferenciada. Muitas famílias, erroneamente tidas como conservadoras, ainda procuram manter tanto o lar como os filhos dentro dos limites do respeito e da obediência. Os filhos respeitam os pais e estes não aceitam que suas lições sejam simplesmente rasgadas depois da porta da frente. Os filhos, mesmo convivendo em meio ao novo e aos modismos, ainda assim conhecem bem os limites que são impostos pelos genitores.
Famílias existem, contudo, que se descaracterizam de tal forma que nem os pais cuidam dos filhos nem os filhos respeitam os pais. Filhos são colocados ao mundo como bichos de cria ou objeto qualquer. Os pais não perguntam onde andam, o que fazem, o que pretendem da vida. Os filhos tratam seus pais como estranhos e muitas vezes passam dias ou semanas sem uma palavra sequer. Entram e saem de casa como se ali estivessem apenas desconhecidos.
Por que assim acontece? Ora, falta de berço, falta de criação, falta de cuidado. Filho só se desgarra dos pais quando estes primeiros se desgarram dos seus. Pais que não amam e não cuidam dos seus desde a primeira idade, certamente não amarão nem cuidarão depois. Por consequência, os filhos acabam se tornando aquilo que os pais desejaram: ausentes, desobedientes, estranhos naquilo que se chama de lar. Pais que agem assim sequer se preocupam se já está tarde e o seu ainda não retornou.
Mas nem tudo se perdeu. Família é conceito tão forte que vai além de mero parentesco e linhagem de sangue. Não é apenas um vínculo de sobrenome, mas um vínculo de coração. Família é a primeira amiga, é a mais fiel conselheira, é amais protetora que possa existir. Quando o mundo parece desabar, é a família que se faz presente como auxílio e amparo. É na família, pois, que o ser humano expressa suas melhores virtudes. E dai ao mundo, com honradez e caráter.
Escritor
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