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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A Saga Nordestina na música de Luiz Gonzaga

Por: Juliana Pereira Ischiara

Foram quarenta e oito anos de “chão” percorrido por Luiz Gonzaga, também chamado de “Lula”, “Lua”, “Luiz”, e “Gonzagão”, numa obra poético-musical que tinha como finalidade enfatizar o sertão, ao qual fora obrigado a deixar em plena adolescência.
Assim como muitos sertanejos, Luiz Gonzaga migrou para a cidade grande em busca de sobrevivência e de uma qualidade de vida melhor, do mesmo modo que Chico Bento, de O Quinze, da Rachel de Queiroz, que largou tudo em busca da sobrevivência deixando seu torrão natal, como também Fabiano, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que pega toda família e parte sem destino definido, em busca de algo que lhe garanta a sua sobrevivência e a de sua família.
São muitos os personagens encontrados na literatura e na historiografia que tratam dos problemas enfrentados pelos nordestinos nos períodos de estiagem. Nordestinos que deixavam seu mundo em busca de ajuda do governo ou de serviço que lhes garantisse a sobrevivência.
Mas o Nordeste não é só desgraça, fome, miséria e calamidades. O sertão nordestino também tem riqueza, fartura nos períodos de chuva, forró em salas de reboco, cabra valente, muié séria, home trabaiadô, padim Cíço, lua branca, Asa Branca, Assum Preto, Samarica Parteira, Karolina com K, briga no forró de Mané Vito, festa de mourão (gado), Lampião, o cheiro de Carolina, festa de casamento, tem muié que não faia no trato, Doutô e Coroné, político safado e enganador. O sertão é assim mesmo, tem jeito não.
Quando o sertanejo deixa o sertão, não esquece seu lugar e sempre pensa em voltar, mesmo levando um saco como malota e o cadeado sendo um nó. Ele leva também sua riqueza cultural, leva o triângulo, o zabumba o gonguê e o matulão. Leva sua culinária com a carne seca, a carne do sol, a farinha e o baião-de-dois. Como expressou Euclides da Cunha, em Os Sertões, “o nordestino é antes de tudo um forte”. Quando o sertanejo está longe e escuta “o ronco do trovão, mais minino, ele volta tinindo. Vem botar uma rocinha que é pro mode dá uma casada, nos período de missão, que é mais barato”. É preciso nascer no sertão para saber dessas coisas.
Luiz Gonzaga se inspirava na saudade que sentia do sertão e de sua vivência de sertanejo, sofrida, amarga, romântica, valente e sensível. O certo é que, sem pudor nem piedade, ele mandou “brasa”, divulgando seu sertão, seja lá como fosse, com ou sem sofrimento, pois, o sertão é amado, sofrido, seco, triste, verde e alegre. Um universo com suas imensas diversidades, mas, o sertão é também orgulho.
O repertório de Lula, não trata só das festas juninas, amores achados e perdidos, tristezas e alegrias, mas das injustiças sociais, da crítica às políticas públicas e à má distribuição de renda.
O Brasil inteiro escuta o eco da sanfona e a voz de um nordestino, que migrou para o Sul em busca de sobrevivência e acabou dando certo na vida. Salas nobres, como as do palácio do Catete, tocam a música nordestina e com pretensões do tipo: “Eu vou mostrar prá vocês como se dança o baião, e quem quiser aprender é favor prestar atenção.” (Baião, Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira, 1946)
A saga nordestina na música de Luiz Gonzaga, pretende analisar a representatividade do homem do sertão nordestino, no universo poético e musical criado por Luiz Gonzaga e alguns parceiros importantes, e divulgados pelo seu canto no qual o Rei do Baião se fez porta-voz de uma cultura, muitas vezes, fadada a uma ótica folclórica. E é nesse universo gonzagueano que encontramos elementos que caracterizam o nordestino, quando ele se refere às experiências desses homens, tanto no meio rural quanto no meio urbano. Quando o nordestino sai do plano regional e parte para um plano nacional, no caso a cidade grande, ele vai em busca de sobrevivência nos períodos de seca ou de uma vida melhor. Nesse novo espaço tido como “um mundo moderno e desenvolvido”, depara-se com uma diversidade cultural bastante diferente da que ele havia vivido até então.
Para contextualizar a explicação da saga nordestina no cancioneiro de Luiz Gonzaga, optamos, inicialmente, pela contextualização do Nordeste histórico e geográfico, para chegar à própria figura do artista no seu modo de “ver, viver e sentir” esse Nordeste amado.
No primeiro capítulo, procuramos fazer um breve histórico do sertão desse nordestino, enfocando a sociedade originada da pecuária, responsável pelo povoamento do interior; a relação do homem com a religião, com seus fundamentos messiânicos, que fizeram surgir muitos profetas e ‘messias’, homens que se diziam representantes de um poder divino e que usavam a religião em benefício próprio, a exemplo de padre Cícero de Juazeiro do Norte. As festividades, também, estão diretamente ligadas à religiosidade, no caso das festas juninas, talvez as principais e mais tradicionais do Nordeste, que também faz ligação com o calendário agrícola, com sua época de fartura e de comemorações e, por fim, a expressão religiosa de caráter fundamentalista, pois, o sertanejo se acha responsável pela seca e pelos invernos, tudo dependendo da forma como oraram e dos pecados que cometeram.
No segundo capítulo, buscamos mostrar o nordestino retirante e os sentimentos desses homens em relação à sua terra natal, a saudade dos que tiveram que sair do lugar onde nasceram e viveram boa parte de suas vidas e a representação do sertão no imaginário desse sertanejo, que tem esperança de voltar aos primeiros sinais de melhora, pois o sertão não é só tristeza, fome ou miséria, é também riqueza, fartura e beleza. Enfocamos o Ciclo da Borracha, que encontrou no Nordeste sua mão-de-obra barata, dando início a uma ação que até hoje vivenciamos, que é a migração temporária, com homens jovens que partem em busca de uma condição econômica melhor, deixando para traz a família, mulher e filhos, levados pelos efeitos propagandistas.
No terceiro capítulo, identificamos e analisamos a saga nordestina na música de Luiz Gonzaga, abordando as relações do homem com seu meio e, principalmente, tentando compreender como o sertanejo vive, vê e sente o sertão, buscando entender este deslocamento para a cidade em busca da sobrevivência e o choque cultural sentido por estes homens ao se depararem com uma cultura diferente e tendo que adequar-se a uma nova vida, passando a sofrer influência dessa cultura para poder facilitar sua permanência neste novo meio, tendo que urbanizar-se para conquistar seu espaço.
Quando o homem nordestino sai do seu lugar de origem e entra em outro universo, ele leva consigo o que seria, em nossa opinião, a maior forma de representação de um povo, sua cultura e a forma de como esse povo vive e se relaciona com seu meio, com o outro indivíduo e em sociedade, formando um conjunto de detalhes que se contrapõem.
Procuramos mostrar como o migrante Gonzaga sentiu essas relações, poetizando-as e musicando-as, junto com seus parceiros, mantendo viva a sua cultura, abordando temas corriqueiros do sertão nordestino como secas, crendices, religião, festas, etc., e a influência que ele sofre quando entra em contato com uma outra sociedade, tida como evoluída, do ponto de vista tecnológico e social. É neste momento que ele precisa assimilar este novo modelo cultural, mesclando com o seu e impedindo que a sua cultura desapareça.

Monografia apresentada no Curso de História da UECE, campus de Fortaleza. 2003.
Juliana Pereira Ischiara

Nascida na zona rural do município de Itapiúna - CE. Filha de João Osório Pereira e Maria Audelice Pereira. Casada com Julio Cesar Ischiara. Licenciada em História pela Universidade Estadual do Ceará - UECE, tendo Participado do Grupo de pesquisa: História e Oralidade e defendido dois trabalhos na mesma Universidade, sendo eles: A Saga Nordestina na Música de Luiz Gonzaga; Oficinas e charqueadas no Ceará. Autora do artigo "História da Santa Casa: Ceará", publicado pelo Ministério da Saúde. Cursa Direito na FCRS, onde já defendeu dois trabalhos na semana científica, "Penas alternativas de Direito" e "Um tratado sobre ética". Atualmente, assessora o Instituto de Previdência de Quixadá-CE. Colaboradora da SBEC.
Nota: Atualmente Juliana Ischiara também é formada em Direito, exercendo a profissão há mais de dois anos.

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