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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Poeta Antônio Francisco lança blog

Poeta Antonio Francisco


Em 15 de Maio de 2006, tomou posse na Academia Brasileira de Literatura de Cordel, na cadeira de número 15, cujo patrono é o saudoso poeta cearense Patativa do Assaré. A partir daí, já vem sendo chamado de o “novo Patativa do Assaré”, devido à cadeira que ocupa e à qualidade de seus versos.
AQUELA DOSE DE AMOR

(do livro
DEZ CORDÉIS NUM CORDEL SÓ, Ed. Queima-Bucha, Mossoró, 2006) - Antonio Francisco

 

Um certo dia eu estava
Ao redor da minha aldeia
Atirando nas rolinhas,
Caçando rastros na areia,
Atrás de me divertir
Brincando com a vida alheia.

Eu andava mais na sombra
Devido ao sol muito quente,
Quando vi uma juriti
Bebendo numa vertente.
Atirei, ela voou.
Mas foi cair lá na frente.

Carreguei a espingarda,
Saí olhando pro chão,
Procurando a juriti
Nos troncos do algodão,
Quando surgiu um velhinho
Com um taco de pão na mão.

O velho disse: - “Senhor,
Não quero lhe ofender,
Mas se está com tanta fome
E não tem o que comer,
Mate a fome com este pão,
Deixe este pássaro viver.”

Eu disse: - Muito obrigado,
Pode guardar o seu pão...
Eu gasto mais do que isso
Com a minha munição.
Eu mato só por prazer,
Eu caço por diversão.

O velho disse: -“É normal
Esse orgulho do senhor
E todo esse egoísmo
Que tem no interior.
É porque falta no peito
Aquela dose de amor.

Se eu tivesse botado
Ela no seu coração,
Você jamais mataria
Um pardal sem precisão,
Nem dava um tiro num pato
Apenas por diversão.”

Eu fiquei muito confuso
Com as frases do ancião.
Aquelas suas palavras
Tocaram meu coração
Derrubando meu orgulho
E a vaidade no chão.

Me vali da humildade
E disse: - Perdão, senhor,
Desculpe a minha arrogância,
Mas lhe peço um favor,
Que me conte essa história
Sobre essa dose de amor.

O velho disse: - “Pois não.
Vou explicar ao senhor
Porque mesmo sem querer
Sou o maior causador
De hoje em dia o ser humano
Ser tão carente de amor.

Isso tudo aconteceu
muitos séculos atrás
Quando meu Pai fez o mundo
Terra, mares, vegetais.
Me pediu pra lhe ajudar
No último dos animais.

Pai me disse: - ‘Filho, eu fiz
Da formiga ao pelicano;
Botei veneno na cobra,
Bico grande no tucano,
Agora estou terminando
Este animal ser humano.

Mas ficou meio sem graça
Este animal predador...
O couro não deu pra nada,
A carne não tem sabor,
Na cabeça tem juízo,
Mas, no peito, pouco amor.

Por isso que eu lhe chamei
Pra você lhe consertar,
Botar mais amor no peito,
Lhe ensinar a amar
E tirar dessa cabeça
O desejo de matar’.

Depois disse: - ‘Filho, vá
Amanhã lá no quintal,
No
casa dos sentimentos,
Perto do pote do mal...
Traga a dose de amor
E bote nesse animal’.

De manhã eu fui buscar
Aquela dose sozinho,
Mas na volta me entreti
Brincando com um passarinho
Perdi a dose do amor
Numa curva do caminho.

Quando eu notei que perdi,
Voltei correndo pra trás,
Procurei em todo canto,
Mas cadê eu achar mais.
Aí eu fiz a loucura
Que toda criança faz.

Voltei, peguei outra dose
Igualzinha a do amor,
O vidro da mesma altura,
O rótulo da mesma cor...
Cheguei em casa e botei
No peito do predador.

Mas logo no outro dia
Meu pai sem querer deu fé
Do animal ser humano
Chutando o sapo com o pé
E no outro ele mangando
Dos olhos do caboré.

Vendo aquilo pai chorou,
Ficou triste, passou mal,
Me chamou e disse: - ‘Filho,
O bicho não tá normal.
O que foi que você fez
No peito desse animal?’

Quando eu contei a verdade
De tudo aquilo que eu fiz
Pai disse tremendo a voz:
- ‘Eu sei que você não quis,
Mas você botou foi ódio
No peito desse infeliz.

Esse bicho inteligente
Com esse ódio profundo,
Com pouco amor nesse peito
Não vai parar um segundo
Enquanto não destruir
A última célula do mundo.

Depois daquelas palavras,
Chorei como um santo chora.
Quando foi à meia-noite
Eu saí de porta afora
E nunca mais eu pisei
Na casa que meu pai mora.

Daquele dia pra cá
É esta a minha pisada,
Procurando aquela dose
Em todo canto da estrada,
Pois, sem ela, o ser humano
Pra meu pai não vale nada.

Sem ela, vocês humanos
Não sabem dar sem pedir,
Viver sem hipocrisia,
Ficar por trás sem trair
Nem distante do poder
Nem discursar sem mentir.

Sem ela, vocês trucidam
E batizam os crimes seus.
Na era medieval
Queimaram bruxas e ateus
E perseguiram os hereges
Usando o nome de Deus.

Sem ela, foram pra África
E fizeram a escravidão...
Com os grilhões do preconceito
Escravizaram o irmão
Com a espada na cintura
E uma bíblia na mão’.

O velho disse: - “Perdoe
Ter tomado o tempo seu.
Consertar vocês, humanos,
É um problema só meu.”
Aí o velho sumiu
Do jeito que apareceu.

E eu fiquei ali em pé
Coçando o queixo com a mão,
Pensando se era verdade
As frases do ancião
Ou se era tudo fruto
Da minha imaginação.

E naquele mesmo instante
Vi passando na estrada
A juriti que eu chumbei
Com uma asa quebrada,
Mas não tive mais coragem
De atirar na coitada.

Joguei fora a espingarda,
Voltei olhando pro chão
Procurando aquela dose
Nos troncos do algodão
Pra guardá-la com carinho
Dentro do meu coração.

Se acaso algum de vocês
Tiver a felicidade
De encontrar aquela dose,
Eu peço por caridade
Derrame todo o sabor
Daquela dose de amor
No peito da humanidade.


Biografia
Antônio Francisco Teixeira de Melo (Mossoró, 21 de outubro de 1949) é um cordelista potiguar. É filho de Francisco Petronilo de Melo e Pêdra Teixeira de Melo. Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Poeta popular, cordelista, xilógrafo e compositor, ainda confecciona placas.
Aos 46 anos, muito tardiamente, começou sua carreira literária, já que era dedicado ao esporte, fazia muitas viagens de bicicleta pelo Nordeste e não tinha tempo para outras atividades. Muitos de seus poemas já são alvo de estudo de vários compositores do Rio Grande do Norte e de outros estados brasileiros, interessados na grande musicalidade que possuem.

Fonte:
   
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3B4nio_Francisco_Teixeira_de_Melo

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