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sábado, 2 de junho de 2012

O Banditismo nos Sertões do Nordeste

Por: Lemuel Rodrigues
Lemuel Rodrigues, Sandro Leonel e Danielle Esmeraldo

O banditismo sempre gerou o interesse e alimentou a fantasia do povo. O homem ou a mulher que vive às margens da lei como um celerado errante desperta na população, atração e admiração, certo fascínio por aquela vida “livre” das restrições impostas pela sociedade. Basta lembrar o que representa Robin Hood para os ingleses, Jesse James, para os americanos, Pancho Villa para os mexicanos e, como não poderia ser diferente, Lampião para nós brasileiros.

A vida desses homens é contada em verso e prosa, sem a preocupação com a história, seus feitos “heroicos”, exageradamente narrados pelos contadores de estórias, ajudaram a mitificar tais personagens. No caso específico do Brasil, as bravuras de Lampião, que são narradas pela literatura de cordel, por exemplo, contribuem sobremaneira para mitificá-lo. Essas narrativas sem uma preocupação histórica exigem uma atenção especial. Ao invés da ênfase ao bandido, era preciso estudar a realidade de suas vidas e a sociedade na qual viveram e morreram. Daí o motivo pelo qual precisamos retroagir no tempo e no espaço e procurarmos entender as ações desses agentes históricos que são os cangaceiros. Tomaremos como referência a colonização, em especial a expansão territorial através da criação extensiva do gado.


As grandes famílias que ocuparam os sertões do Nordeste no período colonial, através da atividade acima citada, mantiveram sob seu controle bandos de homens, muitos dos quais vivendo em suas terras, como “morador” ou “agregado” em troca de “serviços” ocasionais. Eram comuns, entre as famílias que dominavam os sertões, conflitos gerados muitas vezes por questões de terra, gado, liderança política, herança, casos amorosos ou qualquer outra pendenga, o que exigia delas a permanência de “seus homens” sempre em prontidão para uma eventual “guerra de famílias”, como por exemplo, na luta entre os Pereiras e Carvalhos na zona do Pajeú de Flores, em Pernambuco, bem como os Cunhas e Patacas, no Ceará; Dantas e Carvalhos Nóbrega, na Paraíba, e tantas outras espalhadas pelo Brasil.

Destacaremos a titulo de ilustração o conflito entre os Pereiras e os Carvalhos, em Pernambuco, uma vez que foi do confronto dessas duas famílias que nasceu, por volta de 1916, um dos grupos de cangaceiros mais atuantes nos sertões do Nordeste, liderado por Sebastião Pereira (Sinhô Pereira), neto do Barão de Pajeú, e seu primo Luis Padre. Os dois arregimentaram dezenas de homens e passaram a perseguir membros da família Carvalho por serem responsáveis pela morte de membros de sua família. Os Carvalhos, que naquele momento dominava a política em Pernambuco, usavam a polícia e as milícias para se defenderem, acusando seus adversários políticos e inimigos pessoais de “perigosos bandidos.” Nesse cenário de rivalidade entre as famílias, iremos perceber a ligação do cangaço com a política.

Já no período imperial, a existência de dois partidos, o liberal e o conservador, colocava em lados opostos as famílias rivais. Como afirma Queiroz (1997: 24) Quando o Partido Conservador, por exemplo, estava dominante num município ou numa região, as parentelas que compunham o Partido Liberal, seus bandos de capangas, as autoridades que pertencessem ao mesmo partido, eram consideradas “na ilegalidade”. Como tal, viam-se perseguidas, aprisionadas, dizimadas, e as autoridades administrativas destituídas de seus cargos.”


A Proclamação da República e a extinção dos partidos não foram suficientes para superar as diferenças históricas existentes entre as famílias rivais. As lutas continuam, agora enfatizando as querelas pessoais, daí o derramamento de sangue ao longo da chamada república velha em todo o país. É bem verdade que a continuidade das lutas entre as famílias não pode ser vista apenas como frutos de questões pessoais, uma vez que o fim do império e a extinção dos partidos não cessaram as disputas políticas entre os grupos. O que podemos perceber era uma nova disputa, dessa vez interna. Ainda tomando como referência Queiróz (1997: 26) Durante o Império, lutavam Conservadores contra Liberais, partidos políticos que eram nacionalmente reconhecidos. Na 1ª República, passou a existir um partido único, o Partido Republicano. A luta pela dominação local se travou, então, entre os que ocupavam os cargos político-administrativos e neles procuravam eternizar-se (oligarquias), e seus contrários, rotulados por eles como bandidos.

Com o advento da república, a tendência foi o cangaço se tornar independente dos grupos familiares, uma vez que as oligarquias no poder passaram a se utilizar de novos instrumentos de controle local, como a polícia. É bem verdade que a passagem dos grupos de cangaceiros dependentes para independentes não excluía a relação com políticos da região. Os três grandes nomes do cangaço independente, Antônio Silvino, Lampião e Corisco, mantinham boas relações com alguns chefes políticos locais, chegando ao ponto de gozar de certas regalias em suas áreas de atuação. No entanto, isso não tornava os cangaceiros elementos com habitat fixo, pois eram pessoas que viviam às margens da lei e frequentemente perseguidos pelas polícias estaduais.

Lemuel Rodrigues
Presidente da SBEC
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

NOTA CARIRI CANGAÇO: O texto acima faz parte da espetacular apresentação do professor doutor, Lemuel Rodrigues, presidente da SBEC, na abertura do Semínário Cariri Cangaço 2009, com o tema: Cangaço e Religiosidade. Convidamos a todos para acompanharem na íntegra a apresentação acessando o site oficial da SBEC:

Publicado em Novembro de 2010 no site abaixo:

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