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quinta-feira, 6 de junho de 2013

“O cangaço não acabou”,

por Severino Coelho

O crime surgiu com o aparecimento do homem na Terra e, qual sinistra sombra, sempre acompanhou e acompanhará a humanidade, não havendo fórmula mágica nem políticas públicas capazes de dizimá-lo, pois faz parte da natureza humana.

A luta permanente e insistente é tentar diminuir o seu grau de sofisticação, evitar a sua proliferação no meio social e eliminar a atividade empresarial criminosa, quando já se evidencia a criação de um Estado paralelo.

A lei do Estado Legal perdeu a sua característica de intimidação, hoje, prevalecendo com eficácia e atuação imediata o código secreto do banditismo, cuja sentença promana do calibre da pistola.

Desde as primeiras civilizações, ao cunhar a lei, esteve presente um dos seus objetivos primordiais que é limitar e regular o procedimento das pessoas diante de condutas amplamente consideradas como nocivas e reprováveis.

Um dos escritos mais antigos é o código sumeriano de "Ur-Nammu" que data de aproximadamente 2100 a.C. no qual se vêm arrolados 32 artigos que preconizavam penas para atos delitivos.

O Código de Hamurabi que é compilação maior e posterior, dentre outros regramentos penais contra o crime, adotava a chamada Lei de Talião ou a conhecida lei do olho por olho, dente por dente, que concedia aos parentes da vítima o direito de praticar contra o criminoso a mesma ofensa e, no mesmo grau por ele cometida.

Na idade média a noção de crime não era muito clara, freqüentemente confundida com outras práticas reprováveis que se verificavam nas diversas esferas legais, administrativas, contratuais, sociais (strictu sensu), e até religiosas.

A criminalidade não é uma doença curável que se encontra o remédio curador em qualquer farmácia de esquina. Apenas conhecemos os seus efeitos desastrosos que redundam em pânico e amedrontam o cidadão de bem.

Alertamos, sim, para que se alcance a extirpação da criminalidade na fase da Terra, e verdadeiramente encontremos um mundo de paz, somente no dia em que o homem acabar com a própria violência que carrega dentro de si.

Na verdade, a Sagrada Escritura, o Livro dos Livros, há praticamente dois mil anos tem registrado, pelo ensinamento deixado por Jesus Cristo: “Vocês não compreendem que nada do que vem de fora e entra numa pessoa pode torná-la impura, porque não entra em seu coração, mas em seu estômago, e vai para a privada? É o que sai da pessoa que a torna impura. Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições sem limite, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas essas coisas más saem de dentro da pessoa, e são elas que a tornam impura.” (Marcos, 7, 18-23).

Pode-se interpretar, então, que a consciência humana é quem cria os projetos, que passam a nortear as condições de vida e direcionam o viver de cada pessoa, na busca da felicidade individual.

Noutras palavras, cada pessoa possui a consciência moral, que é uma lei interna no íntimo do ser humano. Ela que lhe impõe, no momento oportuno, o fazer o bem e evitar o mal. Essa consciência moral emite um julgamento da razão, pelo qual a pessoa reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar ou vai executar ou que já o praticou.

Com a consagração do princípio nullo crimem nulla poena sine legem (não há crime sem pena prevista em lei), crime e pecado se confundiam pela persistência de um vigoroso direito canônico que às vezes confundia (e até substituía) a legislação dos Estados.

Deve-se, portanto, àquele princípio a formulação atual de várias legislações penais que, em verdade, não proíbem nenhuma prática, mas simplesmente tipificam condutas e preconizam as respectivas penas àqueles que as praticam.

Assim é correto dizer que não há lei que proíba alguém de matar uma pessoa. O que há é uma lei que tipifica esta ação definindo-a como crime, e prescreve-lhe as diversas penas aplicáveis àquele que a praticou, levando em conta as diversas circunstâncias: atenuantes ou agravantes presentes ao caso concreto.

Cumpre examinar, preliminarmente, a complexidade existente quanto à origem das organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por cada país.

Note-se que, "no Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição faz com que os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no Japão, onde as organizações que se dedicam ao controle do vício e da extorsão têm uma grande proeminência. Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e políticos".(1)

O Interessante se faz comentar que organizações criminosas, como a Máfia italiana, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o poder.

Ademais, "para o crescimento de suas atividades contaram com a conivência de autoridades corruptas das regiões onde ocorriam movimentos político-sociais". (2) Outrossim, foi relatado que o primeiro caso de terrorismo, vertente do crime organizado, ocorreu em 1855, ocasião que os anarquistas franceses atentaram contra Napoleão III, sendo que esses encontraram guarida de refúgio na Bélgica, cujos governantes recusaram-se a conceder-lhes a extradição. Tal fato originou a Lei francesa de 28 de julho de 1894.

Registre-se, ainda, que no Brasil, a associação criminosa derivou do movimento conhecido por cangaço, cuja atuação desenvolveu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX, partindo da vingança pessoal à maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além do efeito de contestação ao coronelismo desenfreado.

"Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear fazendas, vilas, e pequenas cidades, extorquindo dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou seqüestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições". (3)

Os famosos cangaceiros que ficaram registrados na história, como líderes dos bandoleiros nas caatingas nordestinas foram: Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira da Silva (Lampião), Corisco, Chico Pereira etc. eles utilizavam no enfrentamento dos ataques a tática de guerrilha.

Existiam grupos e subgrupos, comandados por homem de valentia, que numa empreitada maior, juntavam-se e invadiam as pequenas cidades interioranas. Com uma diferença tática de organização criminosa da atualidade, eles não arriscavam penetrar nas cidades de porte médio e metrópoles.

Por exemplo, a primeira vez que ousaram invadir uma cidade grande, no caso Mossoró - RN, o grupo de Lampião deu-se mal. Aos poucos, eles foram se aperfeiçoando, atualizaram os seus métodos de atuação, modernizaram os seus estratagemas, acompanharam o processo tecnológico e chegaram a invadir e dominar as regiões metropolitanas do país, inclusive com as suas ramificações internacionais.

Os subgrupos que agem nas pequenas cidades e assaltam a bancos ainda não receberam o título de graduação, a sua participação perante a cúpula dá-se através de parceria com o valor de contribuição do resultado obtido e aquisição de armamentos bélicos e substâncias entorpecentes.

O antigo e autêntico cangaceiro nordestino caracterizava-se pela sua indumentária: roupa de cáqui, chapéu de couro, com as abas quebradas para cima, duas cartucheiras cruzadas no tórax e uma cercada nos quadris, um rifle, uma pistola, um facão afiado, um bornal, um par de sandálias de rabicho, cabelos puxados à brilhantina, cordão de ouro e o pescoço envolto de patuás e vivia no meio das caatingas ressecadas do sertão.

Enquanto que o novo e moderno cangaceiro, que atua em todas as regiões, o distintivo é sua vestimenta de etiqueta, paletó, gravata, sapatos macios, relógio de marca, cabelos escovados, freqüenta hotéis e restaurantes de cinco estrelas, mansões e palácios, gabinetes e escritórios notórios, utiliza celular, Internet e televisão, municiado de armas de fogo de alto potencial ofensivo, dinheiro depositado em contas secretas no exterior, desvios e gastos excessivos do dinheiro público.

Mudou somente o perfil do cangaceiro da antigüidade para o gangster da modernidade.

A título de ilustração, trazemos à baila, com o fito de arregimentar o nosso artigo, comentários de pesquisadores na matéria e como analisaram o mundo do cangaceirismo:

Na visão de Billy Jaynes Chandler: “cangaço era um fenômeno exclusivamente do sertão”. “Sem encontrar garantia de proteção nem do patrão, nem do Estado, muitas dessas povoações do sertão se transformaram em verdadeiras selvas, onde cada um lutava pela sua sobrevivência. Parece, portanto, que o aparecimento do cangaço esteja intimamente ligado a este estado de desorganização social” ... “naquele tempo, a polícia era quase igual aos bandidos, e buscas como estas significavam a destruição quase total das casas e de seus conteúdos, além de maus-tratos aos seus habitantes ”.

Sobre o cangaço expõe Bismarck Martins de Oliveira: “a seca impelia o homem a procurar todos os meios de sobrevivência. O mercado de trabalho era quase ou totalmente inexistente. Que fazer um homem forte, cheio de vigor e corajoso, dono de uma prole numerosa, em pleno ano de 1900, no alto sertão pernambucano, no auge de uma seca? Não havia plantações, logicamente, não havia colheita. Os rebanhos eram vendidos pelos proprietários, que rapidamente esperançosos de salvar alguma coisa, pois, caso contrário, morreriam sedentos e famintos. Nas vilas e cidades da região, não existiam empregos e, além disso, os fazendeiros e coronéis dispensavam os serviços de quase todos os empregados, ficando apenas o vaqueiro, por tradição, para recomposição futura do rebanho, então, o que fazer? Ir sentar praça na polícia, onde o soldo não dava para comer? A promessa de fortuna atraía para a vida criminosa onde poderia se vingar do patrão que o despedira injustamente, do chefe de polícia que o espancara ou daquele que matara um parente ou desonrara uma irmã sua. A fome e a miséria os afastaram de uma vida normal e honesta, não havia escolha e o caminho era um só: ser cangaceiro ”.

Análise de Anildomá Williams de Souza: “soletra-se o cangaço começando pela terra... Pois bem, esse Nordeste do início do século XX tem uma divisão de classe devidamente sumária, que são: de um lado o poderoso senhor dono das grandes extensões de terras, depois os sem-terra, o semi-escravo, o semi-servo, o povo. Naquela época um agricultor ganhava quinhentos réis por onze horas diárias de trabalho braçal; no entanto, um quilo de carne de segunda custava, em média, oitocentos réis; quanto ao feijão, o quilo custava quatrocentos réis; sem falar que era o povo trabalhador que produzia tudo isto para o dito patrão, e que depois ele mesmo tinha de comprar de volta, numa ciranda mercantil perversa” ... “com essas poucas palavras já se tem uma idéia do que significava viver no sertão naquela época, não muito diferente dos dias de hoje, sob o sol quente e abrasador, convivendo constantemente com os problemas climáticos, dá-se para ter uma idéia do porquê do cangaço”. ... “não havia outra forma de vida. A dignidade era uma das coisas que não se conhecia nem se ouvira falar: ou o homem era marginalizado no trabalho, aguardando as plantações dos donos da terra com o seu sangue ou inevitavelmente abraçava o fanatismo religioso: ia seguir o Padre Cícero, Beato da Cruz, João Antônio, Conselheiro ou qualquer outro, cantando, rezando e anunciando o fim do mundo e grandes catástrofes pelos carrascais e veredas do sertão, subindo e descendo serra, de vila em vila ”.

Quando havia invasão nas vilas e pequenas cidades pelos grupos de cangaceiros tornava-se um verdadeiro Deus nos acuda, bastando ouvir o tropel dos cavalos, agitava-se do sacristão ao padre da freguesia, do vereador ao prefeito, do jagunço ao coronel, da parteira ao médico, da donzela a dama respeitosa, da criança ao velho, pois, a segurança da cidade era feita por um delegado e cinco ou seis soldados de polícia.

A população corria assustada, escondendo-se nas valas, locas e pé de serra; os cachorros latiam e as cadelas grunhiam no meio da rua; enquanto que os meliantes atacavam bodegas, barracões e casa de fazenda, quebravam o fio do telégrafo e destruíam o rádio amador, ocasião que cidade ficava totalmente incomunicável e eles mantinham todo o domínio.

O atual modo de agir dos criminosos, cujo cenário é transmitido pela televisão, não tem quase diferença daquelas executadas pelos cangaceiros. Só não são idênticas porque o quadro é outro, não mais no Nordeste brasileiro, mas sim, na região Sudeste. Não utilizam o mosquetão nem o parabelum, porém a metralhadora e a dinamite.

Verifica-se que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na prática do "jogo do bicho", iniciada no século XX. Relatou-se que o Barão de Drumond criou o jogo com o intuito de arrecadar dinheiro para salvar os animais do Jardim Zoológico do Estado do Rio de Janeiro.

Contudo, a idéia popularizou-se e passou a ser patrocinada por grupos organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e políticos. Consta que, na década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de R$ 500.000,00 por dia com as apostas realizadas, sendo que de 4% a 10% deste montante foi destinado aos banqueiros.

É de bom alvitre assinalar que, nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a "Falange Vermelha", que nasceu no presídio da Ilha Grande, formada por quadrilhas especializadas em roubos a bancos; o "Comando Vermelho", originado no presídio Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de entorpecentes e o "Terceiro Comando", dissidente do Comando Vermelho e idealizado no mesmo presídio por detentos que discordavam da prática de seqüestros e de crimes comuns praticados por grupos criminosos.

Vale lembrar que "no Estado de São Paulo, em meados da década de 90, surgiu no presídio de Segurança Máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, a organização criminosa denominada PCC - Primeiro Comando da Capital -, com atuação criminosa em diversos Estados" (4) .

O PCC patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros de transporte de valores, comete extorsão de familiares de detentos, extorsão mediante seqüestro e tráfico de entorpecentes, possuindo conexões internacionais.

Ademais, assassina membros de facções rivais, tanto dentro como fora dos presídios. Por sua vez, segundo Relatório divulgado em 17 de junho de 2002, pela organização não governamental World Wild Fund (WWF), o crime organizado, incluindo a Máfia russa e os cartéis de entorpecentes, estão adentrando o tráfico ilícito de animais, devido ao seu caráter lucrativo (de até 800%), evidenciando-se baixo risco de detenção e a falta de punição.

Estima-se que, no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de drogas estejam relacionados com o tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de 1/3 (um terço) da cocaína apreendida em 1993 provém da importação de animais selvagens.

Destarte, em alguns casos, os animais são levados juntamente com as drogas; em outros, são usados como moeda de troca e lavagem de dinheiro. (5) "(...) as pesquisas biológicas clandestinas, o comércio irregular de madeiras nobres da região amazônica e da mata atlântica, em especial o mogno, extraído dos Estados do Pará e sul da Bahia, com a suposta conivência de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), também são consideradas relevantes áreas de atuação do crime organizado no território nacional, com conotações transnacionais" (6).

Segundo relatório final da CPI da Biopirataria, divulgado em 03/02/2003, o comércio ilegal de animais movimenta aproximadamente R$ 2 (dois) bilhões por ano e, a comercialização ilegal de madeira, R$ 4 (quatro) bilhões. (7)

Não se deve olvidar a existência de organizações criminosas especializadas no desvio de extraordinários montantes dos cofres públicos para contas de particulares, as quais são abertas em paraísos fiscais no exterior. Tal prática envolve escalões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, prova disso foi resultado do impeachment do Presidente Collor, no ano de 1992, a renúncia de alguns deputados da Câmara Federal, os quais manipulavam verbas públicas e ficaram conhecidos como "anões do orçamento", além da cassação do senador Luís Estevão e da prisão do presidente do Tribunal Regional do Trabalho, Nicolau dos Santos, devido ao superfaturamento na construção da sede do referido tribunal.

As características e atividades de uma organização criminosa:

1 - Estrutura hierarquizada empresarialmente, com divisão funcional de atividades - estrutura sofisticada e compartimentalizada em células, com cadeias de comando e divisão de trabalho bem delineadas, revestidas por uma rígida subordinação hierárquica entre seus componentes. Consiste numa estrutura quase híbrida entre uma empresa capitalista familiar e uma associação fascista paramilitar.

2- Uso de meios tecnológicos sofisticados.

3 - simbiose freqüente com o Poder Público - é muito comum, nos meios de comunicação, a notícia de que o crime organizado financia políticos para conseguir favores. Sendo que esta é vital para caracterizar como crime organizado de uma associação criminosa.

4 - alto poder de intimidação e violência.

5 - preferência pela prática de crimes rentáveis como: extorsão, pornografia, prostituição, jogos de azar, tráfico de armas e entorpecentes etc.

6 - tendência a expandir suas atividades para outros países em forma de multinacionais criminosas.

7 - diversidades de atividades, para garantir uma maior lucratividade.

Encontramos uma salutar distinção, de crime e castigo, no que pertine ao grau de temeridade à violência e ao apoio de segurança dos cidadãos, nas classes sociais brasileiras, feita por Luiz Carlos Lopes: “As mídias reproduzem este sentimento das camadas populares e das elites que revela várias coisas. As pessoas sentem-se profundamente ameaçadas pelo crime e querem ser protegidas de alguma maneira.

Os mais brancos temem os mais negros, no racismo nem sempre angelical que envolve o imaginário do país. Os que têm alguma coisa, mesmo sendo pouco, temem ser furtados, roubados, seqüestrados, feridos, assassinados, violados etc., acreditando na máxima que a violência deva ser combatida por uma violência ainda maior e sem qualquer freio.

Os mais ricos protegem-se criando verdadeiros sistemas de segurança complexos e pequenos exércitos particulares de defesa, muros altos, alarmes, carros blindados, transporte por helicópteros etc. As classes médias ficam no meio deste fogo cruzado, sendo excelentes alvos do crime porque têm algo a ser roubado, podem consumir a droga (são clientes potenciais do tráfico) e são menos protegidos do ponto de vista da segurança pública e privada.

É bem verdade que as classes médias tentam imitar os padrões de segurança dos mais ricos, como têm menos recursos, ficam na caricatura, continuando a serem alvos privilegiados, muitas vezes vítimas letais. Curiosamente, existe um sentimento geral de não se acreditar nas polícias e de se tender a compará-las aos criminosos.

Os mais pobres, de modo geral, vêem as polícias como perigosas e não confiam em suas ações. Não tendo como se proteger, eles são também vítimas fáceis, que engordam as estatísticas da criminalidade. Nas favelas e bairros da periferia é muito mais fácil ser atingido ou constrangido, mesmo não se tendo nada a ver com o problema ”.

Diante deste contexto complexo, são necessárias algumas medidas de cunho político e judiciais de combate ao crime organizado, configurando uma resposta institucional a esse tipo tão lesivo de criminalidade.

Impossível comentar propostas de combate ao crime organizado sem ressaltar a imperiosa necessidade de especialização da força policial e, ainda, purificá-la, expulsando da corporação aqueles policiais já viciados e que integram organizações criminosas.

É preciso equipar a polícia, proporcionando-lhe o acesso à tecnologia de ponta, o que implica no treinamento constante de sua força, pois sua ação nesse campo do crime organizado restará ineficaz.

Reciclagem e aperfeiçoamento da polícia extensiva no sentido de adequação da prática de prisão por crimes de menor potencial ofensivo no que diz respeito aos direitos individuais, principalmente no respeito e no tratamento de indiciados primários, que muitas vezes, depois de sofrerem uma prisão ilegal, serem torturados e receberem maus-tratos, terminam enveredando pelo mundo do crime, numa espécie de vingança à força estatal.

Aprimoramento e cursos direcionados à polícia judiciária no sentido de adequada elaboração do inquérito policial, particularmente tendo apoio humano, logístico e, sobretudo, oferecimento de condições materiais na persecução de suas tarefas cotidianas.

Estrutura orgânica e especializada do Ministério Público, como já vem acontecendo nos vários Estados da federação (inclusive Mato Grosso) com a criação de núcleos especiais voltados ao combate a organizações criminosas, vez que impõe-se ao titular da futura Ação Penal uma habilidade efetiva e proveitosa na colheita probatória que sustentará a sua pretensão na fase judicial.

Outra medida que reputamos de inestimável valor é aquela relativa à formação das denominadas forças tarefas, que seriam a união de vários órgãos, dentre os quais Polícias, Receitas Estaduais e Federal, Ministério Público Federal e Estadual, órgãos de inteligência, entre outros, conforme a necessidade do caso. Assim, a força tarefa teria uma ação ampla com imediata troca de informações e dados, bem como maior facilidade na investigação, quando esta se desenvolve em outros locais, no país ou fora dele.

Ainda, impõe-se urgente alteração legislativa no sentido de se criar mais uma causa de isenção de pena àqueles que delatem, com o sucesso esperado, organizações criminosas de relevo. Sejam isentados de pena os delatores, tendo em vista que a concessão de atenuantes especiais existentes não são capazes de incentivar o agente, o qual, mesmo com a pena reduzida, sabe que irá para a cadeia e lá estará à disposição da quadrilha que delatou.

Como prioridade estabeleçam condições práticas e instrumentos eficazes de proteção às testemunhas, delatores, bem como a seus familiares. De nada serve a previsão legal se esta torna-se inaplicável, seja por falta de verba, seja por falta de estrutura por parte do Estado para proporcionar a segurança devida, uma nova vida, emprego, nova identidade, entre outros aspectos necessários.

Dessa forma, uma posição enérgica, corajosa, imparcial, imediata e eficaz por parte do Estado para que se possa fazer frente ao grande avanço da atividade criminosa organizada em nosso país, inclusive, afastando-se completamente aquela velha idéia do corporativismo.

Nós, os operadores do direito, tenhamos a consciência de assumir uma postura ativa no combate a esse tipo de crime e ao criminoso, sob pena de cair em descrédito perante a sociedade e, pior, permanecer convivendo com a miséria que exclui inúmeros brasileiros, enquanto uma casta de criminosos vive ao bel-prazer e suga o país, com o reforço do mensalão e sanguessugas as vísceras de pacientes mortais que não passeiam nas ambulâncias superfaturadas.

A catástrofe que ultimamente ocorreu no Estado de São, Paraná e Mato Grosso do Sul, com sinais exteriorizadores de uma guerra civil, comandada por facções criminosas, com metralhamento de agências bancárias, casas comerciais e residenciais, conjuntos habitacionais, incêndio de dezenas de ônibus e assassinatos de policiais e pessoas inocentes, e as convulsões sociais que fecundam no país afora, só cabe ao poder público adotar medidas em favor da população.

Essas organizações criminosas funcionam nos moldes de um consórcio: alugam armas e carros para outros bandidos e recebem, como pagamento, parte do butim que os autores diretos arrebatam nas investidas criminosas. Além do comércio de substância entorpecente e a participação nos sequestros e assaltos a condomínio de luxo, estima-se que a facção movimenta um mínimo de um milhão de reais mensalmente.

O poder de fogo da organização é tão grande que, segundo divulgação da mídia nacional, na hecatombe de São Paulo, dentro dos presídios havia um apoio firme e consciente de 140.000 (cento e quarenta mil presos), além das grades, havia um apoio marginal de mais de 500.000 (quinhentas mil pessoas).

Não há qualquer exagero constatar que o poder público, nos centros de maior densidade demográfica tornou-se refém das sociedades dos celerados, enquanto que o cidadão está exposto à sanha dos bandidos que impõem coercitiva e impiedosamente a norma marginal.

Por tudo isso, o cangaço não acabou.

João Pessoa - Pb, 01 de junho de 2006.
SEVERINO COELHO VIANA

 E-mail – scoelho@globo.com

Promotor de Justiça
(1) Billy Jaynes Chandler – Lampião – O Rei do Cangaço - - Paz e Terra – 4ª ed.págs. 16, 27 e 54.
(2) Bismarck Martins de Oliveira – O Cangaceirismo no Nordeste – 2ª ed. – João Pessoa – 2002, pág. 54/.
(3) Anildomá Williams de Souza – Lampião – O C0omandante das Caatingas - 1ª ed. 2001 – Pe. – págs. 14 e 16 e 17
(4) Luiz Carlos Lopes – Crime e Castigo no Brasil. http://lainsignia.org


Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço: 
José Romero Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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