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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Para ler a cidade

Por: Paula Rejane Fernandes
Ilustração: Roberto Torterolli
Ilustração: Roberto Torterolli

Andar pelas ruas pode ser uma boa maneira de despertar o interesse dos alunos pela História

Quem circula por Mossoró, no Rio Grande do Norte, tem a oportunidade de conhecer diversos pontos da cidade onde ocorreu a resistência ao bando de Lampião, que a invadiu no dia 13 de junho de 1927. 


Os livros contam que, ao adentrar os seus limites, o cangaceiro e seus comandados foram recepcionados pelos mossoroenses, que estavam armados e escondidos em pontos estratégicos, como a Igreja de São Vicente, a casa do então prefeito Rodolpho Fernandes – que atualmente é a sede da prefeitura – e a estação ferroviária, que hoje é a Estação das Artes Elizeu Ventania. Esses prédios estão conservados e guardam em suas paredes até marcas das balas do confronto. Muitas vezes, excursões como essa podem dar a um professor os argumentos necessários para formular uma resposta convincente àquele aluno que quer saber por que deve estudar História. As relações entre os fatos há tempos transcorridos e a vida do estudante no presente também são objeto de uma série de questionamentos. Em um primeiro momento, essas indagações podem parecer provocativas, mas indicam um caminho para o mestre que pretende desenvolver uma maneira diferente de exercer o seu ofício. Pode-se estabelecer perfeitamente ligações entre os assuntos locais e atuais e a História do estado, do país e do mundo.

Os alunos, assim como qualquer habitante que transita pelas ruas da cidade onde vive, muitas vezes acabam se acostumando com a paisagem que veem diariamente. Com isso, eles deixam de se interessar pela organização do espaço urbano, pelas razões que levaram certas ruas e praças a ganhar os nomes que têm, ou pelos recursos que foram usados para a conservação ou demolição de um determinado prédio. São estudantes que não estabelecem relações entre o que observam e a História do seu povo.

Quando participarem de aulas de campo sob a orientação de um professor de História, eles devem obter pistas a respeito dos projetos de cidade criados e idealizados pela municipalidade, das inovações e avanços arquitetônicos e das mudanças em relação à organização, à estruturação e ao uso do espaço urbano. A partir daí, eles podem ser estimulados a resgatar a memória de toda uma região. O papel do professor é demonstrar que a demolição e a conservação de prédios estão relacionadas à disputa constante entre duas grandes forças: o lembrar e o esquecer. Se alguns prédios são demolidos para dar lugar à construção de edifícios novos, outros são preservados e nomeados como patrimônio histórico e cultural da cidade, do estado e, às vezes, do país. Mas o que faz uma construção ser tombada e transformada em monumento enquanto outra é posta abaixo? Uma das respostas para essa pergunta está associada à produção de narrativas históricas. Com esse intuito, os prédios relacionados às memórias aceitas e reconhecidas como válidas acabam sendo conservados e aqueles ligados às lembranças tidas como negativas são destruídas.

Isso fica patente no exemplo de Mossoró, quando se percebe o cuidado que houve para preservar os prédios que serviram como trincheiras durante o embate de junho de 1927 e a antiga cadeia pública municipal – que virou a sede do Museu Municipal Lauro Escóssia. Além disso, a prefeitura local mantém um Memorial da Resistência, construído em comemoração aos 80 anos da expulsão dos cangaceiros, e promove uma encenação do Auto da Liberdade todo mês de junho, em frente à Igreja de São Vicente. A dramatização narra a invasão, a resistência dos mossoroenses e a derrota de Lampião, que teve muitos de seus homens mortos durante o conflito. Uma das baixas mais significativas foi a do cangaceiro conhecido pela alcunha de Jararaca, tido como um dos homens mais fortes do bando, que foi preso e levado para a cadeia pública da cidade, onde veio a falecer.

A partir desse fato histórico – e depois de uma visita prévia à região, para selecionar os locais a serem visitados –, o professor de História pode conduzir sua aula de campo, instigando os alunos a fazerem perguntas sobre a conservação dos prédios que serviram de trincheiras e a construção do Memorial da Resistência de Mossoró, entre outras questões. Com base nos temas levantados, é possível, inclusive, discutir com os alunos a relação entre memória, patrimônio cultural e identidade, uma vez que os prédios foram conservados, divulgados como cartões-postais e transformados em atrações turísticas. Os alunos, aos perceberem essa relação entre História e o espaço citadino, sentem-se à vontade para fazer perguntas sobre o lugar onde moram. Os estudantes também podem ser levados a debater os trabalhos publicados por memorialistas da região, como Raimundo Nonato (1907-1993) e Jerônimo Vingt-un Rosado (1920-2005), que foram importantes na construção de uma identidade para a cidade de Mossoró, associada às ideias de resistência, valentia e coragem, que também foram reforçadas pelo Museu Lauro Escóssia e pelo Memorial.

No Museu, o professor e sua turma podem explorar as fotos expostas que retratam o dia da invasão, e ver não só algumas armas usadas no confronto, mas também recortes de jornais com mensagens enviadas por pessoas de várias cidades parabenizando Mossoró pelo feito. Sem contar que os alunos ainda têm a oportunidade de analisar o próprio prédio do museu, que serviu de prisão para Jararaca. Com base nessas fontes, o professor levantará questões a respeito de como os jornais retrataram o acontecimento e qual a repercussão que ele teve fora da cidade. Também vale a pena ver que tipos de armas eram usados no período e fazer uma comparação com as que são utilizadas nos dias de hoje. Quanto ao prédio em si, pode-se traçar um painel sobre a arquitetura da época, estudar como funcionava o sistema prisional naqueles tempos e tentar identificar o que mudou em relação ao sistema adotado no século XXI.

Esse mesmo exercício também deve ser feito no Memorial. Lá, os alunos observarão os murais ilustrados com fotos da cidade, dos cangaceiros e dos mossoroenses que faziam parte da resistência. Durante a observação, o professor poderá dar início a uma discussão a respeito da conservação da memória e da importância social do monumento. Além disso, será possível levantar questões a respeito do cangaço e do modo de vida dos homens e mulheres que empunhavam a sua bandeira: por que ele se tornou um fenômeno? Qual a origem do nome? Como se vestiam os cangaceiros? Como se divertiam? Quem os apoiava? Depois disso, a prática de campo pode prosseguir com uma investigação sobre como era a cidade de Mossoró no ano da invasão. Seria conveniente induzir os alunos a fazerem perguntas sobre o tamanho da cidade e o número de habitantes em 1927, o estilo arquitetônico dos prédios, se havia eletricidade e água encanada, se as ruas eram calçadas, que locais eram destinados ao lazer e como funcionavam o comércio e as escolas da região. Fazer um paralelo com o presente ajuda o aluno a perceber o quanto a História está inserida nos mais diversos contextos.

Todos esses exercícios, aplicados aos mais diversos contextos urbanos, podem ajudar os estudantes a elaborar respostas para as perguntas que questionam a importância da História, os motivos que fazem com que ela seja objeto de estudos e a sua relação com o presente. De posse dessas conclusões, fica fácil entender que os prédios, monumentos e costumes de uma cidade ou região podem contar muito sobre os fatos que lá ocorreram. A comparação entre o passado e o presente ajuda o aluno a entender que a História não é um saber restrito aos livros ou à sala de aula. Muito pelo contrário, ele está dentro da sociedade e inserido no nosso cotidiano.

Paula Rejane Fernandes é professora da Universidade Estadual da Paraíba e autora da dissertação “Mossoró: uma cidade impressa nas páginas de O Mossoroense (1872-1930)” (UFCG, 2009).

Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/para-ler-a-cidade

Enviado pelo pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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