Seguidores

sábado, 1 de fevereiro de 2014

O SER SEM DISFARCE

Por Rangel Alves da Costa*


Rangel Alves da Costa

Haveria possibilidade de o ser humano ser apenas o que é e, sem disfarce, agradar não somente a si mesmo? Haveria possibilidade de o indivíduo refutar todo adorno e toda exteriorização que possa ter por cima de si e se manter apenas com o que originalmente lhe cabe?

Por outras palavras: Haveria possibilidade de o ser humano desprezar todo tipo de vestimenta, de enfeite, de utensílio ou qualquer outro objeto por cima do corpo e ainda assim ser reconhecido ou valorizado socialmente?

Quer dizer, o ser humano e o seu desprezo pelas vestimentas e quaisquer outros adornos, de pés descalços, cabelos sempre ao natural, com o perfume da própria pele, sem relógio ou anel. O seu luxo se bastaria no alimento comedido, na higiene pessoal e nos afazeres cotidianos iguais aos demais.

Mas não somente isso, pois também um indivíduo sem palavras além das necessárias, sem ações além das necessárias, sem nada além do estritamente necessário. Quer dizer, alguém vivendo dentro dos limites da existência, sem ultrapassar o que lhe cabe fazer para apenas viver.

Seria possível o indivíduo viver e ser aceito socialmente sem que leve consigo a fama que tem, o prestígio ou o nome familiar? Em meio à sociedade que sempre olha para o adorno ou o brasão, seria possível a sobrevivência daquele que é pobre, que não possui amigos influentes, não tem carro, conta bancária nem usa roupa de grife?

Numa roda de pessoas cheias de anéis, etiquetas, títulos e graduações, caberia a palavra daquele que apenas sabe ler e escrever, mas que trabalha muito mais que qualquer outro que se diga honoris causa em tudo? O ser comum, alguém somente do povo, seria ouvido e respeitado diante de figurões com suas vaidades e arrogâncias?



A verdade é que todo mundo acostumou a menosprezar o valor intrínseco do ser humano. Prevalecendo a exteriorização, o adorno ou a etiqueta, ou ainda a imagem imposta, certamente que nenhuma importância terá aquele que nada mais é que o ser humano na sua essência, porém despido das honrarias tão exigidas pela sociedade.

Ora, qual a importância terá aquele que não tem formação educacional, não possui anel no dedo nem é chamado doutor, diante daquele que é tudo isso e muito mais? A sociedade reverencia mais aquele de paletó e gravata ou aquele descalço, o que estaciona um carro importado ou o que passa montado num jegue, aquele bem vestido e penteado ou aquele de roupa rasgada?

As respostas são óbvias. Todo mundo prefere valorizar o que está além do próprio ser ao próprio ser em si. Em casos assim, tanto faz que a pessoa seja da pior índole, pois seu julgamento está garantido pelo que é externamente ou pelo que possui. Tanto faz que tenha honra ou caráter, pois tudo se justifica pelo poder, pela riqueza, pelo que demonstra ter. E o outro, aquele que apenas é sua realidade, nada será diante de olhos que só enxergam brilhos, ainda que falsos.

Num mundo de recompensas, bajulações e conveniências, dificilmente haverá espaço para o ser sem disfarce. E o ser sem disfarce nada mais é que o indivíduo revestido apenas pelo que tem porque praticamente nasceu com ele. É o indivíduo caracterizado apenas pelo caráter, pelo jeito humilde de ser, possuindo o bastante que a sua condição humana lhe permita.

O ser sem disfarce é apenas o que é. Não possui adornos nem riquezas, não é amigo de autoridade nem vive se prevalecendo de ter poderosas influências. Seu luxo é o de não passar fome, seu título maior é a ética pessoal, sua riqueza maior é poder andar de cabeça erguida e adormecer sem preocupação com dívidas ou perseguições. Não tem dinheiro, mas também não deve; não possui muitos amigos interesseiros, mas os que possuem merecem sempre ser reconhecidos e valorizados.

Eis o ser sem disfarce. Contudo, um ser quase em extinção na selva onde se privilegia muito mais a aparência que a verdade.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário