Por Rubens Antonio
Depoimento
de Jardelina do Nascimento Araújo:
"Sou mais
nova que tudo isso, mas os meus pais e meu tio contaram tudo o que aconteceu
para mim... É que não só eu me interessei, como eles falavam muito daquilo tudo
que foi excepcional... Agora, aqueles velhos já estão mortos e estes jovens,
que vieram bem depois de mim, nem sabem de nada... Alguns, aqui, pensam até que
cangaceiro é nome de passarinho... ou é só folclore... A coisa era tão séria
que a gente daqui tinha até medo de falar de tudo aquilo até pouco tempo
atrás... Mas, agora, tem já tanto tempo... A gente mais velha achava que tinha
algum perigo... Mas isso já passou pra quase todo mundo... Tem gente que ainda
nem sei se tem medo, mas fica meio ressabiada.
Meus pais
disseram que tudo começou com a chegada umas pessoas que batiam e matavam...
Ninguém sabia direito quem eram... Só sabiam isso... Que eram sete. Que eram
pessoas esquisitas que batiam e até matavam outras pessoas... E isto deixava
todo mundo assim muito confuso... É dinheiro? Não tem dinheiro? Apanha. Tem?
Apanha também. Então não é dinheiro? Qualquer coisa apanha! Davam muita pancada
de palmatória. Era tanto bolo nas mãos que nem conta. Ficavam pretas de
pancada.
Ninguém sabia
de certo o que estava acontecendo... só que tinha que evitar essas pessoas e
fugir... fugir, quando elas chegassem... se não desse, tinha que atender
o que eles queriam... O que eles pediam... E isso espalhou como um horror... As
pessoas fugiam pros matos...
Sede da Lagoa do Lino
E chegaram
aqui perto... ali na sede da Fazenda Lagoa do Lino, que daqui dá pra ver... É
aquela que tem gente agora chamando Santa Mônica... mas desse outro nome não
sei... Só uso mesmo como o pessoal todo o nome Lagoa do Limo, desde sempre...
Aqui era tudo
bem diferente... Estas estradas de chão não eram estradas... Eram caminhos
entranhados assim, nas caatingas... Tudo vereda... E as casas eram todas de
madeira cobertas de palha... A sede mesmo da Lagoa do Limo era uma casa de
palha...
E os sete...
Eram sete cangaceiros... Quem os viu disse que andavam sempre com muita
pressa... Andavam muito rápido prá lá e prá cá...
Eram muito
brabos, mas não soube eles não usaram as mulheres... Sei que chegaram e foram
ali na sede da Lagoa do Limo... Depois foram para a baixada... Meu tio João viu
eles descendo lá pra baixada... Quase passou por eles, Acho até que se viram,
mas eles não fizeram nada...
Agora, quando
passaram pela Nega Véia... Ela me contou as coisas que conto agora... Não sei o
nome dela... Acho que era Maria, mas não sei mais... Ela era bem menina na
época, e topou com eles... Eles perguntaram se ela podia trazer água... E a
gente daqui sabia que tinha que obedecer a eles, senão era morte certa...
O que eu mais
lembro o nome, o Azulão, perguntou pra ela que cabelo curto era aquele... Que o
certo era andar de cabelos compridos... e que ela podia morrer por causa
disso... Ele disse:
– Você com
esse cabelo cortado... Olha que eu vou é lhe matar!
Mas eles
deixaram ela ir, porque queriam ela viva pra buscar a água.
- Se você for
buscar água pra gente a gente deixa você viva!
Então ela foi
buscar a tal da água... Tava indo buscar com um pote. Mais pra cima,
ela topou com os homens que vinham atrás deles... Eles perguntaram a ela se ela
tinha visto uns homens diferentes por ali, e ela disse:
– Lampião tá
lá em casa...
Ela estava com
medo de morrer... E eles disseram pra ela que podia descer e levar a água pra
eles... E ela foi...E ela viu quando o chefe dos homens foi seguindo ela com os
outros. E como ele, quando estava chegando perto, ficou mais pra trás, e mais
abaixado... E ele se ergueu atrás de um pé de pau... E como os outros foram se
abaixando e aproximando... E se arrastando... Nega Véia me disse que viu quando
o chefe bateu o pé, como sinal, e rompeu o fogo... Então, começou
aquele estouro... Ela se jogou no chão, senão tava mortinha...
Daqui lá é
longe uns quinhentos metros, mas meus pais e meu tio ouviram tudo direitinho...
E as balas zuniram aqui por cima, e minha mãe, Alexandrina Maria do Nascimento,
desesperada... Todo mundo se jogou no chão... E meu pai, José Umbelino do
Nascimento, disse:
– Agora
pronto! O Mundo acabou–se!
E foi muito
tiro, por muito tempo. Tiro mesmo. Tiro que passava aqui por cima. Zunia. Ziu!
Pá! Pá! Pá! Pá! Ziu! Minha mãe até ainda colocou a mão no coração, quando
contou pra mim, tanto tempo depois.
A luta foi só
ali embaixo não. Rodou até outros cantos. Era muito medo.
Quando acabou
toda aquela alaúza, ficou muito quieto... Não se ouvia nada... Nem pio de
ave... Nada... Meu tio João Ribeirão da Silva, então, que era de coragem,
levantou e foi caminhando para lá, para a baixa.
Cruzou com os
homens voltando carregando as cabeças deles.
Ele foi até lá
e viu o que viu o que sobrou... Tiraram quase todas as roupas do mortos...
Estavam lá, sem as cabeças e pinicados... Tinha tanto sangue ali...
Dos sete, três
haviam conseguido fugir.
Outras pessoas
chegaram e também viram os corpos sem cabeça... Estava tudo acabado. As plantas
todas retalhadas de tiro... Um fuzuê...
Meus pais
disseram que depois souberam, pelo homens, que os que morreram eram o que
atendia por Azulão, um tal de Canjica, a Maria Bonita e um que não sei o
nome...
Hoje em dia, a
polícia mata e coloca a arma na mão pra incriminar, mas esses não... Nem
precisava. Eram brabos mesmo... Reagiram e mandaram bala... Disseram, os que
eram dos homens da polícia que viram e contaram pros daqui da terra, que essa
Maria morreu de arma na mão... Caiu morta e não largou o revólver... Lutou até
o fim...
Os corpos não
foram enterrados não... Ficaram lá apodrecendo... Comida de urubu...
Tinha um
cachorro aqui que passou um bom tempo indo até lá e comendo deles... Disseram
que ele estava mais gordo que antes por isso... Então, foi certo que os
cachorros todos daqui das redondezas começaram a engordar. Nunca seu viu, nesta
vida, eles tão gordos. Também... Comeram tudo que ficou...
Daqui mesmo,
meus pais viam os urubus todos os dias... E os ossos foram se espalhando...
perdendo... porque o mato também come o que fica. Sobrou nada... Não apareceu
ninguém que desse sepultura não... Até que tudo acabou. Só ficou o medo de que
os companheiros deles, que escaparam, voltassem pra se vingar da gente
daqui..."
Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio
http://cangaconabahia.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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