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quarta-feira, 21 de maio de 2014

Fogo da Lagoa do Lino... Ecos no vento.

Por Rubens Antonio

Depoimento de Jardelina do Nascimento Araújo:


"Sou mais nova que tudo isso, mas os meus pais e meu tio contaram tudo o que aconteceu para mim... É que não só eu me interessei, como eles falavam muito daquilo tudo que foi excepcional... Agora, aqueles velhos já estão mortos e estes jovens, que vieram bem depois de mim, nem sabem de nada... Alguns, aqui, pensam até que cangaceiro é nome de passarinho... ou é só folclore... A coisa era tão séria que a gente daqui tinha até medo de falar de tudo aquilo até pouco tempo atrás... Mas, agora, tem já tanto tempo... A gente mais velha achava que tinha algum perigo... Mas isso já passou pra quase todo mundo... Tem gente que ainda nem sei se tem medo, mas fica meio ressabiada.
Meus pais disseram que tudo começou com a chegada umas pessoas que batiam e matavam... Ninguém sabia direito quem eram... Só sabiam isso... Que eram sete. Que eram pessoas esquisitas que batiam e até matavam outras pessoas... E isto deixava todo mundo assim muito confuso... É dinheiro? Não tem dinheiro? Apanha. Tem? Apanha também. Então não é dinheiro? Qualquer coisa apanha! Davam muita pancada de palmatória. Era tanto bolo nas mãos que nem conta. Ficavam pretas de pancada.
Ninguém sabia de certo o que estava acontecendo... só que tinha que evitar essas pessoas e fugir... fugir, quando elas chegassem...  se não desse, tinha que atender o que eles queriam... O que eles pediam... E isso espalhou como um horror... As pessoas fugiam pros matos...

Sede da Lagoa do Lino

E chegaram aqui perto... ali na sede da Fazenda Lagoa do Lino, que daqui dá pra ver... É aquela que tem gente agora chamando Santa Mônica... mas desse outro nome não sei... Só uso mesmo como o pessoal todo o nome Lagoa do Limo, desde sempre...
Aqui era tudo bem diferente... Estas estradas de chão não eram estradas... Eram caminhos entranhados assim, nas caatingas... Tudo vereda... E as casas eram todas de madeira cobertas de palha... A sede mesmo da Lagoa do Limo era uma casa de palha...
E os sete... Eram sete cangaceiros... Quem os viu disse que andavam sempre com muita pressa... Andavam muito rápido prá lá e prá cá...
Eram muito brabos, mas não soube eles não usaram as mulheres... Sei que chegaram e foram ali na sede da Lagoa do Limo... Depois foram para a baixada... Meu tio João viu eles descendo lá pra baixada... Quase passou por eles, Acho até que se viram, mas eles não fizeram nada...
Agora, quando passaram pela Nega Véia... Ela me contou as coisas que conto agora... Não sei o nome dela... Acho que era Maria, mas não sei mais... Ela era bem menina na época, e topou com eles... Eles perguntaram se ela podia trazer água... E a gente daqui sabia que tinha que obedecer a eles, senão era morte certa...
O que eu mais lembro o nome, o Azulão, perguntou pra ela que cabelo curto era aquele... Que o certo era andar de cabelos compridos... e que ela podia morrer por causa disso... Ele disse:
– Você com esse cabelo cortado... Olha que eu vou é lhe matar!
Mas eles deixaram ela ir, porque queriam ela viva pra buscar a água.
- Se você for buscar água pra gente a gente deixa você viva!
Então ela foi buscar a tal da água... Tava indo buscar com um pote. Mais pra cima, ela topou com os homens que vinham atrás deles... Eles perguntaram a ela se ela tinha visto uns homens diferentes por ali, e ela disse:
– Lampião tá lá em casa...
Ela estava com medo de morrer... E eles disseram pra ela que podia descer e levar a água pra eles... E ela foi...E ela viu quando o chefe dos homens foi seguindo ela com os outros. E como ele, quando estava chegando perto, ficou mais pra trás, e mais abaixado... E ele se ergueu atrás de um pé de pau... E como os outros foram se abaixando e aproximando... E se arrastando... Nega Véia me disse que viu quando o chefe bateu o pé, como sinal, e rompeu o fogo... Então, começou aquele estouro... Ela se jogou no chão, senão tava mortinha...
Daqui lá é longe uns quinhentos metros, mas meus pais e meu tio ouviram tudo direitinho... E as balas zuniram aqui por cima, e minha mãe, Alexandrina Maria do Nascimento, desesperada... Todo mundo se jogou no chão... E meu pai, José Umbelino do Nascimento, disse:
– Agora pronto! O Mundo acabou–se!
E foi muito tiro, por muito tempo. Tiro mesmo. Tiro que passava aqui por cima. Zunia. Ziu! Pá! Pá! Pá! Pá! Ziu! Minha mãe até ainda colocou a mão no coração, quando contou pra mim, tanto tempo depois.
A luta foi só ali embaixo não. Rodou até outros cantos. Era muito medo.
Quando acabou toda aquela alaúza, ficou muito quieto... Não se ouvia nada... Nem pio de ave... Nada... Meu tio João Ribeirão da Silva, então, que era de coragem, levantou e foi caminhando para lá, para a baixa.
Cruzou com os homens voltando carregando as cabeças deles.
Ele foi até lá e viu o que viu o que sobrou... Tiraram quase todas as roupas do mortos... Estavam lá, sem as cabeças e pinicados...  Tinha tanto sangue ali...
Dos sete, três haviam conseguido fugir.
Outras pessoas chegaram e também viram os corpos sem cabeça... Estava tudo acabado. As plantas todas retalhadas de tiro... Um fuzuê...
Meus pais disseram que depois souberam, pelo homens, que os que morreram eram o que atendia por Azulão, um tal de Canjica, a Maria Bonita e um que não sei o nome...
Hoje em dia, a polícia mata e coloca a arma na mão pra incriminar, mas esses não... Nem precisava. Eram brabos mesmo... Reagiram e mandaram bala... Disseram, os que eram dos homens da polícia que viram e contaram pros daqui da terra, que essa Maria morreu de arma na mão... Caiu morta e não largou o revólver... Lutou até o fim...
Os corpos não foram enterrados não... Ficaram lá apodrecendo... Comida de urubu...
Tinha um cachorro aqui que passou um bom tempo indo até lá e comendo deles... Disseram que ele estava mais gordo que antes por isso... Então, foi certo que os cachorros todos daqui das redondezas começaram a engordar. Nunca seu viu, nesta vida, eles tão gordos. Também... Comeram tudo que ficou...
Daqui mesmo, meus pais viam os urubus todos os dias... E os ossos foram se espalhando... perdendo... porque o mato também come o que fica. Sobrou nada... Não apareceu ninguém que desse sepultura não... Até que tudo acabou. Só ficou o medo de que os companheiros deles, que escaparam, voltassem pra se vingar da gente daqui..."

Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio

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