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sábado, 23 de abril de 2016

O VELHO E A ESCADA PARA O CÉU

Por Rangel Alves da Costa

Nascido em família tradicionalmente religiosa, tendo desde cedo recebido os fundamentos cristãos, também desde jovem que começou a se preocupar com a salvação e a vida após a morte. Na sua mente, o comportamento humano sobre a terra, evitando o pecado e a desonra, talvez fosse como uma chave facilitadora da entrada no paraíso. Mas não somente isso.

Era preciso garantir sua subida ao céu a todo custo. Noites e mais noites acordadas, entre sonhos e pesadelos, imaginando como seria a morte pecadora e após ela os contínuos sofrimentos dos expurgados da salvação. Uns seguindo por uma estrada em brasas, outros caminhando entre flores e coros angelicais. E repetia a si mesmo que tudo faria para que o seu passo jamais fosse desviado da luz para a escuridão.

Católico fervoroso, obediente aos ensinamentos, fazia suas preces pontuais, carregava uma cruz de madeira sobre o peito, não perdia uma missa sequer. Lia e relia os evangelhos, os salmos, as lições sagradas. Servidor do próximo, fraterno com quem encontrasse, tudo fazia para não se sentir desviado daquela estrada de flores. Mas ainda assim continuava temendo os desvios após a morte.

Então, já passado dos sessenta anos, eis que começou a olhar para o alto, para o céu, com uma constância de se estranhar. No umbral da janela, sentado na cadeira de balanço debaixo da tamarineira, passando o tempo no banco da praça, ao invés de mirar os arredores se mantinha de olhos voltados para o alto, como a procurar qualquer coisa. Mas não procurava nuvem, passarinho ou a infinitude indecifrável, e sim imaginando qual seria a distância da terra até o céu.

Cada vez que olhava era como se imaginasse centenas de metros, quilômetros, distâncias e mais distâncias. Queria mesmo saber a distância entre o chão de sua casa até a porta do céu. Isso mesmo, subindo e subindo cada vez mais, como poderia alcançar os portais do paraíso. E assim porque há muito tempo planejava construir uma escada que chegasse até lá. Subiria, degrau a degrau, até alcançar seu lar de eternidade.


Não demorou muito e começou a colocar seu plano em ação. Viúvo, vivendo sozinho, ainda assim os filhos começaram a estranhar quando faziam visitas e sempre o encontravam ao lado de serrote, madeira, pregos, sempre juntando pedaços, batendo, pregando. Quando um dos filhos perguntou o que tanto fazia, a resposta tida foi simples: estou fazendo uma escada. Uma ótima atividade para passar o tempo, completou o filho. Contudo, não sabia que não era apenas uma escada, mas várias, muitas.

Quase todo o dinheiro da aposentadoria era gasto com madeira e pregos. Quase não saía mais de casa na dita ocupação de serrar, bater, pregar. Fazia uma escada após outra e cada uma que ficava pronta era colocada deitada num velho salão ali mesmo no quintal. Acumulava escadas como se acumulam sacos, fardos, velharias. E não pensava em parar o ofício até que suas forças permitissem. Quando sentisse que já estava fragilizado demais, então juntaria suas últimas forças para pregar uma escada na outra, sempre para o alto, e depois subiria até o céu. Cansando-se degrau a degrau, seu último suspiro seria já à entrada do paraíso. E estaria salvo. Assim imaginava.

Contudo, estranhando a ausência do religioso às suas missas, o sacerdote resolveu visitá-lo para saber se estava bem. Questionado pelo padre, pensou em inventar uma desculpa qualquer, mas logo recordou do pecado da mentira. E se mentisse não subiria nem dois degraus. Tinha que contar a verdade, não tinha saída. Ou a verdade ou a perdição. Contou tudo e muito mais detalhadamente acerca das escadas que estava construindo para chegar ao céu.

Diante do relato, imaginando a loucura tomando aquele bom senhor, o padre se fez de Tomé e pediu para conhecer as escadas. Estavam lá, empilhadas, tomando todos os espaços. Ante tal visão, o padre se fez cabisbaixo e assim permaneceu logo tempo, em seguida, já fora do salão, começo a olhar para o alto. E olhou e olhou. Depois se voltou para o velho e sorriu, docemente. Olhou no fundo dos seus olhos e disse:

“Meu bom amigo, milagres acontecem à nossa presença. E veja o que eu vi. Olhei para o alto e vi sua escada subindo, subindo, cada vez mais nas alturas, e você subindo degrau a degrau em direção ao céu. Mas ao chegar Deus o disse: Volte! Não é por escadas que se chega ao céu, mas pela caminhada na terra. Salvo estará todo aquele que reconhece no grão da terra a face do Pai. E toda sua vida foi de reconhecimento, por isto a terra mesmo o salvou. Aqui chegará na poeira do tempo, quando o seu grão em pó se tornar”.

Poeta e cronista
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