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quinta-feira, 4 de maio de 2017

PEIXOTO, UM HERÓI SANGRADO POR LAMPIÃO


Naquele tempo, Lampião por onde passava deixava suas lembranças como amigo, ou como um inimigo feroz, sanguinário sem alma e sem consideração. Seus amigos eram amigos, seus inimigos eram para serem mortos sem respeito algum.


Em muitos sítios onde as casas eram próximas uma da outra, os moradores tratavam de se protegerem conjuntamente. Ou seja, eles viviam sempre alerta, com armas e munições ao alcance das mãos, prontos para enfrentarem o “Rei dos Cangaceiros” e seu bando, alguns vindo em socorro dos outros. Exemplo disso, citamos as pessoas que viviam, ou conviviam, nos sítios, fazendas, Bom Sucesso, Arado e Santana.

Em princípios de maio de 1926, Lampião cisma de passar uma noitada farreando em São Serafim, hoje Calumbi, PE. São mortos vários animais, as paneladas de comidas são providenciadas, os braseiros são acesos, as bebidas são encomendadas e o sanfoneiro, Antônio Rodrigues, famoso na localidade, ‘contratado’. Virgolino era, além de um ‘pé de forró’, um bom tocador de fole, sanfona, e durante a festança ele mesmo tocava várias músicas para a cabroeira ‘arrastar o pé’. Quando Antônio Rodrigues estava tocando, Lampião se divertia dançando, e assim entraram por noite a dentro.

“(...) A noite foi de festa. Uma hora Antônio Rodrigues tocava outra hora o próprio Lampião pegava na ‘pé de bode’(Sanfona de oito baixos). Neste dia os cangaceiros dançaram, comeram carne assada na brasa e tomaram cachaça até abusar! Lampião ensinou a menina Leontina Gomes de Melo, ou dona Leontina como era conhecida, a dançar xaxado e todos ficaram admirados em São Serafim como Lampião tocava e dançava xaxado tão bem! E ele ainda dançou marzuca! Dona Joaquina de Agripino dizia que na marzuca Lampião era mestre, dançava divinamente (...).” (“A Maior Batalha de lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª Edição. Paulo Afonso, BA, 2017)

Mesmo nessa festa toda promovida e curtida por Virgolino, e pelos amigos que tinha no povoado, ele não descuidou da proteção costumeira. Envia vários ‘cabras’ em diversas direções pra protegerem as estradas, veredas que davam acesso ao povoado. Já depois do cantar do galo, ele ordena que seus homens parem de farrear e procurem dormir, que depois do quebrar da barra teriam ‘trabalho’ a fazerem. Sabedor do acordo entre os homens dos sítios referidos, ele determina que cinco de seus homens de confiança fiquem a espreita e tocaiem aqueles que poderiam vir das outras fazendas se ocorresse um choque, luta, entre ‘ele’ e alguns de um dos três sítios.

Pois bem, Lampião contava com cerca de cinquenta cangaceiros em seu bando, naquele momento, e era muita gente que sabia usar a espingarda para simples roceiros enfrentarem. Mesmo correndo risco de ser morto, um amigo no povoado, dos homens que estavam nos sítios, envia um mensageiro para que não colocassem tocaia, emboscada, em Lampião daquela vez, pois o mesmo tinha um grande contingente a seu comando. E o risco seria enorme.

Sabedores da quantidade da caterva, os homens dos sítios, que eram em torno de trinta, resolvem não ‘provocar o diabo com vara curta’. Correriam um risco enorme de serem mortos. Porém, como em todo lugar existe um maluco, mais doido do que os outros, um cidadão, Manoel Peixoto, quando avisado da quantidade de cangaceiros, estando a trabalhar no roçado com seus filhos, chama-os para irem topar o ‘cego’. Notando que os outros não iriam emboscar Lampião e seu bando, pega suas armas, seu bornal de munição e, depois de xingá-los, resolveu ir sozinho emboscar a fera das caatingas sertanejas. No caminho, passa a imaginar onde seria mais adequado o lugar para uma emboscada. Passando pela fazenda de um compadre, seu afilhado lhe ver e pergunta: para onde iria armado? Ele responde que iria colocar uma tocaia em Lampião e seus ‘cabras’. Seu afilhado então resolve ir junto. Pega, também, suas armas e munição e segue seu padrinho naquela ideia louca.

“(...) Ele estava trabalhando com os filhos e os chamou para irem com ele, no entanto eles disseram que não iriam, pois era suicídio e tentaram de todas as formas fazer o pai desistir, mas, Mané (Manoel Peixoto), disse que eles eram umas mulheres barbadas e se não tivesse um homem para ir com ele, ele iria só (...).” (Ob. Ct.)

Os ‘cabras’ que Virgolino tinha mando ficarem de tocaia para ver se alguém dos sítios vizinhos viria ao encontro de sua cabroeira, pegam e prendem, sequestram um cidadão que morava na fazenda Santana. Esse cidadão era cego e caminhava sob a ajuda de um ‘guia’. Após fazerem-no prisioneiro, mandam o guia de volta a sede da fazenda com o recado de que se alguém descesse para atacar seus amigos, o cidadão cego morreria. Mesmo essa pessoa não podendo enxergar, foi vítima de maus-tratos, pancadas, humilhações e serviu de montaria para alguns dos cangaceiros.


Mané Peixoto e seu afilhado, Ducarmo, fizerem buscas nas redondezas e não notaram sinais algum dos cangaceiros. Procuraram pontos elevados para terem uma total visão da região e, nada, nem sombra da horda sanguinária. Pensam então que eles tomaram outra direção e foram embora. Atravessando as armas nos ombros, retornam por outro caminho. Na medida em que seguiam, botam para conversar sobre o que poderiam terem feito e como seria importante para todos darem cabo de Lampião.

Virgolino, em certo trecho da caminhada, leva seu bando para onde tinha água. Os cangaceiros fazem uma ‘festa’ na beira do reservatório do líquido tão precioso para os sertanejos. Uns lavam suas roupas, outros vão tomar banho e todos, antes de tudo, procuraram encherem seus reservatórios individuais, as cabeças, que serviam como cantis.

Ducarmo e seu padrinho vão soltando conversas ao vento quando, de repente, um cavalo relincha dentro do mato. De imediato os dois olham para o mesmo lugar de onde partira o som e veem um cavalo branco. 



Peixoto sabia, e tinha dito ao afilhado que na notícia que enviaram, dizia que Lampião estaria montando um cavalo branco. Nem deu tempo para mais nada. Espirra cangaceiro de tudo quanto é moita na beira da estrada.

Sem tempo para pegarem as armas longas, padrinho e afilhados se valem das curtas. Sacam seus revólveres e começam a atirarem nos cangaceiros. Depois, conseguem atirar com as outras... e o tempo fechou nas margem da Lagoa Grande.


Luiz Pedro, tendo saltado para o caminho, reconhece, de imediato, quem é um dos dois homens que seguiam de estrada afora. Nesse momento dar o alarma ao chefe e, colocando sua arma em posição, a qual já estava manobrada, com bala na agulha, atira na direção de Peixoto. O tiro do cangaceiro da fazenda Cordeiro é certeiro. Atingindo a perna de Mané, essa se quebra e ele cai por terra. Mesmo assim, deu tempo de Peixoto acertar o frontal de um dos cabras, que cai instantaneamente, morto, junto a ele. O tiroteio é ferrenho. O “Rei dos Cangaceiros” não tendo tempo, também para proteger-se, fica por trás de uma pequena pedra e isso lhe salva a vida.

Os dois, padrinho e afilhados, conseguem abrigos por trás de duas árvores frondosas e de caule grosso, robusto. Uma maneira de brigar dos cangaceiros era gritando e soltando inúmeros impropérios para com isso ver se seu inimigo frontal tremia e esmorecia, porém, isso estava longe de ocorrer com aqueles dois homens do sertão. No entanto, os inimigos dos dois eram numerosos. Passando o primeiro instante, o “Rei Vesgo” começa a coordenar o cerco, já que estava ciente da quantidade de adversários e suas posições. A coisa engrossa para os dois valentes. 

O mais velho, com os ossos da perna despedaçados, sinaliza para que seu afilhado se aproxime. Arrastando-se ele faz o que o padrinho ordena. Chegando perto, escuta ele dizer-lhe que sabe que não tem mais saída devido o ferimento que tinha. Que ele procura-se seus filhos e lhe contasse como tinha morrido, sendo um homem.

“(...) Mané Peixoto viu que o cerco estava se fechando, o tiro de fuzil tinha esbagaçado o osso de sua perna e ele estava brigando na valentia, mas sabia que sua vida estava perdida, porque mesmo que chegasse ajuda os cangaceiros já estavam muito perto e o cerco estava se fechando, logo iriam lhe acertar. Deu um sinal para Ducarmo para que se aproximasse, rastejando ele chegou perto do padrinho e ouviu:

- Olhe meu filho, para mim a luta tá perdida, sei que não saio com vida daqui, vai e diga a meus filhos que morri, mas morri brigando como homem!

- Não padim, se for pra morrer vamos morrer os dois. Eu num lhe deixo só não!

- Olhe meu filho, me atenda, eu sou seu padim e eu tô morto de todo jeito. Sei que desse tiro não escapo, se eu tivesse chance ia pedir a você pra ficar comigo, mas eu não escapo, vou só é lhe sacrificar em vão. Vá, você é um homem, foi uma honra brigar junto com você, diga no Bom Sucesso que dois homens brigaram contra Lampião e 50 cangaceiros, e não levaram desvantagem, diga também que Mané Peixoto morreu, mas levou um com ele. Vá, me obedeça, eu sou seu padim. Saia logo, se não eles fecham o cerco e não tem mais como sair. Vá que eu vou segurá o fogo! (...).” (Ob. Ct.)

Ducarmo ainda relutou um pouco, porém, percebeu que seu padrinho estava com a razão. Ficou a matutar como sairia daquela arapuca, e traria ajuda para socorrer seu padrinho. A coisa não estava moleza. De um lado a água, por onde, se ele entrasse estaria perdido. Por trás estavam Luiz Pedro com seus homens a apertarem, cada vez mais o cerco. Na frente, estava Lampião entocado e mandando chumbo com um fuzil. De repente, estala uma ideia. Percebe um pequeno intervalo nos disparos de Virgolino, entre atirar e manobrar o fuzil, que seria, uma chance em um milhão, mas, era a única que tinha. Assim que Lampião atira, ele levanta-se de um salto e avança pra cima dele atirando. Lampião não teve tempo de manobrar sua arma, pois tinha que livrar-se das que Ducarmo atirava em sua direção. A única maneira de livrar-se de uma bala daquele homem seria se movendo rapidamente. Virgolino começa a mexer-se, rolando por cima de macambira, urtiga, coroa de frade e a ‘febe tive’ que estive no solo, pois tinha que salvar sua vida.

Ducarmo com seu 44 consegue disparar nove tiros, e por pouco não conseguiu matar Virgolino. Sem poder parar, seguiu na toda em direção a uma cerca de aveloz que existia logo a frente, que levava a fazenda Bom Sucesso. Um dos cangaceiros nota a ação de Ducarmo, que é rápida e precisa. Pensando não ter mais munição na arma, o cabra parte para pegá-lo de mão, quando já está para alcançá-lo, Ducarmo vira-se e atira no meio do peito do cangaceiro que solta um urro e cai prontinho no chão.

“(...) Na saída, Ducarmo deu 09 tiros, seu rifle era um papo amarelo 44 de dez tiros, um cangaceiro ainda partiu atrás dele pensando que ele tinha ficado desarmado, sem munição, queria lhe pegar a mão, porém Ducarmo correu em direção ao Bom Sucesso. Na cerca de aveloz o cangaceiro já ia triscando a ponta dos dedos nas costas de Ducarmo quando ele se virou e atirou, dizia que atirou em cima do peito, o cabra só deu um gemido e caiu como um bode. Ducarmo vendo que mais um cangaceiro caía sem vida, gritou:

- Nós ganhamos padim, mais um já se foi! (...).” ( Ob. Ct.)

Manoel Peixoto estava às voltas com os cangaceiros sedentos de sangue. Atirou até seu último cartucho. Acabando a munição, o valente da fazenda Bom Sucesso saca da lambedeira e grita desafiando Lampião para enfrentá-lo peito a peito. Os cangaceiros o pegam e o desarmam daquela arma inútil naquele momento. O terceiro filho de José Ferreira diz que seu oponente não era para morrer daquele jeito, que se ele pedisse a benção, ele procuraria cuidar da perna dele. Peixoto respondeu não querer, pois era homem. Lampião ordena a cabroeira a matá-lo. Eles começam cortando as orelhas, depois, retiram suas calças e o castram, por fim, Lampião saca de seu punhal medindo mais ou menos uns sessenta centímetros e ele mesmo sangra Manoel Peixoto, na altura da ‘saboneteira’. Deixando o corpo todo desfigurado, pois além das atrocidades feitas com armas brancas, os cangaceiros disparam vários tiros no corpo dele, além de colocarem em cima do mesmo seus órgãos genitais. Como lembrança, o “Rei dos Cangaceiros” leva as orelhas e suas armas. Isso ocorreu na Lagoa Grande no dia 3 de maio de 1926, há exatos, 91 anos atrás.

Fonte “A Maior Batalha de Lampião” – LIMA, Laurindo Teles Pereira (Louro Teles)1ª Edição. Paulo Afonso, BA, 2017.
Foto Ob. Ct.


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