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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

ESPINHOS DE PONTA AFIADA

*Rangel Alves da Costa

“Decerto Brió, decerto. O que espinha a gente num é espinho de mato não, Brió. E tenha certeza disso. Espetada de mandacaru é dor que passa. Pinicada de facheiro é dor que passa. Prefiro a espetada do mato, na dor que dói e que passa, do que a espetada do povo. Espinho de gente tem cura não. A pele pode nem ferir, mas o coração agoniza pela maldade, pela falsidade e pela injustiça...”.
Já me lanhei de tufo de mato afiado. Mas veja, amigo Brió, o sangue escorrido foi sangue logo sumido. Um arranhãozinho e acabou. Também sei o quanto coça urtiga e cansanção. Na pele, é mesmo coisa de endoidar. Mas digo, continuo dizendo que nada igual à urtiga e cansanção que vem da língua do povo, da boca maldosa do povo. Uma gente que só não é arma de vez porque a natureza num quis assim, mas que tem o mesmo poder de matar.
Coisa de ponta afiada tem por todo lugar da mataria. garrancho de catingueira parece faca amolada. Espinha de quipá fez estrago até no olho de Lampião. O que não se avista de repente, no instante seguinte já tá pinicando a pele. Ponta afiada, miúda, a pessoa nem imagina o estrago que faz. Depois do sangue jorrado e da marca na pele, então é tudo em acabação. Mas duvido Brió, duvido compadre, que eu num prefira mil vezes ser arranhado e azunhado assim.
Como disse compadre, a dor das coisas do mato é dor que passa. Pode ser a ponta de pau mais afiada do mundo, pode ser o espinho mais perigoso do mundo, pode ser a navalha em forma de folha, mas nada igual à selva do homem. No mato, o espinho está por todo lugar, mas na cidade o espinho está em tudo. O espinho envenenado está no olho, na boca, na mão, no pé, no corpo inteiro. É um povo que já olha matando. É uma gente que já enterra antes de matar. E todo mundo contra todo mundo, até parente contra parente. Já vi bicho de mato maldoso, mas igual ao bicho homem não há igualia no mundo.


Sei não, compadre, sei não. Já nem sei de quantas espinhadas eu já tomei em minha vida de mato. Em cima do cavalo ligeiro, todo encourado, mas de repente a ponta do espinho acertando bem onde estava desguarnecido. Na lide de caçador, cortando mataria e todo tipo de tufo de mato, vez por outra eu me via sangrando sem ao menos saber o que era. Ora, mas era espinho, ponta de tudo enfiando na pele. Doía, ardia, sangrava, mas não demorava muito e tudo já tava cicatrizado. Agora pergunto compadre, ponta de língua afiada cicatriza na honra, na alma, no mais profundo do ser humano?
Vou dizer mais compadre, vou dizer mais. Dizem que espinho de palma faz até o sujeito perder o dedo se não cuidar logo depois de ter enfiado na pele. É assim mesmo, pois o bicho parece que tem veneno. Mas dito bem. O risco está no descuido e no deixar pra lá. Ainda assim, o espinho de palma num chega nem perto da língua de muita gente. Uma vez ferido pela língua, uma vez sangrado pela afiação da maldade, tudo desanda de vez, pois é morte certa. Não a morte de acabação, mas a morte daquilo que de melhor a pessoa pode ter, que é o seu nome, a sua honra, a sua reputação. E tudo pode acabar por causa desse espinho maldoso do fi da peste.
Bom mesmo, compadre, era que cada gente assim tropeçasse em si mesmo e caísse com tudo em cima da ponta afiada. E ao levantar já num tivesse serventia de nada. Envenenado tava e envenenado continua. Acabar o mal pelo mal”.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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