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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A TRÁGICA ODISSEIA DOS ÍNDIOS PEGAS, NATIVOS QUE FORAM EXPULSOS DO ARRAIAL DO PIANCÓ, ATUAL POMBAL/PB


Por Jose Tavares de Araújo Neto

Em carta, datada de 06 de agosto de 1698, à Manoel Soares Albergaria, Governador da Capitania da Paraíba, o Capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo relata que nas primeiras horas da manhã do 19 de julho, dia das santas católicas Justa e Rufina, sua expedição havia realizado um ataque de surpresa contra a aldeia dos índios Pegas, deixando um sado de 32 mortos, 72 presos, além de grande quantidade de índios feridos. Vangloriava-se o Capitão-mor no seu nefasto escrito que havia autorizado a matança de muitos dos prisioneiros por serem incapazes, o que sugere que todos sobreviventes, como idosos, crianças mulheres e feridos, foram executados porque no entender do comandante da expedição não tinham nenhuma utilidade para o serviço escravo. A barbárie só não atingiu proporções maiores porque entre os tiros e a fumaça produzidas pelas estranhas armas dos invasores muitos nativos assustados se embrenharam mata adentro.

Em 1711, o Arraial do Piancó é elevado a condição de Freguesia, unidade mínima da organização geopolítica do reino português que permitia uma limitada independência político-administrativa. Além da delimitação de área geopolítica, a medida permitiu que fossem nomeados Juiz Ordinário, Escrivão e Tabelião, escolhidos em Assembleia pelos “homens bons”, denominação dos membros da comunidade que tinham relevância social. Uma das primeiras medidas tomadas pela nova ordem foi a imposição de trabalho aos “vadios” e promoção de castigos aos “delinquentes”, que na prática significava uma forma velada de impor trabalho escravo e maus tratos aos indígenas que não permanecessem em suas aldeias. Neste mesmo ano, chegam a localidade o Padre Antonio Saraiva da Silva e seus irmãos Inácio Saraiva de Araújo e João Saraiva da Silva. O Padre Antonio Saraiva, missionário da ordem de Santo Antonio, considerado o primeiro pároco do Arraial de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó, atual Pombal/PB, com atuação durante o período de 1711 a 1718, vai ter uma importante participação em defesa dos índios Pegas, dos quais passa a ser catequizador.

A aldeia dos índios Pegas, situado onde hoje é o Centro Histórico da cidade de Pombal/PB, foi massacrada pelo expedição do bandeirante Teodósio de Oliveira Ledo, na manhã de 19 de julho de 1698. Os sobrevivente que não foram feitos prisionais se aldearam nas confluências dos rios Piranhas e Piancó, a cerca de uma légua de distância de onde foram expulsos.

À medida em que os colonizadores iam ocupando o território as aldeias iam sendo removidas para áreas mais interioranas, apesar dos ineficientes esforços dos indígenas em permanecerem em suas terras. Em 1730, o capitão-mor João de Miranda reclamava da necessidade de transferência dos Pegas, Panatis, Icós e Corema, sob a argumentação de que como as aldeias estavam situadas entre as fazendas de gado, os criadores estavam submetidos a prejuízos causados pelos constantes roubos de gados praticados pelos indígenas. Em pouco tempo, os Pegas já se encontravam aldeados nas várzeas do Riacho dos Porcos, nas imediações da Serra de Patu.

Desde que foram expulsos do Piancó,os Pegas já haviam sidos enxotados de duas localidades nas margens do Piranhas. Assessorado pelo Padre Antonio Saraiva, o Capitão-mor dos Pegas Francisco de Oliveira Ledo, (não confundir com este que os índios denominavam Chico, com o homônimo Capitão-mor de Piranhas e Piancó, que só chegou a região em 1757), requere ao Governador do Estado uma data de sesmaria na Serra do Paxicú, conhecida pelos colonizadores como Serra Branca, localizada entre o Rio Upanema, afluente do Apodi, e o Rio Piranhas, nos termos da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó. Em suas alegações, o Capitão-mor dos índios indica as limitações do local e afirma que sua tribo necessita de uma data de sesmaria, sem vizinhança nenhuma, onde possa assentar sua aldeia para criação de gado e plantação de lavoura, sem mistura com os brancos.

Em 12 de janeiro de 1738, Pedro Monteiro de Macedo, Governador da Paraíba, concede aos Pegas uma data de sesmaria, “com três léguas de comprido e uma de largo”, localizada no flanco sul da Serra do Peixacó.

Diferente do que imaginavam, em pouco tempo na sua nova morada, os Pegas iriam constatar que estavam em uma zona bastante conflituosa, em que os índios nativos da região e os sesmeiros disputavam entre si cada palmo daquele chão. Em 1740, dois anos após terem chegados ao local, os Pegas são expulsos pelos irmãos Carlos Vidal Borromeu e Clemente Gomes, auxiliados pelos índios Paiacus, indo viver na no setor mais ao leste, na Serra da Cepilhada (onde hoje está situada a Cidade de Campo Grande, no Rio Grande do Norte). A nova aldeia se confronta com terras pertencentes ao Capitão João do Vale Bezerra, influente sesmeiro, muito ligado aos Governadores da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Em 1750, o Padre Antonio Saraiva adquire uma sesmaria que se confronta ao Sul com terras dos Pega e ao Poente com propriedade do Capitão João do Vale.

A cidade de Campo Grande foi edificado no local onde era a quarta aldeia dos índios Pegas. Depois de Pombal, se aldearam em duas localidades do Rio Piranhas, depois no Riacho dos Porcos e Serra de João do Vale.

Em 1757, as Pegas enfrentam uma nova disputa de terra, desta feita com o Capitão João do Vale, que havia conseguido junto ao Governador da Paraíba autorização para expulsá-los da vizinhança de suas terras. Em represália, os índios invadem as terras de João do Vale, matam gado e tocam fogo nos roçados e pastagens. O Capitão presta queixa e pede providências ao Governador de Pernambuco, que manda um Ouvidor apurar a querela. Na época, já era Capitão-mor de Piranhas e Piancó Francisco de Oliveira Ledo, xará do antigo Capitão-mor dos Pegas, que agora ocupava o cargo de Governador da tribo. Em defesa dos Pegas, o Padre Antonio Saraiva recorreu aos bons préstimos do seu amigo Capitão-mor de Piranhas e Piancó, que organizou uma forte expedição militar e foi até o lugar do conflito, uma clara demonstração do seu poder bélico. Por outro lado, utilizando-se do prestígio político de sua família, o Capitão-mor fez queixa diretamente ao Rei de Portugal, qualificando a atitude do Governador da Paraíba como um abuso contra o direito dos indígenas.

D. Jose I determinou a permanência provisória dos índios e solicitou que o Governador de Pernambuco, a qual a Capitania da Paraíba era subordinada, elaborasse um relatório sobre a contenda. Em seu parecer, o Governador de Pernambuco se posicionou favorável a permanência dos Pegas em suas terras. O Governador disse que havia constatado que os Pegas estavam situados em terras propícias a fornecer-lhes todo o necessário para o seu sustento, e que, segundo os moradores da região, estava havendo uma disputa entre João do Vale e o Padre Antônio Saraiva, que missionava entre os índios, cada um pleiteando o flanco de serra do outro para benefício próprio. Em resposta, a Coroa emitiu um parecer pedindo a demarcação das terras em questão para dirimir as dúvidas sobre o que cabia a cada sesmeiro e em seguida, ressaltou que o padre deveria se limitar às questões espirituais em relação à aldeia. Para dar satisfação ao Governador e a Coroa Portuguesa, o Bispo de Pernambuco aplicou uma multa de 200 mil réis ao Missionário dos Pegas.

Em 25 de maio de 1759, o Governador de Pernambuco, Luiz Diogo Lobo da Silva, informava à Corte Portuguesa que havia iniciado os procedimentos para instalações de novas vilas, em consonância com as determinações emanadas do Diretório dos Índios. Dizia que já havia convidados os representantes dos principais aldeamentos de sua jurisdição para comparecerem a Recife a fim de serem melhor esclarecidos sobre as novas advindas da Corte. Acrescentava o Governador, estar bastante preocupado com a possibilidade de que a informação da saída dos missionários, seus fiéis protetores, pudesse gerar insatisfação, causando distúrbios e conflitos entre os índios e os novos emissários régios que deveriam assumir seus postos nas novas missões.

Em 1760, falece o Padre Antonio Saraiva, deixando os Pegas mais vulneráveis as investidas ambicionais dos colonizadores. A partir de então, a sobrevivência da tribo iria depender exclusivamente da coragem e resistência dos seus bravos guerreiros, guarnecidos por suas armas rudimentares e obsoletas, mas indispensáveis à caça e à defesa. Sem o seu conselheiro e líder espiritual, a tribo ficou sob o comando dos líderes Francisco de Oliveira Ledo (Chico), agora no cargo de Governador dos Pegas; o Capitão-mor Francisco Pereira Carneiro e Clemente Gomes, que também já havia ocupado o posto Capitão-mor.

Em 1761, a aldeia dos Pega já estava arrolada entre as que deveriam ser desapropriadas e os seus moradores fossem removidos para habitarem nas povoações que deveriam ser transformadas em vilas. A legislação portuguesa determinava que as pequenas aldeias deveriam ser incorporadas uma as outras constituindo um único núcleo habitacional, de forma a viabilizar a formação das novas vilas, que deveriam contar com uma população mínima de 150 casais. Estas incorporações deveriam ser antecedidas de reuniões em separadas com cada tribo, nas quais haveria explanação com toda clareza sobre as diversidades das culturas e demais circunstâncias que poderiam enfrentar, seguida de consulta e pronta aprovação das respectivas tribos. Em maio deste mesmo ano, o Juiz de Fora Dr. Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelo Branco, responsável pelo processo de formação de novas Vilas, estava na Serra dos Pegas.

A Vila de São José do Rio Grande, hoje São José do Mipibu/RN, em 1761, foi povoada pelos índios Pegas e Potiguaras.

Em relatório ao Governador de Pernambuco, Castelo Branco se pronunciou favorável a transferência dos Pegas, sob o argumento de que onde eles habitavam havia pouca água, as terras tinham pouca utilidade para os índios e muita para a pecuária dos colonos e que “a desordem das plantas é inexplicável, e o fruto que delas se colhia tão pouco, ou tão mal aproveitado que quase todos os índios estão nus, e só as mulheres ocultam com folhas de árvores as partes que a natureza ensina a cobrir”. Um laudo com conclusões completamente conflitantes com as que o Governador de Pernambuco tinha apresentadas quatro a anos antes, o que demonstra que foi elaborado na medida certa para atender os interesses dos colonizadores, que almejavam a expulsão dos índios das proximidades de suas fazendas e se apossarem das suas terras.

Sob a alegação de passar em revista, os índios foram convocados para um alistamento. No dia marcado, os Pegas compareceram munidos de suas inseparáveis armas, cujo poderio bélico se resumia a arcos, flechas e algumas poucas espingardas. O Juiz de Fora Castelo Branco fez uma explanação sobre a nova política indigenista que a Coroa iria pôr em pratica, prometendo terras boas para morar, criar seus animais e plantar suas lavouras, além de armas modernas para caça e proteção. À medida que os índios iam se alistando, seus arcos, flechas e espingardas iam sendo recolhidos, sob o argumento de que aquelas armas eram reprovadas pelo Rei, e que seriam substituídas por outras mais modernas, como merecem os soldados reais. Em pouco tempo os Pegas ficaram completamente desprotegidos.

A comunidade do Sítio Pega, em Portalegre/RN, é formada por descendentes de negros escravizadas e índios Pegas. A imagem de São Gonçalo, que pertenceu ao líder indígena João do Pega, é uma relíquia que a comunidade tem muita veneração.

Recolhida as armas, foi iniciada a reunião, na qual foi proposto a transferência para a Missão do Apodi, na Serra do Regente, onde seria instalada a Vila de Portalegre, se juntando aos Paiacus, que já se havia sido transferidos para no lugar. A sugestão foi de pronta refutada pelos Pegas, que alegaram ser velhos inimigos dos Paiacus, referindo-se desavença iniciada desde a batalha de 1740, quando foram expulsos de sua primeira moradia, logo que chegaram à Chapada do Apodi. Diante da negativa, o Juiz de Fora determinou monocraticamente que os índios iriam ser transferidos para a Missão de Mipibu, indo se juntar aos potiguaras no povoamento de São José do Rio Grande, atual São José do Mipibu/RN.

Não realizando a consulta, o Juiz deixou de levar em conta a imensa diferença cultural entre as duas tribos. Os Potiguaras pertencentes ao grupo dos Tupis, que falavam o idioma Tupi, habitavam na zona litorânea e tinha relação amistosa com os colonizadores; os Pegas, do grupo dos Tapuias, que habitavam o interior, falavam outro idioma e mantinham uma relação bastante conflituosa com os colonizadores. Apesar da contestação de uma parte considerável, ficou mantida a decisão do Juiz, que marcou para o dia seguinte o início da caminhada rumo a nova morada, uma jornada de mais de 50 léguas.

A Lei do Diretório dos Índios determinava a obrigação de consulta à comunidade indígena quando as vilas fossem constituídas por grupos de etnias diferentes, a fim de evitar futuras animosidades entre tribos de culturas distintas. O Juiz Castelo Branco disse em seu relatório que não havia consultado a vontade dos Pegas porque tinha a absoluta certeza de que nada haveria que os convencessem a se mudar do lugar onde habitavam. No que se pressupõe que a Lei só era aplicada para aqueles que o magistrado tinha certeza que iriam dizer ”sim”.

Na chamada, realizada logo após a missa, foi constatado a presença de cento e quinze casais, contando os casados, os viúvos e a mulheres solteiras com filhos; e trinta rapazes com idade de manejarem armas. Como já era esperado, tendo em vista o histórico de resistência da tribo, houve uma elevada defecção. Grande parte dos índios contrários a transferência buscou refúgios nos lugares mais inacessíveis da serra, a fim de se proteger de uma provável imposição das forças púbicas. Já havia sido definido que a caravana deveria seguir com os presentes e a situação dos ausentes seria definido em uma outra oportunidade. Os bens dos Pegas deveriam ser levados a hasta pública e os valores empregados exclusivamente em seu benefício, principalmente na construção das casas na nova povoação e compra do necessário para cobrir sua nudez. O Juiz havia realizada uma campanha junto aos vizinhos do Pegas, principais beneficiados com sua ausência, que deveriam ficar livres dos “contínuos roubos e furtos”, no sentido de arrecadar recursos para cobrir as despesas com mantimentos e possíveis danos cometidos durante a viagem.

A transferência dos Pegas para a Missão do Mipibu foi realizada de forma compulsória e abrupta, utilizando-se um rigoroso esquema militar. Os índios foram submetidos aos mesmos moldes utilizados em condução de prisioneiros de guerra. Homens, mulheres, crianças, anciãos, inclusive pessoas com limitações de locomoção, cercados por uma tropa de cavaleiros fortemente armados, com uma atenta vigilância durante todo o percurso, afim de eliminar, a qualquer preço, as chances de deserções. Chegando ao destino tudo estaria resolvido, pois havia um consenso de que a enorme distância era uma muralha quase intransponível, capaz de impedir o sucesso da teimosia dos indígenas que por ventura desejassem retornar ao lugar de origem.

Em julho de 1761, o Governador do Rio Grande do Norte informou dos constantes conflitos entre as duas tribos e que grande parte dos Pegas havia fugido, permanecendo apenas vinte, dos cento e cinco casais que haviam chegado à Missão do Mipibu. O Juiz de Fora Castelo Branco juntou-se as forças públicas e seguiu pessoalmente no encalço dos foragidos. Os índios foram localizados e cercados próximo ao Rio Miriri, região de Mamanguape, na vizinha Capitania da Paraíba. Apesar de fuga de alguns, a maioria do grupo foi capturada e seus líderes, o Governador Francisco de Oliveira Ledo, o Capitão-mor Francisco Pereira Carneiro e Clemente Gomes, que também já havia ocupado este posto, no mês seguinte foram encaminhados para Recife.

O Governador de Pernambuco havia ordenado ao Juiz de Fora que fizesse um Auto de Sumário para averiguar os furtos e mais insultos praticados pelos índios pega, pois, no seu entender, era por demais necessário identificar os mentores dos furtos, motins e fugas, ocorrido no mês anterior. Foram testemunhas do sumário o novo Diretor dos Índios da Missão do Apodi, futura Vila de Portalegre, Tenente-Coronel José Gonçalves da Silva, o Capitão Francisco da Costa Passos, morador da Serra de Martins e o Capitão Matias Antônio Afonso, fazendeiro da Freguesia do Açu, que foram unânimes em afirmar que os Pegas livres em sua serra não só roubavam o gado das fazendas e destruíam as roças, como também praticavam assassinatos. Em sentença proferida em 6 de dezembro, o Governador de Pernambuco, sob a argumentação de haver constatado evidências da verdade dos delitos nos autos do Sumário, condenou os três líderes ao degredo para Angola, colônia portuguesa, localizada no continente africano.

Em meados do mês de julho, já retirados os que não seguiram para a Missão do Mipibu, foram leiloadas as roças, mangas de pastagens, caprinos e casa se farinha, totalizando um valor de 310 mil réis. No dia 19 de novembro, foi levada a hasta pública a propriedade adquirida em 1938, através de Carta de Sesmaria, desde então conhecida por Serra dos Pegas, arrematada por 420 mil réis pelo Capitão João do Vale Bezerra, o mesmo que em 1757 havia requerido a “expulsão” dos Pegas daquele lugar, o que só não veio a acontecer graças a providencial intervenção do Capitão-mor Francisco de Oliveira Ledo.

Dos 730 mil réis arrecadados pela venda do patrimônio dos Pegas, 100 mil foram destinados à conclusão da Igreja da Vila de São Jose, outros 100 mil para investimentos na Vila, a título de quitação dos 200 mil réis da multa que Bispo havia imposta ao falecido Padre Antonio Saraiva. Outra parte foi empregado na construção da Casa da Câmara e Cadeia, ironicamente sob a argumentação de que os índios seriam os mais beneficiados, quando se sabe que a Câmara era exclusividade para os “homens bons”, representantes da elite branca, sobrando para os índios a indesejável estadia na cadeia. O restante do dinheiro destinou-se ao pagamento dos Desembargador e seus auxiliares pelos serviços de instalação da vila e em empréstimos ao Capitão-mor e ao Sargento-mor da Vila.

Por fim, a Vila de São Jose do Rio Grande foi instalada em 22 de fevereiro de 1762, com uma população de 1235 índios, Potiguaras e Pegas, e 5 Companhias de Milícias com 250 Praças. Em 1779, o Diretor da Vila de São José foi denunciado por não repassar dinheiro destinado ao pagamento de diárias por trabalho efetuado pelos índios. Em atendimento a queixa dos índios, o Ouvidor determinou que toda a pessoa que deu ao dito Diretor algum dinheiro pertencente aos índios, no prazo de oito dias o venha declarar, sob pena de terem que pagar pela segunda vez. No ano seguinte foi nomeado um novo Diretor, com recomendações e advertências a respeito do fiel cumprimento das normas estabelecidas no Diretório, inclusive um Livro numerado pelo Corregedor da Comarca que sirva para lançar a Receita e Despesa da Fazenda Real. A medida pareceu inócuo, pois ao longo dos anos as denúncias persistiram, a exemplo de 1810, quando Oficiais da Câmara fizeram queixas de que o Diretor recebia o pagamento das diárias e não entregava aos índios e também o acusavam de tirano, que fazia uso da força, oprimia, usurpava e roubava o suor e o próprio sangue dos que regam a terra. Os Oficiais pediam que fossem apuradas as queixas e que se mandasse restituir a estes pobres e miseráveis vassalos tudo que lhes tem sido usurpado do seu suor.

Logo que os Pegas foram encaminhados à Missão de Mipibu, em junho de 1761, os remanescentes que permaneceram no Apodi foram retirados de suas terras e aldeados em uma faixa de terra nos arredores da recém-criada Vila de Portalegre. Os colonizadores faziam vista grossas aos protestos da comunidade indígena, que recamava da péssima qualidade da terra, que não oferecia as condições mínima para a sua subsistência.

Dia após dia, os nativos se mostravam cada vez mais impacientes diante da insensibilidade dos colonizadores, que para os colonos reservaram terras boas, enquanto que a eles sobraram terras emprestáveis. Em 1825, sob a liderança de Luíza Cantofa e João do Pega, os índios atacam a Vila de Portalegre, resultando na morte do delegado de Polícia, Capitão Bento Ignácio de Bessa, e o suicídio do Coronel Vieira de Barros. No dia 03 de novembro, já restabelecida a ordem, os índios foram feitos prisioneiros. A pretexto de que seriam encaminhados à cadeia de Natal, a cerca de uma légua da Vila de Portalegre foram obrigados a improvisar uma grande cruz utilizando árvores do local e depois de colocados lado a lado, foram friamente fuzilados. No dia 03 de novembro, já restabelecida a ordem, os índios foram feitos prisioneiros. A pretexto de que seriam encaminhados à cadeia de Natal, a cerca de uma légua da Vila de Portalegre , após serem obrigados a construir uma grande cruz e rezarem um terço, foram colocados lado a lado e cruelmente fuzilados. O macabro evento culminou com um saldo de 70 índios mortos, só escapando João do Pega e a índia Jandira, que conseguiram fugir. Na verdade, a suposta sobrevivência do cacique João do Pega nunca foi comprovada, já que após o trágico episódio ele nunca mais foi visto, o que suscitou muitas lendas em torno do seu nome.

Após a tragédia de 1825, os indígenas sobreviventes, órfãos de líderes, recolheram-se em sua aldeia, distanciando-se dos olhares discriminatórios do restante da população, que os viam como filhos da maldição. Apesar de submetidos ao isolamento social, os indígenas sempre se mostraram receptivos ao acolhimento dos negros escravizados, alforriados ou fugitivos, que buscavam abrigo em suas terras. Consequentemente, essa aproximação entre as duas etnias promoveu vínculos matrimonias interracial. A comunidade conserva com muito zelo e respeito uma imagem der São Gonçalo, relíquia histórica e religiosa que teria pertencido ao lendário João do Pega.

Em 07 de fevereiro de 2007, o Governo Brasileiro, através da Fundação Palmares, reconheceu que a população e a área que ocupam têm relação com os antigos quilombos. A comunidade passa, então, a ter direitos e amparos legais, estabelecidos pelos artigos nº 215 e nº 216 da Constituição Federal, que preveem defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro e a obrigação do poder público em promovê-lo e protegê-lo.

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