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quinta-feira, 4 de abril de 2019

CORDEL

Por Antonio Teodoro dos Santos*

MARIA BONITA, A MULHER-CANGAÇO
A mulher, todas as épocas,
Teve o seu valor histórico
Nas armas e nas ciências 
Com muito saber teórico;
Mesmo no tempo presente
Esse valor é crescente,
Isso é fato categórico.

Portanto vamos fazer
Uma nova narração
Sobre Maria Bonita,
Esposa de Lampião,
Chamada “A MULHER-CANGAÇO”
Que no tempo e no espaço
Assombrou todo o sertão.

Porém antes de falarmos
Da misse das cangaceiras,
Mostraremos as heroicas
Defensoras das bandeiras
Que cobrem com suas cores
Em todos os esplendores 
Os limites das fronteiras...

Na França foi Joana D’Arc
Heroína de valor
Que defendeu sua pátria
Com heroísmo e vigor;
Para honrar a sua terra
Deu sua vida na guerra...
Merece o nosso louvor.

Houve Anita Garibaldi,
Brasileira de figura,
Sua estupenda coragem
Entrou na literatura;
Nunca recusou batalha,
No pipocar da metralha
Mostrou a sua bravura.

Houve também Ana Néri
Que seu nome consagrou
Na guerra do Paraguai,
No século que se passou;
Por gosto se ofereceu,
O seu povo defendeu
E muitas vidas salvou.

Também Maria Quitéria,
A grande miliciana,
Que, da forma de Ana Néri,
É brasileira – baiana -;
Por amor à sua gente
Lutou corajosamente
No rifle e na durindana

O Brasil é uma nação
Que já tem dado homem forte,
Desde o nascente ao poente,
Também desde o sul ao norte – 
Para cumprir seu mister
Tem também dado mulher
Que trouxe essa mesma sorte.

Agora no nosso livro
Vamos abrir um espaço
Para falar de uma jovem
Que tinha os nervos de aço
Com valor de uma pepita,
Ela é Maria Bonita, 
Também: - “A MULHER-CANGAÇO”.

Ela nasceu e criou-se 
Em um sítio que existia
Abaixo de Paulo Afonso,
No Estado da Bahia,
Linda com uma sereia
Porém tinha em cada veia
O sangue da valentia.

Como que veio marcada
Por um poder diferente,
Desde muito pequenina
Tinha o gênio muito quente;
Atrás da bonita imagem
Ela escondia a coragem
Que enganou a muita gente.

Porém o seu nome estava
Gravado na profecia, 
Recebeu a influência
Quando foi levada à pia,
Teve com panaceia 
O sobrenome de Déa –
Batizada por Maria.

O nome Maria traz
Uma magia de glória,
De luta, de sofrimento,
De derrota, de vitória,
Como a que nos trouxe à luz 
Que como mãe de Jesus
Passou da vida à História.

Há Maria Aparecida
Logo Maria Bendita
Depois Maria das Dores
Que chora a sua desdita,
Porém a nossa Maria
De DÉA ao sair da pia
Passa a Maria Bonita.

Porém agora, leitor,
Precisamos com franqueza
Esclarecer como foi
Que a nossa misse-princesa
Foi chamada de Santinha,
Bonita, também Rainha,
Por quem viu sua beleza.

Maria cresceu correndo
Nos campos, nos tabuleiros,
Como todas as crianças,
Brincando pelos terreiros,
Ouvindo aquelas históricas
Das derrotas e vitórias
Dos grupos de cangaceiros.

Brincava do mesmo jeito
Com meninas e meninos,
Porém gostava de usar
Os brinquedos masculinos
Como armas e cavalos;
Jamais queria trocá-los
Pelos outros femininos.

Brincando mostrava que
Não gostava de boneca,
Preferia ser chamada
De uma menina sapeca,
Quando usava um berimbau
Ou um cavalo de pau,
Um bodoque ou uma peteca.

Assim crescia a menina
Sem sentir medo nem pejo
Pelo seu procedimento
Quando impunha o seu desejo
No caminho do destino
Sob o clima nordestino
Do sol quente sertanejo.

Quanto mais ela crescia
Mais ficava diferente:
Mais astuta, mais bonita,
Mais corajosa, mais quente,
Mais atraente, mais viva,
Mais forte, mais positiva,
Mais sensível, mais valente.

Na fazenda em que vivia
Em bons cavalos montava,
Para o trabalho do campo
Qualquer animal domava;
Em festa de vaquejada
Era muito admirada,
Até prêmio disputava.

Pois quando avançava que 
Pegava um boi pelo rabo
Que o enrolava na mão,
Mesmo sendo um bicho brabo,
Ela dava um safanão
E o derrubava no chão,
Depois gritava: - Eta diabo!

Porém quando precisava
Ela corria no mato
Enfrentando tiririca,
Calumbi, unha-de-gato,
Mandacaru, pau-a-pique,
Palmatória, xique-xique, 
Cansanção, erva-de-rato.

Só que existia um problema
Que prendia a sua sorte:
Ela pensava em casar,
Mas queria um macho forte –
Do bofe no pé-da-goela
Que sendo em defesa dela
Desse a vida pela morte.

Passava o tempo e Maria
Já ficando solteirona,
Pois o homem que queira
Não via naquela zona:
Era um rapaz valentão
Que quisesse o coração
De uma mulher valentona.

Um rapaz disse a um vaqueiro:
- Aquela cara de tacho,
Embora seja tão linda...
Para mim, sabe o que eu acho?
Onde o rapaz vive a esmo,
Casar com Maria é o mesmo
Que casar com um macho!

O vaqueiro respondeu:
- Não precisa que se zangue,
Mas como já opinou,
Peço que de mim não mangue;
Ela pode, consciente,
Agarrar uma serpente,
Matar e beber o sangue.

Porém tudo nesta vida,
Seja bom ou seja ruim,
Por uma lei da pergunta
A resposta é não ou sim;
Não errando o endereço,
Tem de existir o começo
Para poder ter o fim.

Com nossa Maria Déa
Foi isso o que aconteceu,
Na sua vida agitada
Um rapaz apareceu
Como que numa bandeja –
Quando viu a sertaneja,
Por ele se derreteu...

Maria que por ali
Não encontrava um querido,
Sem querer morrer donzela,
Até num toco vestido
Ela avistava um rapaz
Forte, bonito e capaz
Para ser o seu marido.

Assim que avistou o moço –
Da maneira que a olhava – 
Esquentou o corpo todo, 
Esqueceu o que pensava;
De um homem pra casar –
Queria desencalhar,
Fosse quem fosse aceitava.

De fato que tem mulher
Que após esquentar seu tacho
Sob o fogo de Cupido
Vira-se toda num facho,
Cada veia se dilata...
Só não casa com barata
Porque não conhece o macho.

Agora veja o leitor
Quanto vale a simpatia,
Depois que chegou em casa
O rapaz que viu Maria,
Pelo que lhe aconteceu
Para a donzela escreveu
Uma carta que dizia:

“Colírio da minha vista,
Sabor da minha comida,
Espelho do meu espírito,
Descanso da minha lida,
Sossego para o meu tino,
Caminho do meu destino, 
Estrela de minha vida.

“Para mim és tudo isso
E mais, pelo que admiro
No teu corpo que me faz
Gemer e soltar suspiro:

És a força da paixão
Que me move o coração,
Trazendo o ar que respiro.

“Pelos dotes do teu corpo
Quero casar-me contigo;
Como me viste e conheces,
Analisas o que digo...
Do teu amor sertanejo
Responde, e receba um beijo,
Se queres casar comigo.

“Aguarda a tua resposta
Esse que te considera,
Que no altar do seu peito
Ele o teu nome venera;
Nesta carta o teu José
Escreve, assina e dá fé
Pela decisão que espera.”

No mesmo instante que a carta
Chegou às mãos da donzela,
Maria leu apressada
O que havia escrito nela,
Pelo que ficou contente
E com a testa tão quente
Que só fundo de panela.

Ao terminar a leitura,
Maria estava sorrindo;
Beijou a carta, dizendo:
- O meu prazer é infindo,
Pelas palavras que li
E pelo rosto que vi –
José – o teu nome é lindo!

Pegou a pena e escreveu:
“Querido José, por ti
Fiquei louca, apaixonada;
Teu olhar não resisti,
Sem dormir nem comer nada,
Estou sonhando acordada
Desde o dia em que te vi.

“A minha resposta é sim
A todos os planos teus,
Para que sejam completos
Também os ideais meus –
Unidos num amor puro
Para que o nosso futuro
Seja selado por Deus.

“Para oficializar
O compromisso, no duro,
Venha pedir-me a meus pais,
Que zelam por meu futuro,
Num casamento que seja
No civil e na igreja,
Para ficar mais seguro.”

Ao receber a resposta,
José veio e com efeito
Pediu a mão de Maria;
O pedido foi aceito...
Beijaram-se muitas vezes,
Com mais ou menos seis meses
O casamento foi feito.

Os noivos, após a festa
Com jantar e arrasta-pé,
Seguiram para a cidade
Onde morava José,
Sem enganos nem receios,
Levando os corações cheios
De amor, esperança e fé.

Na casa onde José tinha
Feito a sua habitação
Com uma mobília simples,
Mas que chamava atenção,
Olhando os lindos matizes
Entraram muito felizes
Sob o calor da paixão.

Vivendo sob os efeitos
Do vinho embriagador
Da adega de Cupido,
Os esposos sem temor
Num sentimento fiel
Passaram a lua de mel
Dentro de um ninho de amor.

Mas depois que se apagou
O fogo da excitação,
Também foram evaporados
Os vapores da paixão;
Maria viu na verdade
A luz da realidade
No véu da decepção.

José era um sapateiro,
Mesmo em casa trabalhava
Batendo sola e fazendo
O que o povo encomendava;
Maria virou-se em fera
Quando viu que ele não era
O homem que procurava.

Porque José em seu corpo
Tinha o mau-cheiro da sola,
As mãos, além de calosas,
Com a sujeira da cola;
Cada vez mais enjoada,
Mais decepcionada,
Maria torcia a bola...

José vivia em casa,
Nem um passeio não dava,
E ficava aborrecido
Se a mulher o convidava
Para sair qualquer dia,
Ele dizia: - Maria, 
Não és a que eu procurava!

Preciso de uma mulher
Para cozinhar feijão,
Varrer casa, lavar pratos,
Com toda a satisfação, 
Ter filhos e trabalhar – 
Ser a rainha do lar –
Sem fazer reclamação.

Maria disse: - José,
Sua opinião me agrava,
Veio-me um gosto de sangue
Na boca que chega trava;
Assim, para o teu mister,
Não queres uma mulher,
Porém uma pobre escrava.

Não casei para viver
Em uma casa trancada
Sem nenhuma liberdade
Como uma sentenciada;
Se soubesse que seria,
Então não era Maria
Que queria ser casada.

Pensei encontrar um macho
Que desatasse os meus nós,
Para festas e novenas
Me carregasse no cós,
Nas missas e nos passeios
Enfrentasse os tiroteios
Dançando pelos forrós.

Nunca pensei me casar
Com um lambedor de sola,
Que fede a couro de boi
Mais à graxa, tinta e cola;
Um fraco, um covarde, um frouxo,
Que de medo fico roxo
Quando vê uma pistola.

Com a mancada que dei
Fiquei tão desiludida
Que me sinto num deserto,
Completamente perdida;
Já se raciocinar
Como poderei passar
O resto de minha vida?

Graças a Deus que não houve
Nenhum ato libertino,
Por isso me sinto livre
Para seguir meu destino
Em busca de um novo ninho
Que não conheço o caminho
Por onde vá não atino.

Enquanto Maria não 
Tolerava mais José,
Ele, coitado, inocente,
Com o seu amor de pé,
Beijando e pedindo bis,
Continuava feliz.
Amando-a com toda a fé.

Nesse tempo apareciam
Pelo sertão nordestino
As notícias pavorosas
Do grupo de Virgulino – 
Protetor dos oprimidos –
Que comandava os bandidos,
Cada qual mais assassino.

As notícias confirmavam
Pelo povo mais ousado
Que Virgulino Ferreira,
Cruelmente injustiçado,
Junto com os seus irmãos,
Com as suas próprias mãos
Procuravam ser vingados.

Virgulino era um rapaz
Que andava de feira em feira
Vendendo selas e arreios
Em toda a zona vaqueira,
Com os irmãos trabalhando,
Sempre o sustento arranjando
Para a família Ferreira.

Porém sem entender como
A desgraça aconteceu,
Seu pai foi assassinado,
Sua mãe também sofreu
Do coração atacada,
Com o marido abraçada, 
Nos braços dele morreu.

Virgulino e seus irmãos
Quando da feira chegaram,
Em uma poça de sangue
Os pais mortos encontraram;
Sem haver outra esperança,
Em procura da vingança
Logo o cangaço abraçaram.

Virgulino que era um macho
Valente como um leão,
Numa batalha ganhou
O nome de Lampião;
Assim, todos os instantes,
Seguido pelas volantes,
Percorreu todo o sertão.

Brigava contra a polícia,
Atacava os fazendeiros,
Sempre os que denunciavam
A pista dos cangaceiros;
Porém, como segurança,
Quando fazia a vingança
Tratava bem os coiteiros.

As notícias que chegava
Aos ouvidos de Maria
A deixavam apaixonada
Pelo que o povo dizia.
Pensava: “Um homem daquele...
Caía nos braços dele,
Se chegasse a vê-lo um dia.”

Até que numa visita
Que fez à mãe uma vez,
Pela sua frustração
E pela insensatez,
Embrulhada com um manto
Chamou a velha a um canto
E uma confissão lhe fez:

- Mamãe, querida mamãe,
Eu vivo bebendo fel,
Foi uma decepção
A minha lua de mel;
Em ter José por marido
Antes tivesse morrido
Na presa de um cascavel.

José não é a pessoa
Que decida a minha sorte,
Para guiar minha vida
Preciso de um homem forte,
Macho, duro até morrer,
Que para me defender
Não tenha medo da morte.

Pelas notícias que tenho,
Esse homem é Virgulino
Ferreira, um injustiçado
Pelo inspetor Saturnino
Que lhe assassinou os pais,
Um dos crimes principais
Que torceu o seu destino.

Depois da morte dos pais,
Virgulino com seus manos
Entraram para o cangaço
Com pensamentos tiranos,
Só em busca da vingança
Caíram dentro da dança,
Executando os seus planos.

Numa batalha que teve
Com o seu rifle na mão,
Pela rapidez que tinha
Para queimar munição,
Seu rifle produziu fogo
E ganhou, no fim do jogo,
O nome de Lampião.

É esse o homem, mamãe,
Que no momento procuro;
Pelo que sei é solteiro,
Valente, sincero e duro,
Não tem medo de perigo:
Assim dá certo comigo
Na trilha do meu futuro.

Segundo um rapaz me disse,
Com medo, quase assombrado, 
Ele está aqui por perto
Nalgum canto camuflado;
Caso a senhora o descubra,
Sem ficar branca nem rubra,
Dê-lhe o seguinte recado:

“Capitão, tenho uma filha
Que só fala no senhor,
Totalmente apaixonada
Pelo seu grande valor,
Quer rapidamente vê-lo
Para melhor conhece-lo,
Seja de que jeito for.

“Ela admira o senhor
Pela sua valentia,
Quer segui-lo no cangaço,
Ser a sua companhia
Na hora mais arriscada,
Quer amar e ser amada
Todas as horas do dia.”

A velha compreendeu
A sua filha tão bela,
Arrependida, sofrendo,
Só confiou mesmo nela;
Prometeu com emoção 
Que se visse Lampião,
Daria o recado dela.

Dias depois ela soube
Por um velho conhecido
Que Lampião se encontrava
Em uma vila escondido;
Ela foi naquela trilha
Dar o recado da filha,
Como havia prometido.

Lá disse: - Seu capitão,
Tenho uma filha casada
Que quer deixar o marido
Por ele não ser de nada;
Como uma mulher valente,
É pelo senhor somente
Que ela está apaixonada.

Quase sem acreditar,
Lampião disse; - Senhora,
Se essa sua filha quer
Deixar o marido agora,
É estranha a cabeçuda,
Mas se não for linguaruda,
Quero vê-la sem demora.

Então a velha mandou
Um filho no mesmo dia
Num cavalo a Santa Brígida
Dar um recado a Maria
Para que viesse urgente
Pois ela estava doente,
Sofrendo grande agonia.

Assim Maria deixou
O seu marido, a morada
E foi atender à mãe
Que se dizia acamada,
Mas quase perdia a fé
Quando viu a mãe de pé
Sem sentir nada de nada.

A velha correu e disse:
- Não reclame o meu chamado:
Eu encontrei Lampião
E lhe dei o seu recado:
Ele para conhecê-la
Disse que queria vê-la,
Porém estava apressado.

Maria disse, contente:
- Também quero conhecê-lo,
Me leve logo até ele
Porque necessito vê-lo,
Medi-lo traço por traço
E depois dar-lhe um abraço
De arrepiar o cabelo.

A velha levou correndo
A filha até Lampião;
Chegando, disse: - “Aqui tá 
A moça, seu capitão”.
Ele respondeu: - “Tá bem, 
Quero saber se ela tem
Justificada razão”.

Porém quando viu Maria
Teve um choque no juízo,
Vendo no seu lindo rosto
O mais perfeito sorriso;
Sem munganga nem arranjo
Pensou que ela fosse um anjo
Caído do Paraíso.

Maria apertou-lhe a mão
E perguntou: - De onde vem?
O senhor é Lampião,
Que muita coragem tem,
Segundo corre a notícia,
Atira e mata a polícia,
Sem ter medo de ninguém?

Lampião disse: - Sou eu 
Um homem que não descansa,
Pela morte de meus pais
Já fiz a minha vingança,
Mas meu nome se destaca:
Quando a polícia me ataca
Também emboco na dança.

Para me defender mato
Seja quem for – não pergunto
Quem é e nem de onde veio,
Para não puxar o assunto;
Luto sem pedir socorro,
Pois se afrouxar sei que morro
E se morrer sou defunto.

Maria disse: - É um homem
Assim, que não tema a nada,
Que há muito tempo procuro
Para não ser enganada;
Se quiser, fico consigo,
Sem temer nenhum perigo,
Para amar e ser amada.

Sei atirar, sou valente,
Posso até fazer um teste
Para ouvir bala zunir;
Peço que não me conteste,
Pois com um fuzil na mão,
Um bom punhal e um facão,
Sei que mato até a peste!

Lampião, cismado, disse;
- Não aceito desacato;
Mesmo eu fui ao Juazeiro, 
Lá tive um conselho exato:
O meu padrinho me disse
Para que eu não conduzisse 
Mulher comigo no mato.

Volte para o seu esposo
Já que a senhora é casada;
Eu sou a luz de uma vela
Que pode ser açoitada
Pelo vento de uma bala
Para em seguida apagá-la
Numa trama planejada.

Maria disse: - Conselho
Só toma mesmo quem quer
Ou homem da fala fina
Que não gosta de mulher...
Para voltar, digo: não!
Só mesmo se o capitão
Com medo não me quiser.

Sei que nas suas andanças
O senhor muito precisa
De uma mulher ao seu lado
Que saiba bem onde pisa
E prepare as refeições,
Costura e pregue botões
Em blusão, calça e camisa.

Criando o primeiro homem,
O Autor da criação
Achou que ele não devia
Parecer na solidão;
Arrancou-lhe uma costela
E fez uma mulher dela
Para viver com Adão.

A conversa de Maria
Lampião ouviu calado,
Sem alteração, sorrindo,
Como que já conformado;
Convidou-a prazenteiro, 
À sombra de um imbuzeiro,
Parecendo apaixonado.

Como que hipnotizado
Na beleza de Maria,
Sentindo o perfume dela,
Lampião se derretia;
Tanto se contraditou
Que no final terminou
Querendo o que não queria.

Conversaram muito tempo
Dos capangas afastados,
Que com tais perspectivas
Ficaram muito alarmados,
Sem entender quando viram
Que os dois na hora saíram
Já caminhando abraçados.

Ficaram mais assombrados
E sem compreender bem
Porque sabiam que o chefe
Não confiava em ninguém,
Porém das mãos de Maria
Tudo que vinha comia
Com confiança também.

Maria que do seu corpo
Sedento de mil desejos
Sentia exalarem todos
Os aromas sertanejos,
Pelo amor genuíno
Embriagou Virgulino
Com o sabor dos seus beijos.

Cada cabra um apelido,
Como por obrigação,
Pertencente à companheira
Punha no seu mosquetão.
Foi assim, como convinha, 
Batizado por Santinha
O rifle de Lampião.

Sendo chamada Santinha
Ficou desde aquele dia
Por Lampião, porque todos
Os seus gostos lhe fazia;
Por uma amizade forte,
Até à hora da morte 
Nunca a chamou de Maria.

Porém alguns violeiros,
Cantando na região,
Batizaram a companheira
Valente de Lampião:
Ficou como a história cita
Sendo MARIA BONITA,
A RAINHA DO SERTÃO.

Daí Maria Bonita
Seguiu o seu companheiro
Em todas as suas lutas
Sem exigir paradeiro,
Com prazeres e desgostos,
Fazendo todos os gostos
Do seu amor cangaceiro.

Maria não tinha medo
De macho, fosse quem fosse;
Quando alvejava um soldado, 
Dizia: - Aquele danou-se!
Caiu dentro de um buraco,
Que é lugar de “macaco” –
Acabou-se o que era doce.

Disparava muito bem
E tinha o dedo ligeiro;
Quando o grupo entrava em luta,
Sempre atirava primeiro:
Com qualquer arma de fogo
Tinha rapidez no jogo
Mais que qualquer cangaceiro.

Apesar de ser valente
Maria era afeiçoada
Às coisas bem femininas:
Só andava perfumada,
Impunha todo o rigor –
Quando dava o seu amor
Gostava de ser amada.

As coisas que precisava
Tinha em seu equipamento:
Perfume, batom, espelho,
Rouge, talco e armamento,
Escova de dente, pasta,
Pente e mais tudo que gasta
No caso um bom ornamento.

Às vezes por brincadeira
Mangava de Lampião,
Chamava-o de pernas tortas,
Porém sem mal intenção,
Porque lhe tinha respeito:
Se brincava desse jeito,
Era só por distração.

Mesmo porque Lampião
Com isso não se importava,
Achava que eram ciúmes
Que Maria destilava,
Gostava de a ver zangada,
Arengando, enciumada,
Até se deliciava...

Dizia, cheio de amor:
- Venha cá, minha pepita,
Não a quero ver com raiva,
Por que seu sangue se agita?
Não fique zangada assim,
Embora que para mim
Fica muito mais bonita.

Era assim como Maria
E Lampião conviviam,
Por um amor verdadeiro
Que os dois corações sentiam,
Com beijos apaixonados
Como eternos namorados
Mais os carinhos cresciam.

Sempre em luta quando mesmo
Enfrentando um batalhão,
Santinha permanecia
Ao lado de Lampião
Sem sobrosso nem temor,
Para ajudar seu amor
Com arma e com munição.

Depois que ela entrou no grupo,
Outras mulheres souberam
Da façanha de Maria – 
Do mesmo jeito quiseram
Conviver com os bandidos,
Em busca dos seus queridos
Mais cangaceiros vieram.

Cada uma que chegava
Com seu valor de mulher
A todos aparecia
No cangaço o seu mister;
Sem ter medo namorava,
Sob as estrelas casava
Com um bandido qualquer.

Entre as bandidas mostramos
Aldina, Sila e Rosinha,
Cira e Maria Cardoso,
Nenê de Ouro, Isaurinha,
Aura, Sabina e Otília,
Dadá, Juriti, Adília
E a famosa Mariquinha.

Cada cangaceira tinha
Um bandido como amante, 
Se enfeitava o mais possível
Para tornar-se elegante;
Estando encostada nele
Dava a vida pela dele 
Nas balas de uma volante.

Lampião com o seu bando,
Quando estava na Bahia,
No Raso da Catarina
A sua estada fazia;
Isso ele fez muitas vezes,
Passando meses e meses
Descansando com Maria.

O Raso da Catarina
Era um imenso deserto
Seco e cheio de perigos,
Sem residências por perto,
Num intrincado distinto 
Parecia um labirinto,
Não tinha caminho certo.

Era cortado por trilhas
Feitas pelos animais
Que infestavam aquelas terras,
Onças sendo os principais;
Caçadores se perdiam
De fome e sede morriam
E não voltavam jamais.

Era uma temeridade,
Para quem não conhecia,
Penetrar naquelas zonas
Onde o canguçu vivia,
Pois quando alguém por acaso
Falava em entrar no Raso,
Até burro se benzia.

Só Lampião não temia
Aquele deserto estranho;
Quando Lampião entrava
Sem pensar em perda ou ganho,
Sabia o lugar que era,
Pois fera não teme fera,
Seja qual for o tamanho.

Mesmo estando com Santinha,
A sua amada fiel,
Não temia canguçu,
Jiboia nem cascavel,
Porque quando descansava
Aquele casal passava
Mais uma lua de mel.

Porém como nem Jesus
Livrou-se de uma traição,
Alguns coiteiros fizeram
O mesmo com Lampião;
Nas mãos de um soldado mau,
Disseram tomando pau
Onde estava o capitão.

Volantes representando
Polícias de quatro Estados,
Somando seus componentes
Duzentos homens armados,
Penetraram no deserto
Seguindo o caminho certo 
Pelos coiteiros guiados.

Eram dez horas do dia,
A zona estava cercada,
Com Lampião no seu colo
Santinha estava sentada,
Tendo nele muita fé,
Lhe fazendo cafuné,
Beijando e sendo beijada.

Nesse momento os bandidos
Cuidavam na sua lida,
Limpando todas as armas
Com que defendiam a vida,
Enquanto as suas mulheres 
Lavavam pratos, talheres
E cuidavam da comida.

Subitamente das bocas 
Das muitas metralhadoras
Saiu uma tempestade
De balas destruidoras
Que logo vários bandidos
Foram mortos ou feridos
Pelas tropas invasoras.

Nada faziam porque
Estavam desprevenidos,
Sob um inferno de fogo
Corriam dando gemidos;
Enquanto muitos fugiam, 
Outros correndo caíam 
Pelas balas atingidos.

Lampião, vendo que não
Podia salvar a vida
Se não fugisse dali,
Vendo Santinha atingida,
Já com feridas expostas,
Colocou-a sobre as costas
E procurou a saída.

Sob uma chuva de balas
Escapuliu pelo fundo
Da caverna e não perdeu
Correndo nem um segundo.
Ouvindo cada estampido,
Porém não foi atingido
Graças ao Senhor do Mundo.

Corisco com mais dez cabras
E Volta Seca escaparam, 
Porém a roupa do corpo 
Foi somente o que levaram;
Mais seis bandidos saíram
Mas todos os que fugiram
Tudo o que tinham deixaram.

Os bandidos nessa fuga
Ficaram desordenados.
Porém pouco a pouco foram
Uns por outros encontrados;
Em lugares conhecidos 
Ficaram todos unidos 
Novamente organizados.

Santinha havia curado
Todas as suas lesões,
Agora o grupo compacto
Tinha sobradas razões
Para fugir das contendas
Em procura das fazendas
Fazendo arrecadações.

Como o casal possuía 
Uma filha da união,
Expedita, que morava 
Com um tio no sertão,
Lampião pensou um dia
A pedido de Maria
Em mudar de profissão.

Porém existe um ditado
Que ao tempo vem resistindo,
Ninguém não escapa dele
Escondido nem fugindo,
Pois afirma sem socorro:
“Quem nasce pra ser cachorro
Tem de se acabar latindo”.

Escondeu-se vários anos
Fugindo dos inimigos,
Arranjando os mantimentos
Sem enfrentar os perigos,
Fazendo com sacrifícios,
Bondades e benefícios,
Na sombra dos seus amigos.

Porém perto a Garanhuns,
Pensando mudar de vida,
Um volante atacou-o
Com uma fúria homicida
Que Santinha ficou roxa,
Com uma bala na coxa
Foi novamente atingida.

Mais uma vez Lampião
Como correndo do fisco
Conduziu Santinha até
As margens do São Francisco
E com toda a sua equipe 
Homiziou-se em Sergipe,
Embora correndo risco.

Assim Lampião chegou
Acossado e perseguido
Na fazenda do Angico,
Onde era bem recebido
Pelo seu proprietário,
Tinha todo o necessário
Em uma gruta escondido.

Dessa vez vinha cansado
Com a vida ameaçada,
Trazendo a mulher ferida
Para que fosse tratada,
Que ficou sem sentir tédio
Com repouso e com remédio
Completamente curada.

Quando viu Santinha boa,
Ficou feliz Lampião –
Pensou ficar descansando
Um pouco na região,
Sem a ninguém dar notícia,
Para não ver a polícia
Em sua perseguição.

Foi na gruta do Angico
Onde ficou acampado,
No mesmo lugar que foi 
Traído e denunciado;
Por uma tropa tirana
Da polícia alagoana
O bando foi atacado.

Cinco horas da manhã,
A passarada cantando,
Com as barracas se abrindo,
Os cabras se levantando;
Cercando todos os lados
Com os fuzis apontados
A tropa foi disparando.

Os bandidos recebendo
Os besouros que choviam,
Uns tentavam resistir,
Outros com medo corriam:
Todos parecendo loucos,
Escapavam só uns poucos
Enquanto outros morriam.

Lampião e sua amada
Vistos na primeira linha
Receberam balas sem
Saber de onde a morte vinha;
O chefe todo ferido
Morreu sem dar um gemido,
Abraçado com Santinha.

Naquele dia Maria
Deu o derradeiro adeus
A todos que a conheciam –
Parentes e amigos seus –
Nos braços de Lampião,
O amor do seu coração,
Entregou a alma a Deus.

Trouxe Maria no sangue
Essa força como um laço,
Onde a prendeu ao destino
Dando-lhe o maior espaço;
Orgulhosa pela sorte,
Recebeu na sua morte
Os horrores do cangaço.

FIM
ANTONIO TEODORO DOS SANTOS 
(O POETA GARIMPEIRO)

Nasceu em Jaguarari/BA, em 24 de março de 1916. Antigo garimpeiro (donde seu cognome). Autor bastante fecundo, sua obra principal foi Vida e Tragédia do Presidente Getúlio Vargas (Editora Prelúdio, São Paulo), da qual se venderam 280 mil exemplares, e que mereceu uma análise especial do professor Raymond Cantel, diretor do Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Sorbone, Paris.


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